Pedro Mafama editou a 12 de abril o álbum Estava No Abismo, Mas Dei Um Passo Em Frente 2.0, versão deluxe do disco que buscou “vencer a melancolia e encontrar a felicidade”. O autor do êxito Preço Certo revela ao NOVO que a canção procurou incluir a música de baile no cenário pop nacional, enquanto homenageia o género musical que considera estar no topo da cultura portuguesa.

Em 2023, lançaste o teu segundo álbum, Estava No Abismo, Mas Dei Um Passo Em Frente. Que abismo é esse? Qual é significado por detrás deste título?

O título é um jogo com o sítio onde eu estava na minha vida antes, que está muito relatado na minha música do álbum passado, Por Este Rio Abaixo. Era a música de uma pessoa que estava um pouco “a afundar” na depressão e na sua viagem emocional e esse era o meu abismo: era uma vida de escolhas más e de corações partidos.

Então este novo disco, que é um disco bastante mais alegre, de celebrar a felicidade que sinto que encontrei por volta desta altura em que estava a fazer o álbum. Brinca um pouco com essa ideia: estava no abismo, mas dei um passo em frente. Se estavas no abismo e deste um passo em frente, então caíste e morreste. O que é encontrar a felicidade? É brincar com esse otimismo e, ao mesmo tempo, uma coisa trágica. Sinto que a vida é um pouco isso: felicidade, alegria e tristeza ao mesmo tempo. Sempre.

Tens canções favoritas do disco?

Neste momento, as minhas canções preferidas são Sem Ti e Abismo, as duas que lancei agora na edição deluxe do álbum, Estava No Abismo, Mas Dei Um Passo Em Frente 2.0. A Sem Ti é uma evolução da pesquisa musical que comecei com este álbum, mistura rumba portuguesa e canto alentejano. A Abismo mistura bossa nova com uma sonoridade catastrófica, moderna e caótica.

O teu objetivo com a música é, como disseste, unir universos que estavam muito distantes. Que realidades exatamente pretendes conciliar?

A minha música tenta juntar o mundo da pop e da música eletrónica e urbana com o popular. Sinto que neste disco consegui, ou tentei, falar para dois públicos diferentes: um público mais urbano e outro mais rural. Muitas vezes as duas coisas estão tão separadas.

Até mesmo, por exemplo, agora nos prémios PLAY vemos que a música ligeira é uma categoria à parte e a música pop está noutro sítio. Ou seja, tendemos a colocar o universo da música popular num universo distinto da música pop. Para mim, as duas coisas tocam-se e são uma só.

Falando nos prémios PLAY, que a premeiam a música lusófona, como defines a música portuguesa?

Defino a música portuguesa como uma mistura de influências. Se virmos desde o fado à música de baile, há sempre uma mistura de influências culturais. Seja o fado, que tem influência do lundum, que vem da música africana, mas que também tem uma influência da música árabe. Ou então a música de baile, que está sempre a misturar-se com outros géneros musicais, desde o funaná às rumbas. A música de baile mistura tudo o que existe dentro de Portugal e faz isso de uma forma às vezes bastante surpreendente.

És um dos artistas com mais nomeações para os Prémios PLAY 2024: Melhor Artista Masculino, Vodafone Canção do Ano com a música Preço Certo e Melhor Videoclipe com Estrada. Foi uma surpresa?

Deu-me muita felicidade. Já tinha estado nomeado como Artista Revelação e deu-me muita felicidade este ano voltar a ser nomeado, ainda para mais em três categorias.

Estou muito feliz pela possibilidade de haver um reconhecimento do vídeo da Estrada. Foi um videoclipe que nos “saiu do pêlo”, ou seja, andámos quatro ou cinco dias de norte a sul do país a viajar, com uma câmara na mão, à procura das influências da minha música, da Estrada, que são também as influências da música popular portuguesa. Visitámos pessoas que merecem ter um palco, que merecem ser mais ouvidas, como a comunidade cigana, que faz a rumba portuguesa, e os mineiros de Aljustrel.

Sinto um especial carinho e a minha surpresa, se calhar, vai mais para a nomeação da Estrada. Se ganhar, será algo com muito significado. A Preço Certo para mim já ganhou a partir do momento em que tive o coração dos portugueses e portuguesas este ano a “bailar” comigo. Sinto que já ganhou, mas pode ganhar ainda mais, obviamente.

Como artista seria algo muito feliz também ser reconhecido por todo o trabalho.

Num cenário político e social cada vez mais polarizado, a tua arte marca um posicionamento?

