Denúncias sobre árbitros que, pelas decisões que tomaram durante um jogo, só podiam “estar comprados”. Denúncias sobre alegadas entregas de dinheiro a jogadores, agentes ou dirigentes da equipa adversária antes das partidas. Denúncias sobre alegados comportamentos ou circunstâncias estranhas na cabina. Denúncias sobre ofertas ou pagamentos às equipas como incentivo para jogarem melhor e ganharem uma competição (prática que só foi criminalizada em 2017). Denúncias sobre supostas combinações de resultados. Denúncias sobre corrupção de atletas para ganhos em apostas desportivas. Denúncias sobre encontros suspeitos entre empresários e dirigentes em hotéis ou locais bizarros.
Queixas como estas, muitas delas anónimas, sem grandes detalhes e escritas ao estilo de comentários de “treinadores de bancada”, estão a entupir o processo 5.340, que investiga suspeitas de corrupção, fraude fiscal e tráfico de influências contra o Benfica, ameaçando torná-lo ingerível para o Ministério Público e para os advogados de defesa dos arguidos.
São quilos de papel que estão a encher a totalidade de um gabinete no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto – um inquérito “monstro” que já conta com dezenas de volumes e só em apensos concentra mais de 300 até ao momento. Domingos Soares de Oliveira, Rui Costa, José Eduardo Moniz, Nuno Gaioso e a SAD benfiquista foram constituídos arguidos mas, até hoje, nunca foram ouvidos pelo Ministério Público. O FC Porto e o Sporting constituíram-se assistentes para terem acesso ao conteúdo do inquérito.
O processo é formalmente investigado por uma procuradora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) – Cristiana Mota -, mas decorre fisicamente no Porto, na sequência de o DCIAP ter criada uma equipa especial para investigar crimes de corrupção no mundo do futebol e ter deslocalizado algumas destas investigações para o norte do país.
O inquérito agrega um conjunto de processos que visam o Benfica, e que vão desde suspeitas de corrupção e tráfico de influências para o clube ganhar jogos a questões fiscais relacionadas com a transferência e empréstimo de jogadores. Apesar de estar carregado de inúmeras denúncias anónimas, o filet mignon do inquérito concentra-se no caso dos emails e no Mala Ciao. O inquérito chegou também a englobar o processo dos vouchers, mas acabou por ser extraída uma certidão e esse foi arquivado.
A procuradora Ana Vicente Brandão, que assina esse despacho de arquivamento, considerou que não havia indícios suficientes de que o clube da Luz oferecesse às equipas de arbitragem um kit de ofertas com o objetivo de “alterar ou falsear resultados desportivos”, ou que esses kits, que incluíam uma réplica de uma camisola de Eusébio, uma entrada no Museu Cosme Damião e um voucher de refeição no Museu da Cerveja, teriam condicionado as atitudes e decisões dos árbitros no sentido de beneficiarem os encarnados.
No caso Mala Ciao, que teve as primeiras buscas em 2018, estão a ser investigadas suspeitas relacionados com empréstimos de jogadores e a compra do passe de atletas como forma de corrupção desportiva. Mas não só. Investigam-se também o envolvimento de sociedades, algumas ligadas ao imobiliário, para a circulação do dinheiro, o pagamento de prémios de jogo e a omissão de determinados pagamentos ao fisco.
Estão em causa suspeitas de participação económica em negócio ou recebimento indevido de vantagem, corrupção ativa e passiva no fenómeno desportivo, fraude fiscal qualificada e branqueamento.
Já no caso dos emails, o processo mais mediático dado que envolveu a divulgação de correspondência eletrónica do SLB pelo Porto Canal, a investigação começou quando, na sequência da divulgação desses emails obtidos indevidamente, a Polícia Judiciária (PJ) do Porto pediu ao canal de TV o acesso aos mesmos. A PJ entenderia depois que alguns eram comprometedores para o Benfica e abriu uma investigação.