No próximo sábado vai dar um concerto no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, para celebrar os 15 anos de carreira. Era um objetivo de há muito estar naquela que é uma das grandes salas da música portuguesa?
Não sei se era um objetivo há muito. É uma sala de que eu gosto muito, em que já tive o privilégio de participar com alguns artistas que admiro bastante. Mas sim, era talvez um desejo de que se fizesse uma coisa assim grande, uma festa, a seguir ao meu casamento. Se fizesse uma festa grande, talvez fosse a sala que escolheria. Como tive oportunidade de escolher, escolhi o Coliseu, e acho que foi bem escolhido e uma escolha acertada. Vamos ter casa cheia, está praticamente esgotado, e estamos muito contentes e ansiosos por que chegue o próximo sábado. 

E o que pode dizer sobre o espetáculo?
Vai ser uma espécie de celebração dedicada às guitarras e aos amigos. Em palco vamos ter, como está anunciado, os Quatro e Meia, o Rui Veloso, o Miguel Araújo, amigos de várias gerações que se foram tornando amigos por razões diferentes, mas sempre por causa da música. E, depois, vamos ter outras surpresas também. Vai ser um espetáculo não sei se emocionante, se emotivo, se os dois, mas um espetáculo de canções sem grandes truques, sem máquinas. Vai ser um concerto com músicas tocadas e com baladas. Está a apetecer-me muito estar com eles. Sempre que estamos e tocamos juntos é uma alegria contagiante, fora e dentro do palco; o dia todo costuma ser uma grande alegria. Estou muito contente, os ensaios têm corrido muito bem — aliás, nós estamos em digressão. Estamos agora com grande vontade de levar isto para o Coliseu de Lisboa; depois, a seguir, vou estar com o Miguel Araújo em Anadia. Por isso, andamos aqui sempre a tentar que a festa nunca acabe.  

No fundo, trata-se de um encontro de amigos perante muita gente?
É, é. E com muitos amigos no público a assistir também, família… é uma celebração. A música está viva e recomenda-se.

Compõe sempre em português.
Em inglês, fiz umas tentativas quando comecei, mais assim a brincar com as coisas dos Silence Four, mas depois desisti.

É uma questão de princípio ou de gosto compor exclusivamente em português?
Não, não é muito de princípio, porque as minhas referências são todas anglo-saxónicas. Eu até ouço 70/30 música cantada em inglês comparativamente à música cantada em português, mas o facto de tu falares e escreveres e pensares numa língua ajuda muito a que as tuas ideias sejam apresentadas em português. Por isso, às tantas, acho mais interessante que a minha música se apresente em português do que em inglês. E como também gosto muito de brincar com as palavras e gosto que as letras, mesmo que sejam canções sérias, tenham algum sentido de humor, acho que o português é perfeito para isso. Acho que não conseguiria passar uma mensagem tão clara se fosse em inglês. 

Começou a compor aos 15 anos. Foi algo de natural, algo que não implicou esforço?
A compor oficialmente, sim. A primeira canção do princípio ao fim foi aos 15, mas até comecei antes. Comecei a tocar guitarra aos 12 anos e a minha vontade foi tocar canções de outros, mas sempre tive aquele bichinho de criar coisas geradas, de perceber como é que os acordes da guitarra funcionavam entre si, de fazer melodias novas, porque sempre quis ser mais do que ser compositor e cantor. Sempre quis ser guitarrista; só comecei a cantar porque achava que as músicas que fazia funcionavam melhor comigo a cantar porque conseguia explicá-las melhor. Mesmo que houvesse um cantor melhor que eu, não cantava tão bem como eu; por isso, acabei por ganhar eu esse papel nas primeiras bandas que fui tendo. E, mal ou bem, foi o que se arranjou.
 

Como se sente mais completo, a compor ou a cantar?
Acho que é a compor. Não me considero sequer… sou cantor, mas isso é um pacote completo, não dá para tirar uma coisa da outra. 