Acho que sim. Existe alguma coisa de político em querer juntar pessoas e públicos que normalmente não estão juntos. Ou seja, a Preço Certo põe pessoas de todas as idades, todas as partes do país a dançar juntas, numa perspetiva de celebração.

A Estrada é uma música muito política no sentido de dar visibilidade a esta sonoridade cigana portuguesa, que é muito invisível – talvez seja a cultura mais invisível e apagada do nosso país – e põe-na em oposição com o canto alentejano, que tem uma grande história de revolução e de  luta. Esta canção em específico, o Hino dos Mineiros de Aljustrel, que a Estrada sampla, é uma canção política e pôr estas duas coisas em conjunto, numa situação social também muito complicada no Alentejo, envolvendo estes dois universos… Sinto que sim, que a minha música é toda ela política e que eu próprio sou mais político umas vezes do que outras, mas tento sempre falar aquilo que sinto e a minha verdade, doa a quem doer.

Preço Certo foi a música portuguesa mais ouvida, em 2023, no Spotify em Portugal. Achaste que seria um êxito tão grande?

Preparei-me para isso. Sempre fiz a minha música para chegar a toda a gente e sempre tentei arranjar uma forma de chegar às pessoas. Não acredito em música que é feita só para intelectuais e para músicos e quem estudou na universidade. Acredito que a música é feita para todos e, se conseguir falar para os dois universos, para mim é o melhor.

Surpreendeu-me bastante no sentido de chegar às vezes a sítios que eu eu nunca estive à espera. Por exemplo, ver o Pedro Sampaio a tocar em Portugal e a cantar a música do Preço Certo e dar um grande elogio amoroso ou o Dennis DJ a fazer um remix do Preço Certo em versão funk no Sudoeste… Mas sinto que me preparei isso, trabalhei para isso. Tentei colocar a música de uma forma inteligente, fiz uma estratégia de marketing que resultou, e sim, estou muito feliz.

Qual foi exatamente a ideia por detrás da canção?

Estava a celebrar um momento especial e muito feliz da minha vida, em que tudo se estava a alinhar e a correr bem, e também queria provar às pessoas que Portugal não é necessariamente um país triste e que os portugueses não são tristes. Portugal não é um país de melancolia. Podemos achar isso se ouvirmos o fado e se pensarmos no nosso estereótipo, mas a verdade é que, quando a pessoa liga a televisão e vê o Preço Certo, vai a um bailarico nos Santos Populares ou liga o Domingão ao domingo de manhã e olha para esta cultura portuguesa, é uma cultura super alegre. A música de baile é uma coisa muito alegre, de celebração. Por isso, eu queria provar que os portugueses não são tão tristes como pensávamos e o Fernando Mendes é o exemplo máximo disso, da alegria e da vontade de viver.

E queria também imortalizar o próprio programa, que é uma parte da nossa cultura e que não estava a receber o reconhecimento que merecia ter. Nós todos colocamos no topo da prateleira da cultura portuguesa o fado, o canto alentejano, coisas que já estão estudadas e glorificadas, mas há outras coisas muito bonitas, como o Preço Certo, como a música do baile… Coisas que nós vivemos intensamente, mas não celebramos o suficiente.

Dirias que também foi uma tentativa de tornar o ritmo de baile mais mainstream no cenário musical nacional?

A música do baile é muito curiosa, porque é gigante em Portugal, especialmente no verão. Está presente em todo o lado e as pessoas vivem-na muito intensamente, mas nunca chega a um cenário mainstream, nunca passa para o pop.

Os prémios PLAY fizeram agora a categoria de Música Ligeira e Popular, o que acho muito bonito, tirando o nome da categoria. Não concordo muito com chamar “música ligeira” à música popular ou à música de baile, porque acho que pode ter profundidade também, mas acho que é um gesto muito bonito, porque, se não for assim, temos o maior ou um dos maiores géneros musicais do país a ser invisível, em termos de mainstream, apesar de ter muita gente a vivê-lo, a celebrá-lo, a tocá-lo e a cantá-lo.

Por isso, sim, queria trazer a música do baile também para um cenário pop e despertar a atenção para este género musical, pela parte de algumas pessoas que não costumam reparar nele ou achá-lo bom e de qualidade.

Achas que  Sem Ti será um dos hits do próximo verão, à semelhança do Preço Certo no último ano?

Não sei, honestamente, e não quero pensar nas coisas dessa perspetiva, porque eu sinto que a Preço Certo foi oa Preço Certo. Vou sonhar mais alto e fazer coisas maiores em termos de números, mas não quero ser a pessoa que vai tentar ter o hit de todos os verões, porque essa luta acaba sempre errado, só vai dar certo até certa altura. Vou focar-me, sim, em fazer a música que quero fazer e que acho mais interessante.

