O constitucionalista Vital Moreira critica a intervenção do Presidente da República no processo relacionado com o tratamento das gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinhal no hospital de Santa Maria, em Lisboa, colocando em causa a “ética republicana” do chefe de Estado. “Sendo Marcelo Rebelo de Sousa o primeiro magistrado da República, esta incúria, ainda que benévola, não lhe fica bem”, assinala o antigo eurodeputado num artigo de opinião publicado no blogue Causa Nossa.

O antigo eurodeputado começa por dizer que não convence a tese do chefe de Estado de que agiu de forma “neutral” perante o e-mail do filho sobre o caso das gémeas. E não convence porque “o pedido vinha do seu próprio filho – que num caso destes não é, manifestamente, um “cidadão como qualquer outro” -, o qual obviamente visava obter o endosso paterno do PR para reforçar a sua ‘cunha’, o que não deveria ter recebido”, defende o constitucionalista.

Além disso, além do envio do pedido ao governo, o Presidente “deu instruções aos serviços da Presidência para contactarem o Hospital de Santa Maria sobre o assunto, o que não deve ser norma na Presidência, pois os serviços de saúde dependem exclusivamente do governo (tal como toda a Administração Pública), pelo que não devem ser interpelados diretamente por Belém”, argumenta Vital, considerando não ter existido, neste caso, separação de poderes.

Na opinião do constitucionalista, não há “obviamente na conduta presidencial nada de penalmente ilícito”, mas, acrescenta, “o mesmo não se pode dizer do respeito da ética republicana, que não é obviamente compatível com a promoção de privilégios de tratamento nos serviços públicos”.

Segundo Infarmed, o medicamento Zolgensma (considerado um dos mais caros do mundo) já foi administrado a 33 crianças desde que a bebé Matilde o recebeu em julho de 2019.

O caso das bebés luso-brasileiras tornou-se notícia há mais de um mês quando a TVI noticiou que as crianças tinham sido tratadas na sequência de uma alegada cunha presidencial, o que Marcelo negou desde logo, dando conta não se lembrar se o filho ou a nora o tinham contactado sobre a situação.

Os esclarecimentos surgiram apenas na semana passada, numa conferência de imprensa no Palácio de Belém, na qual o Presidente assumiu que, afinal, recebera um e-mail do filho a expor o caso e a perguntar se era possível saber se o hospital de Santa Maria iria responder ao pedido de tratamento. Após uma troca de comunicações que envolveram Nuno Rebelo de Sousa, a Casa Civil da Presidência e a assessora para os assuntos sociais, o dossier foi reencaminhado para o gabinete do primeiro-ministro, que o remeteu à tutela competente – o Ministério da Saúde.

Marcelo assegura que terminou aí a sua intervenção no caso, desconhecendo, por isso, as diligências que se seguiram. A polémica tem vindo a conhecer vários desenvolvimentos, implicando agora o ex-secretário de Estado da Saúde António Lacerda Sales, que a TVI diz ter-se reunido com Nuno Rebelo de Sousa várias vezes enquanto decorria o processo relacionado com as gémeas.

O caso motivou a abertura de um inquérito contra desconhecidos sobre alegado favorecimento por parte do Ministério Público. A Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) também determinou a abertura de um inquérito, a que se juntou uma auditoria interna do próprio hospital.