Com a emergência e expansão da classe média em Portugal e no mundo, a distribuição normal de riqueza e estandardização da qualidade de vida pressupunha, à partida, que a própria noção de classe visse a sua importância cada vez mais reduzida e as linhas cada vez mais ténues.
Acontece que o elevador social ou está enferrujado ou foi sabotado. De qualquer das formas, pouco mexe e, mexendo, mais facilmente desce do que sobe. O privilégio sempre existiu e é natural que assim o seja, mas o problema revela-se quando o privilégio se torna a única via possível para o sucesso. É igualmente natural que a falta de privilégio seja um entrave inicial, o problema é quando a barreira se torna num muro.
Se dinheiro gera dinheiro, o ciclo é fechado. Se apenas dinheiro gera dinheiro, a moeda perde todo o seu significado exceto o valor literal. O valor literal da moeda é o mais imperdoável por não olhar a fatores externos, tornando absoluto tudo aquilo que, na realidade, é relativo a cada um. Sem nuances, a divisão é abrupta, dura.
Se não há nuances, a linha deixa de ser ténue; se não há nuances, se o elevador não funciona, a subida terá de ser feita pelas escadas, com cada degrau mais íngreme que o anterior, até porque a suposta expansão daquilo a que chamamos de “classe média” está a ser acompanhada por uma nivelação por baixo dos padrões medianos de vida, sucessivamente polarizados.
Filhos de pais pobres, menos instruídos ou imigrantes têm à sua frente a hercúlea tarefa de quebrar um ciclo que os afeta desproporcionalmente mais do que aos filhos de pais ricos, mais instruídos e nacionais. A justificação são todos os fatores menos aquele que realmente importa, que é a classe – daí que escolas públicas em zonas mais ricas, “burguesas”, como a Escola Secundária D. Filipa de Lencastre, obtenham melhores resultados do que escolas públicas (e até privadas) em zonas com menos possibilidades. Daí também que, embora nenhum ofício esteja, tecnicamente, intimamente ligado a qualquer tipo de característica, o trabalho de limpezas, por exemplo, costuma ser feito por pessoas pobres, migrantes ou ambas.
Se tudo isto é verdade, tiramos daqui duas conclusões e uma reflexão. Primeiramente, a classe continua a ser o maior divisor social e tudo o resto é areia para os olhos; segundamente, a classe média vai perdendo o seu lugar numa sociedade desproporcionalmente dividida entre “pobres”, “comparativamente pobres”, “comparativamente ricos” e “ricos”. Nesta nivelação por baixo, o cidadão mediano tenderá a ser comparativamente pobre. Face a tudo isto, a reflexão é simples: em qualquer outro país do mundo, tamanha polarização e incapacidade de subir degraus teria outro nome que não classe – seria casta.
Mestrando em Ciência Política e Relações Internacionais