Estando por estes dias no Brasil, não posso deixar de ficar fascinado com os resultados alcançados pelo sector “agro” brasileiro nos últimos 50 anos.

Até ao início dos anos 70 do século passado, a economia agrícola do Brasil era baseada, sobretudo, na produção de café e de cana-de-açúcar. Por essa altura, o Brasil era um grande importador de alimentos básicos para a sua população, nomeadamente de arroz, feijão, carnes e leite.

Atualmente, e com pouco mais de 215 milhões de pessoas, o Brasil já produz alimentos suficientes para aproximadamente 900 milhões de pessoas, ou seja, para 11% da população mundial. De acordo com um relatório recente do banco BTG Pactual, o Brasil é o “celeiro do mundo” e já se tornou líder mundial na exportação de sete alimentos: soja (56% das exportações mundiais), milho (31%), café (27%), açúcar (44%), sumo de laranja (76%), carne bovina (24%) e carne de frango (33%). E ainda é “vice-líder” mundial na comercialização mundial de etanol e algodão.

A produção de grãos (cereais e oleaginosas), por exemplo, subiu de 47 milhões de toneladas em 1977 para as 312 milhões de toneladas atuais. A produtividade agrícola aumentou 58% desde o ano 2000. No mesmo período, o crescimento foi de 37% nos países emergentes e de 32% nas economias avançadas. A evolução da agricultura no país garantiu a segurança alimentar da população brasileira, a consolidação de cadeias de valor, a criação de emprego e a geração de riqueza. A agricultura brasileira é responsável por cerca de 21% dos empregos (formais) no Brasil. Em 2022, a agricultura representou 47,6% das exportações brasileiras e contribuiu com 24,8% para o PIB brasileiro. Ou seja, o PIB agrícola brasileiro é o dobro do total do PIB português.

A trajetória da agricultura brasileira é resultado de uma combinação de fatores. É um país com abundância de recursos naturais, com extensas áreas agrícolas e com disponibilidade de água, calor e luz, elementos fundamentais para a produção. Mas o que fez a diferença nestes últimos 50 anos foram os investimentos em inovação e desenvolvimento agrícola, que permitiu avanços nas tecnologias e nas práticas culturais, bem como a assertividade de políticas (públicas e privadas) e a aposta na capacitação dos agricultores.

O caso da cultura da soja é um bom exemplo de como a tecnologia pode transformar a produção agrícola. As primeiras produções comerciais surgiram na década de 1960, no Rio Grande do Sul, especialmente por uma razão climática: a soja é uma planta de regiões frias e estava limitada às áreas próximas ao paralelo 30.

Cultivar soja noutras regiões do país era um desafio biológico e tecnológico. As respostas surgiram depois de anos de pesquisas realizadas pela EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – uma referência mundial), por universidades e pela iniciativa privada. Com técnicas de melhoramento genético, foram desenvolvidas variedades de soja adequadas às condições de solo e clima do Brasil.

Outro importante contributo está relacionado com a correção e a adubação dos solos. O uso de fertilizantes tornou-se um fator crítico na produção (estima-se que só os fertilizantes azotados sejam responsáveis pelo aumento de cerca de 40% na produção de alimentos no mundo), mas conduziu a um problema para o país: a dependência de importações. O Brasil passou a consumir muito mais fertilizantes do que a quantidade produzida internamente. A resposta da investigação foi desenvolver uma tecnologia para fixar o azoto do ar nas raízes das plantas por meio de bactérias. Atualmente, através da tecnologia de Fixação Biológica de Azoto, estima-se uma poupança na ordem dos 400 milhões de euros em compra de fertilizantes pelos agricultores.

Com a expansão do sector, várias cidades transformaram-se em polos de desenvolvimento agrícolas, como Dourados, no Mato Grosso do Sul, Maringá, no Paraná, ou Uberlândia, em Minas Gerais, só para citar alguns exemplos que tive oportunidade de conhecer. São todas cidades recentes, mas com forte desenvolvimento económico.

Muitos questionarão se o processo de desenvolvimento agrícola brasileiro foi o mais sustentável, e se deveria ter sido diferente, sobretudo a pensar na realidade da deflorestação amazónica. Na verdade, é muito provável que tenham sido cometidos excessos, e podem certamente ser feitas no futuro muitas melhorias para conseguir uma relação mais equilibrada entre ambiente e a produção de alimentos. Independentemente disto, o exemplo brasileiro deve ser visto sem o estigma com que é olhado muitas vezes à distância. A produção agrícola ocorre em apenas 8% do território brasileiro, o que compara com 14% na Argentina, 18% nos Estados Unidos e na China, 36% em Portugal, 58% em França ou 61% na Índia. Ou seja, o Brasil tem, quando comparado com outros países, uma enorme extensão de áreas de conservação e não produtivas que permitem a preservação de valores naturais.

Sempre que aqui venho fico impressionado com o orgulho com que os taxistas (são um importante “teste do algodão”) falam sobre o “Agro”. Sabem que são líderes na produção de soja e que o Brasil alimenta mais de 10% do mundo. É motivo de orgulho nacional. Não sou brasileiro, mas também partilho do sentimento.