Os direitos políticos e as liberdades civis diminuíram em 52 países, no ano passado, e melhoraram apenas em 21 outros, segundo o último relatório da organização não governamental (ONG) norte-americana Freedom House, que registou, em 2023, o 18.º ano consecutivo em que o saldo entre os países onde se verificam evoluções positivas e aqueles em que os registos pioram é negativo.

A deterioração das condições para o exercício da liberdade afetou um quinto da população mundial em 2023 e é explicada com os constrangimentos nos processos eleitorais e a multiplicação de conflitos armados.

“A manipulação das eleições está entre as principais causas da erosão global da liberdade”, referem os técnicos da Freedom House no relatório de 2024, sendo esta a causa da redução das pontuações em 26 países.

“Não só a manipulação eleitoral foi alargada como assumiu uma ampla variedade de formas”, refere o instituto, apontando como exemplos os esforços para reverter resultados eleitorais, como aconteceu na Guatemala, Tailândia e Zimbabué; a criação de condições desiguais de participação no processo eleitoral para a oposição, como se verificou no Camboja, na Polónia e na Turquia; ou os casos do Equador, Nigéria e Taiwan, em que as eleições foram perturbadas por “violência, pela apatia dos eleitores ou por ameaças de interferência de ditaduras estrangeiras”.

No Equador, as eleições foram marcadas pela violência generalizada, incluindo os assassinatos de vários funcionários do Estado e candidatos políticos, o que levou o país a ver a sua classificação neste índice cair de país livre para parcialmente livre.

O Equador foi o único dos 195 países analisados em que a deterioração das condições levou a uma alteração da classificação.

A Tailândia melhorou a classificação de país não livre para parcialmente livre, devido à realização de eleições legislativas que permitiram a formação de um novo governo de coligação, liderado por aquele que tinha sido um dos maiores partidos da oposição. Ainda assim, regista-se que a Constituição elaborada pelos militares permitiu que “senadores não eleitos” deturpassem o processo eleitoral, fazendo com que o partido com o maior número de votos fosse excluído da solução de governo.

O partido Seguir em Frente, inesperado vencedor das eleições, ainda apresentou um governo apoiado por uma coligação de oito partidos, que contava com uma ampla maioria parlamentar, mas que foi bloqueado pelo Senado, conservador, designado pelo anterior governo militar e conhecido por votar em bloco na defesa dos seus próprios interesses, que rejeita liminarmente a intenção do partido mais votado de alterar a lei que proíbe críticas à monarquia tailandesa. A solução governativa acabou por ser construída pelo partido Pheu Thai, o segundo maior da coligação.

Pior em todas as regiões
O declínio dos direitos políticos e das liberdades civis verificou-se em todas as regiões. África registou uma deterioração da liberdade pelo décimo ano consecutivo, com as eleições realizadas na Nigéria, Zimbabué e Madagáscar a serem marcadas pela violência e por suspeitas de fraude, com a continuação de conflitos armados em diversos países e com golpes de Estado que levaram à destituição de governos, numa tendência que se acentuou em 2023.

“Os golpes de Estado continuaram a destruir as instituições democráticas e a retirar o direito das pessoas de escolherem os seus líderes”, refere a Freedom House. “Em julho, o Níger tornou-se o sexto país da região do Sahel, em África – depois de Burkina Faso, Chade, Guiné, Mali e Sudão -, a ser alvo de um golpe de Estado desde 2020. Uma junta militar derrubou o governo democraticamente eleito”, acrescenta, apontando que isto resultou num declínio de 18 pontos na escala de 100 com que é avaliada a liberdade no mundo.

Nos últimos cinco anos contabilizam-se 14 tentativas de golpes de Estado em países das regiões ocidental e central de África, com especial incidência no Sahel, a terra semiárida que separa o deserto do Sara das savanas tropicais.

Na Eurásia – caracterizada por não incluir qualquer país avaliado como livre -, a situação continua a ser dominada pelo conflito desencadeado pela invasão russa da Ucrânia, que definiu o tom. “Governos repressivos em toda a região seguiram a liderança de Moscovo ao propor ou promulgar leis que rotulam meios de comunicação independentes e organizações da sociedade civil como agentes estrangeiros”, refere a Freedom House. Também no Médio Oriente, um conflito de elevada intensidade gerado pelo ataque do movimento islamista palestiniano Hamas contra Israel condiciona a região.

Nas Américas, a ONG sobressalta-se por não ter havido melhorias em qualquer país, mas registados declínios em nove.

Na Europa, onde mais de 80% da população vive em países considerados livres, o declínio registado deve-se ao “agravamento da situação governamental” e a situações de “disfunção, incluindo preocupações crescentes sobre questões oficiais, corrupção e falta de transparência”.

A liberdade também diminuiu na região da Ásia-Pacífico em 2023, com ameaças por parte dos incumbentes aos processos eleitorais, pelos esforços para limitar a oposição política, na véspera de um ano em que um número recorde de países realizará eleições.

O desafio de 2024
Este é um ponto de partida para um ano de 2024 em que “a luta global pela liberdade enfrenta um teste crucial”, com a realização de eleições nacionais em 60 países, com mais de 2 mil milhões de eleitores a serem chamados às urnas para escolher parlamentos, senados, governos e presidentes, incluindo sete dos dez mais populosos países do planeta, assim como na União Europeia, fazendo escolhas que influenciam diretamente cerca de metade da população mundial, mas que podem ter repercussões na ordem internacional.

“Eleições livres e justas são a pedra angular de qualquer democracia e processos eleitorais independentes e transparentes são necessários para promover uma concorrência genuína e a confiança dos cidadãos”, refere a ONG.

São destacadas as eleições que terão lugar nos EUA, mas também na Índia, na Rússia, no México e na África do Sul. A África subsariana será varrida por eleições, com a realização de 31 atos eleitorais em 17 países.

Por isso, a Freedom House defende que “os governos democráticos devem imediata e publicamente condenar a manipulação eleitoral ou a recusa de honrar resultados eleitorais” e sugere pressão diplomática e sanções para punir os “esforços para defraudar eleições, inclusive através do abuso de recursos públicos e a utilização da comunicação social para beneficiar injustamente o incumbente, ou alterando as regras eleitorais num prazo curto para colocar a oposição em desvantagem”.

“As democracias não deveriam reconhecer a legitimidade dos líderes que chegam ao poder através da manipulação eleitoral sistemática”, defende.

Propõe ainda que os governos democráticos protejam os processos eleitorais da ameaça de interferência estrangeira, partilhando entre si qualquer informação relativa a ameaças eleitorais e revendo, antes de cada eleição, a infraestrutura de votação física e digital contra invasões, prevenindo interferências externas e garantindo a independência e imparcialidade dos órgãos de gestão eleitoral.

Apenas 20% da população mundial vive em países classificados como livres, outros 38% em países não livres, e a maior fatia, de 42%, representando cerca de 3,4 mil milhões de pessoas, em países parcialmente livres.

Artigo publicado na edição do NOVO de 9 de março