O Ministério Público (MP) é uma magistratura autónoma, englobadas no poder judicial, mas se quiser adquirir uma caneta tem de pedir ao poder político. A Procuradora-Geral da República no congresso nos Açores, pôs o dedo na ferida: “Só a autonomia financeira permitirá garantir a efetiva autonomia do MP relativamente aos demais poderes do Estado”, disse.

Terá sido a ocasião em que de forma mais direta e critica Lucília Gago se referiu ao assunto: “Um dos desalentos maiores que connosco transportaremos no final do mandato é o de que, tendo presentes as particulares atribuições do MP, especialmente no domínio penal, e a incontornável necessidade de afetação de recursos materiais e humanos vitais para a prossecução daquelas, cada vez de maior dimensão e complexidade, pecarão crescentemente por inexpressivos os avanços de que nos poderemos vangloriar, caso permaneça por reconhecer a essencialidade da consagração da autonomia financeira do MP.” E avisou: “Torna-se cada vez mais flagrante, com efeito, que só [a autonomia financeira] proporcionará a afetação de recursos necessários ao eficaz combate à criminalidade, particularmente a mais grave, a mais censurável e violenta.”

O recado

Depois, ainda sobre a necessidade de o MP ter orçamento próprio, Lucília Gago disse algo que será impercetível ao comum dos cidadãos, pelo estilo de linguagem usada, mas que no judiciário toda a gente certamente perceberá. Foi este o recado da PGR, diretamente para o mundo político: “A mera enunciação asséptica de um dever ser tenderá a falhar, na substância, pela faculdade de condicionamento, ou mesmo de asfixia, que o largo campo de intervenção do poder executivo sobre o MP efetivamente contempla”.

O congresso dos Açores, com o lema “Ministério Público em Evolução: Atualidade, Proximidade e Iniciativa” realizou-se na ilha de São Miguel entre os dias 29 de fevereiro e 2 de março, promovido pelo Sindicato dos Magistrados dos Ministério Público (SMMP). O presidente da entidade, Adão Carvalho, está também em fim de mandato, tendo protagonizado, na abertura dos trabalhos, logo a seguir a Lucília Gago, uma das intervenções mais duras do congresso, com ataques diretos ao poder político e aos comentadores. Disse: “O grave disto tudo é que [os comentadores] arrastam atrás de si os responsáveis políticos, que tomando como sérios e verdadeiros os comentários, logo se mostram disponíveis para alterar a lei, para resolver o problema criado por aquele processo, sem uma ponderação e conhecimento efetivo do que está em causa.” Aquele congresso evidenciou o ambiente de crispação que se vive em Portugal.

Artigo publicado na edição do NOVO de 2 de março, nas bancas