A Sem Ti é uma música em que sinto que continuei mais o trabalho deste álbum, com o sample de canto alentejano e com a rumba portuguesa, que quero explorar, mas experimentei com a sonoridade mais eletrónica e um videoclipe muito futurístico, que pensa também ele próprio na nossa cultura, com essas referências aos trajes tradicionais, mas numa versão futurística e neste cenário todo de ficção portuguesa que é o videoclipe.

E por isso, na Sem Ti preocupei-me simplesmente em divertir-me muito, em fazer a música que acho mais interessante. Não estou a pensar honestamente em fazer o próximo hit do verão. Até porque nunca se sabe para onde as músicas vão, mas a minha prioridade definitivamente não é fazer o próximo hit do verão, é fazer a música que me interessa.

Porque são a Sem Ti e oa Abismo as tuas músicas favoritas?

Porque são as últimas que fiz e porque deixam um “caminho em aberto”, especialmente a Abismo, que sai muito do universo musical deste álbum. É uma bossa nova muito calminha, mas com um perigo sobre as alterações climáticas, uma certa decadência urbana qualquer e depois rebenta numa guerra explosiva de gritos e samples, autotune e tudo isso.

Sinto que é muito importante para mim essa música justamente porque deixa uma porta em aberto para aquilo que pode estar para vir. Acho que é muito importante a pessoa manter sempre uma porta e as possibilidades em aberto. Estou muito orgulhoso desta música pela letra e pelo conceito. Diverti-me muito a fazê-la também.

Pensando melhor na minha música favorita do disco, antes da edição deluxe, seria A Estrada ou A Estranha Magia. A Estranha Magia é uma música que me dá muito prazer em tocar ao vivo. É uma marcha que lida com tentar lutar contra a melancolia: Quando cai o dia eu sinto uma estranha magia, uma certa melancolia que nos tenta namorar. O álbum é sobre isso: tentar vencer a melancolia e encontrar a felicidade.

Sobes ao palco do Sagres Campo Pequeno a 10 de maio. O tens guardado para esse espetáculo?

Estou muito entusiasmado a trabalhar neste concerto. Vai ser uma experiência bailecore, que é pegar em tudo o que há de futurístico, de espacial, de vanguardista na música de baile, porque sinto que a música de baile tem este potencial de futurismo: tem os sintetizadores, tem esta estética turbinada e é muito futurística. A música de baile está sempre a evoluir. Este concerto, para mim, é a minha visão daquilo que pode ser a música de baile. Então é uma experiência com sons de carros elétricos, com lasers, com cores fortes, com muita velocidade. Sinto que vai ser uma experiência estética muito intensa, e estou muito entusiasmado a trabalhar em todos os sons e em todos os elementos do concerto.

E vai dar também para ir um pouco mais atrás e demorar mais tempo a tocar canções que eu não tenho tocado, do meu trabalho antes do álbum passado. Vou recordar as minhas músicas antigas, que também são bastante atuais para mim, agora que estou a começar a pensar aonde quero ir a seguir, em termos musicais.

Quais delas, em específico?

Eu estou a falar, por exemplo, da Jazigo, de músicas que eu não toco há bastante tempo nos concertos. Há uma música em específico também deste álbum que nunca toquei ao vivo, que é uma música muito emocional para mim, em que tenho a minha filha Emília a chorar com autotune no final do disco. É uma música bastante emocional, que vou tocar pela primeira vez ao vivo.

Por isso há também espaço para voltar um bocadinho atrás e lembrar onde já estive, musicalmente, e trabalhar mais esse momento do Mafama antigo. Quero fazer uma viagem pelo Mafama antigo. Eestou muito entusiasmado em transformar este concerto numa “nave espacial do baile”.

Há planos para o resto do ano?

Temos um verão bastante completo ainda pela frente, com muitos concertos pelas ilhas da Madeira e dos Açores. Vou fazer uma pequena turné por lá e tenho bastantes concertos já agendados. Também um especial em Aveiro, que vai ser um concerto especial com o Diego El Gavi e com o Francisco Montoya, que tocaram comigo na Estrada, por isso tenho um verão intenso, mas sinto que este concerto vai ser o culminar minha experimentação com a música de baile e de tudo aquilo que eu andei a experimentar nestes concertos e a desenvolver. Vamos pegar nisto tudo e fazer a versão bailecore disto tudo.

Editado por João G. Oliveira