A investigação “Níveis de Literacia em Sáude – Portugal”, desenvolvida pela Direção-Geral da Saúde em 2021, promoveu uma nova avaliação da Literacia em Saúde da população portuguesa, dada a reconhecida “importância desta medição para a promoção da saúde da população”. Rita Francisco, coordenadora do Mestrado de Psicologia da Saúde Pública da Univesidade Católica Portuguesa, destacou ao NOVO que o trabalho revelou que apenas 34,5% dos portugueses apresenta níveis adequados de literacia em navegação no sistema de saúde e demonstrou ainda que as pessoas com baixa literacia em saúde utilizam mais os serviços de saúde, incluindo os serviços de urgência, cujo comportamento reflete-se nos custos acrescidos para o sistema de saúde.

“O estudo mostrou que as pessoas têm mais facilidade em saber o que fazer para promover a sua saúde do que para prevenir doenças”, explicando que, apesar dos portugueses apresentarem níveis adequados de literacia em saúde, esta competência varia consoante o tipo de decisões ou dos temas em causa. Refere que a dificuldade é acrescida em pessoas com mais idade e com menores níveis de escolaridade, sendo uma tendência global que pode ser diminuída através da implementação de ações de promoção da literacia ao longo de toda a vida, a começar “o mais cedo possível”.

Rita Francisco alerta que daqui advêm consequências diversificadas, partindo desde logo da adoção tanto de menos comportamentos de prevenção quanto de estilos de vida menos saudáveis. Ora, isto daria azo a um maior risco de desenvolvimento de problemas de saúde, que podem ser tanto de elevado potencial de risco (como a mortalidade materna ou as doenças evitáveis pela vacinação) como de elevada magnitude (como cancro, AVC ou depressão). “Por isso, pessoas com menor literacia apresentam muitas vezes pior saúde, menor capacidade de autocuidado e também menor adesão aos tratamentos sugeridos pelos profissionais de saúde”, complementa a especialista.

“Naturalmente que estes aspetos acabam por ter consequências que vão além da vida da própria pessoa, pois a baixa literacia em saúde também está associada a uma maior utilização dos serviços de saúde e a mais hospitalizações evitáveis, o que resulta em despesas de saúde mais avultadas para o próprio doente, mas também para todo o sistema de saúde”, salienta.

Apontou que esta situação é observada sobretudo nos meses de inverno, onde constatou-se uma “elevada afluência de doentes aos serviços de urgência e as longas esperas”, sendo que eram situações de saúde “frequentemente consideradas não urgentes” e interligadas à “dificuldade em navegar no sistema de saúde, desde a identificação do tipo de serviços de saúde de que precisam perante um determinado problema de saúde até decidir a qual recorrer”.

A especialista explica que o conhecimento desta matéria é “igualmente determinante” em problemas com potencial de risco em ascensão, como é o caso de infeções transmitidas por vetores (como a malária ou a dengue) e infeções virais com potencial pandémico, fortemente influenciadas pelas alterações climáticas. “Isto alerta-nos ainda para a importância da literacia em relação a ‘uma só saúde’, isto é, o conceito que remete para o reconhecimento da ligação entre pessoas, animais e ambiente, com o objetivo de alcançar melhores resultados na área da saúde”, acrescenta.

“Há uma série de outros fatores mais contextuais – sejam eles sociais, culturais ou relativos ao próprio sistema de saúde em que a pessoa se encontra inserida – que têm um peso muito significativo no conhecimento que se adquire sobre saúde e na adoção de comportamentos de prevenção, proteção e promoção da saúde.”

Aqueles com níveis mais elevados de literacia em saúde, por sua vez, seriam geralmente as “pessoas do sexo masculino, mais jovens, com maior capacidade económica, com níveis superiores de escolaridade e que se encontram empregadas”, em contraste com grupos vulneráveis, que acabam por ser mais afetados pelas desigualdades em saúde.

