A democracia continua a perder terreno no mundo. O Índice de Transformação da Fundação Bertelsmann (BTI, na sigla inglesa) de 2024 indica que o número de autocracias aumentou em quatro, para 74, face ao relatório anterior, de 2022, suplantando pela segunda vez as democracias, que fizeram o movimento inverso, perdendo quatro, para 63. Este é o pior resultado registado na análise dos países em desenvolvimento em direção a sociedades mais abertas desde 2006, quando o BTI começou a ser feito.

Para a construção do índice, são avaliadas a qualidade da democracia, o desenvolvimento económico e a qualidade da governação em, atualmente, 137 países em desenvolvimento (inicialmente eram 119), e, no último estudo, registaram-se novos mínimos globais médios em cada uma destas áreas.

Os países são avaliados através de 17 diferentes critérios e 52 indicadores, com o contributo de cerca de 300 especialistas.

A proporção de autocracias entre os países analisados foi crescendo, de 40% em 2008, para 51% em 2022, a primeira vez em que o número de regimes com características ditatoriais ultrapassou o dos democráticos.

Os autores do BTI já tinham assinalado, em anteriores relatórios, que os sinais de erosão das democracias se começaram a notar no estudo de 2010, cujo período de análise decorreu em 2008 e 2009, apanhando a chamada Grande Recessão, provocada por uma crise financeira global, a que se seguiu uma crise das dívidas soberanas.

A proporção de autocracias é, agora, de 54% e o seu número aumentou 54,1%, entre 2006 e 2024.

“Os dados mostram que cada vez mais países estão a restringir direitos de participação política, em particular – de eleições livres e liberdade de reunião à liberdade de expressão”, refere Ralph Heck, presidente-executivo da Fundação Bertelsmann, na introdução do relatório do estudo deste ano. “A erosão contínua da separação de poderes e a diminuição do espaço para o envolvimento da sociedade civil agravam estes desafios”, acrescenta.

Na área da transformação política, a análise do BTI conclui que “o monopólio do uso da força está a crescer nas autocracias mais duras”, mas a perder terreno nas autocracias que enfrentam questões de legitimidade.

Dez países são classificados como Estados falhados.

Pandemia ainda impacta

Destaca-se que a separação de poderes foi ainda mais enfraquecida pela concentração do poder executivo e que a responsabilização horizontal (o sistema de checks and balances) deixou de estar presente nos países que sofreram golpes de estado, mas também em países como o Afeganistão, com o regime talibã.

“Eleições livres e justas são encontradas em apenas numa minoria dos países examinados” e “a qualidade das oportunidades de voto caiu em 25 países”, acrescenta o relatório.

Quanto à transformação económica, destaca-se que “as barreiras socioeconómicas continuam a crescer”, com a pobreza e a desigualdade a atingirem níveis em 83 países que “excluem, estruturalmente, uma parcela significativa da população”. Mais de metade destes países estão localizados em África.

Os efeitos da recessão económica global desencadeada pela pandemia de covid-19, a que se seguiu a crise inflacionista e, também, as consequências da guerra provocada pela invasão russa da Ucrânia, ainda continuam a pesar. “59 economias ainda não recuperaram o seu desempenho para os níveis de quatro anos atrás”, regista o BTI.

Devido a esta evolução, como consequência de uma maior pobreza e de desastres naturais mais frequentes e graves, na área da governação, “as restrições estruturais” estão a aumentar. “Mais de metade de todos os governos enfrentam grandes limitações da sua capacidade para gerir a transformação” e cada vez menos governos são bem-sucedidos na implementação das suas prioridades.

“Os atores antidemocráticos estão a ganhar influência, tornando-se cada vez mais difícil incorporá-los ou remetê-los a um papel secundário”, refere o estudo. “Em metade dos países, as forças reformistas têm pouca ou nenhuma influência sobre atores antidemocráticos, que muitas vezes ocupam posições de governo”, sublinham.

Preocupação em ano de todas as eleições

A pontuação média global do índice de governação caiu no BTI 2024 para um novo mínimo de 4,60 pontos.

“Nas autocracias entrincheiradas do mundo e nos regimes com tendências autoritárias, vemos uma crescente centralização do poder nos poderes executivos, que estão a sobre explorar os mecanismos destinados a garantir a separação de poderes”, refere o BTI. “Acompanhado por esforços para limitar a participação no processo político, esta tendência está a resultar numa repressão do discurso público e a supressão de comentários críticos, que em última análise, abre a porta para práticas clientelares”, acrescenta.

A comparação entre o BTI 2024 com o publicado em 2014, mostra até que ponto a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e o direito de livre associação se degradaram. A proporção de países classificados com as pontuações mais baixas da escala no indicador relativo ao direito de associação aumentou 17 pontos, para 36%, enquanto a proporção de países que concedem estes direitos quase sem exceção caiu de 40% para 27%, e a proporção de países em que a liberdade de expressão já não existe, de facto, mais do que duplicou, passando de 18% para 38%.

Esta situação torna-se mais dramática quando sabemos que este é o ano de um recorde de atos eleitorais, com mais de dois mil milhões de eleitores a serem chamados às urnas para escolher parlamentos, senados, governos e presidentes, incluindo em sete dos dez mais populosos países do planeta, e, também, na União Europeia.

“O BTI 2024 revela uma insatisfação sustentada com as instituições e processos da democracia, refletindo um declínio contínuo nesta área. Ainda mais alarmante tem sido a erosão do compromisso das elites políticas com as instituições democráticas”, diz Ralph Heck. “Os pilares da resiliência democrática abrangem o fortalecimento das instituições democráticas, salvaguardar vigorosamente a integridade das eleições, nutrir uma vida vibrante da sociedade e promover a inclusão social. Uma boa formulação de políticas ainda é uma das melhores respostas aos desafios autoritários”, acrescenta.

“Melhores resultados são possíveis”, finaliza.