Utiliza como exemplo os migrantes em Portugal que vivem em contextos mais desfavorecidos em termos sociais e económicos: “Há claramente mais dificuldades de literacia em saúde, não só associadas a obstáculos no acesso e compreensão da informação (pela língua em que esta possa estar a ser disponibilizada, maioritariamente em português), como a dificuldades de navegação num sistema de saúde desconhecido, que pode ser muito complexo e diferente do sistema de saúde dos seus países de origem, e com o qual não tenham ainda construído uma relação de confiança (por exemplo, com o sistema em si e com os profissionais de saúde), que é também essencial para a adoção de comportamentos adequados em saúde.”

A especialista enfatiza a importância da psicologia na promoção do tema: “Quando o objetivo é mudar o comportamento humano, a psicologia tem um papel essencial”. “Sendo, por excelência, a ciência que procura não só compreender o comportamento humano e os fatores que o influenciam, como também contribuir para a sua modificação (…), tendo em vista a adoção de comportamentos saudáveis e protetores da saúde individual e coletiva”.

A ciência seria igualmente uma mais valia para a identificação e implementação de estratégias que facilitem a comunicação de mensagens, tais como a situação clínica de um paciente ou sobre a mudança de políticas que envolvam a saúde dos cidadãos.

“Por exemplo, a análise da perceção de risco da população em relação a uma determinada ameaça em saúde (como foi a pandemia de covid-19) ou a compreensão de barreiras e facilitadores da adoção de comportamentos protetores da saúde (como a vacinação) ajudam na preparação e resposta a emergências de saúde pública. Dado que se prevê que as emergências em saúde pública venham a aumentar, considerando a crise climática, as migrações forçadas ou a pobreza e a exclusão social, a preparação de profissionais para lidar com estes desafios é urgente”, explica.

Avança que o papel das universidades também é imprescindível para a formação de profissionais habilitados e na área de investigação para a equidade em saúde e de justiça social, e menciona que a Universidade Católica tem vindo a trabalhar neste sentido, com a abertura de uma área especialização “inovadora” em Psicologia da Saúde Pública no próximo ano letivo, no âmbito de um dos mestrados em Psicologia.

Reforça que um dos investimentos promissores, e com impacto a longo prazo, é efetivamente promover comportamentos saudáveis e capacitar a população de acordo com as especificidades de cada etapa do seu desenvolvimento ao longo da vida, a começar logo na infância. Este fator também reduziria a carga de doenças transmissíveis e não transmissíveis, e exigiria uma coordenação entre vários setores, desde a “articulação de políticas de saúde ao trabalho com as comunidades e com os grupos mais vulneráveis e o aproveitamento de todos os contextos para a implementação de ações diversificadas de promoção da literacia em saúde”.

Tendo em conta a necessidade de implementação de ações nesta matéria em diferentes contextos e etapas do ciclo de vida do ser humano, assim como da colaboração estratégica entre diferentes entidades, Rita Francisco reforça a igual relevância da participação de diferentes profissionais neste processo, como educadores, agentes da proteção civil, profissionais da área da comunicação e “naturalmente” dos profissionais de saúde.

Destaca ainda que “somos todos agentes de saúde pública”, enquanto modelo de comportamento para os que nos rodeiam e também enquanto promotores da participação ativa dos cidadãos nas questões relacionadas com a sua saúde, através da mobilização de parceiros e agentes da comunidade, para, por exemplo, associações de doentes, corpos de bombeiros ou grupos de jovens. Assim, considera que estes “influenciadores sociais” possam ser responsáveis pela “disseminação de informação de saúde baseada em fontes credíveis, pelo desenvolvimento de competências de tomada de decisão, e pela adoção de comportamentos ajustados à situação de saúde de cada elemento das suas comunidades”.

“A sociedade em geral pode, efetivamente, ser um agente ativo na promoção da literacia em saúde, e deve ser mobilizada enquanto tal, a bem da saúde de todos e de uma só saúde”, conclui.

Editado por Bruno Pires