Na música, faz quase tudo. É intérprete, compositor, autor e produtor. Tem de ter o controlo de todo o processo?
Não tenho de ter. Infelizmente, vou tendo porque vão pedindo, e eu também me ponho um bocadinho a jeito. Gosto muito da ideia de poder ajudar a levar a música das pessoas que estão perto e que me pedem ajuda do ponto A ao ponto B. Ou seja, gosto muito da ideia; acho romântica a ideia de uma canção que nasce de um esboço de um gravador poder chegar a uma rádio, a uma televisão, e como sei como o processo funciona e comecei numa altura em a internet ainda estava a dar os primeiros passos… cresci numa altura em que era muito difícil, em que se tinha de esperar muito tempo no estúdio até ter uma gravação para levar para casa, para ouvir no carro. Hoje em dia é tudo tão rápido: sai-se do estúdio e, passadas duas horas, já se está a tomar notas na  plataforma onde se consegue comentar, editar, afinar. Uma pessoa que não sabe cantar já consegue ter uma música afinada e editada. Gosto da ideia de poder ajudar a guiar alguns jovens ou não tão jovens aspirantes a músicos. Então, acabei um bocadinho por fazer isso. Também gosto de explorar ferramentas de gravação, de edição, microfones, guitarras, amplificadores. Gosto muito de perceber como é que as coisas se fazem, como é que o som chega aos discos, quem são os responsáveis pelos sons de que eu gosto, como se chega àquele resultado. Gosto muito dessa parte plástica e artística; então, às vezes, é um bocadinho confuso, porque o meu trabalho acaba por ser o que sofre mais com isso, o meu trabalho enquanto João Só. Por isso, ironicamente, decidi chamar ao meu disco que vai sair no fim do ano João Só nos Tempos Livres. É um disco que é uma manta de retalhos. São canções que eu tenho vindo a lançar e que são feitas nos tempos livres dos discos dos outros. Então, as canções… irónica e estranhamente, têm muito mais ligação entre si do que os outros discos porque, apesar de serem feitas com um espaçamento maior entre elas, porque eu vou gravando quando tenho tempo, acabam por ser um discurso mais coerente do que os últimos que tenho feito, porque, se calhar, como lhes imprimo muito mais intensidade, tenho-lhes dado mais carinho e dado mais de mim… É um bocadinho como voltar ao passado. Quando comecei a gravar discos na Valentim de Carvalho tínhamos um mês para gravar o disco. Era só aquele tempo, não havia mais dias, não havia dinheiro, era só aquele tempo que nós tínhamos, era aquele tempo que podíamos dedicar ao disco. Tinha de ficar gravado ali, não se podia ouvir outra vez, não se podia voltar para refazer. Hoje em dia pode-se voltar para trás para fazer tudo. Gosto desse espírito do compor, gravar e não olhar para trás. As músicas que lancei, como Eu Chorei, como Hoje Não ou Eu Não Sou Daqui, os três singles que lancei no disco que vai sair, foram tudo decisões rápidas e assertivas, porque acho que as minhas músicas, a minha carreira está a precisar dessa frescura que já não consigo ter tanta desde que tenho filhos e a vida mais atarefada. E este Coliseu e esta digressão estão a devolver-me um bocadinho esse espírito de músico, não tanto de empresário-operário da música que tenho vivido nos últimos anos, talvez. 

Sei que tem um estúdio em casa.
Tenho um em casa e outro fora de casa, o problema é esse.

Estúdios em que vários artistas já trabalharam os seus discos. Isso é um privilégio brutal, não é?
É um privilégio brutal, sim. Para mim, é meio inacreditável poder olhar para trás… a sorte que eu tenho. Não penso neles como artistas, mas como meus amigos que frequentam a minha casa e que se sentam à minha mesa e com quem eu tenho uma relação.

Está a falar do Rui Veloso, do Sérgio Godinho…
E mesmo dos mais jovens, que acompanhei desde o seu início. A Bárbara Tinoco, a Nena, a Carolina de Deus, Capitão Fausto… Tenho uma ternura enorme pelos artistas com quem trabalho porque, de facto, é um privilégio poder estar perto de pessoas que fazem música tão boa.

Como vê esta nova fornada de cantores portugueses? Falou da Bárbara Tinoco, da Carolina de Deus, da Nena, mas também posso falar do Fernando Daniel.
Vejo bem. É uma fornada interessante que tem a bitola um bocadinho alta porque tem muita informação,
querem ser tudo muito rápido. O meu papel, quando estou a trabalhar com eles, é um bocadinho de tio mais velho: “Atenção que isto também se faz bem se for um bocadinho mais devagar, porque depois, às tantas, chegas lá daqui a um ano, mas também podes chegar daqui a dois e vais ver que vai ser muito mais divertido e vais gozar mais a viagem.” Tenho 15 anos de carreira, mas tenho 35 anos e comecei aos 20. Entrei em estúdio pela primeira vez aos 19. Por isso, parecendo que não, comecei mesmo novinho a fazer isto. E é uma coisa que valorizo muito ter começado de novo porque, de facto, não me sinto velho, tenho aqui uma vida de discos pela frente e agora consigo gozar os meus filhos e já ter feito muita coisa, e poder bater umas bolas com a Nena e não sentir que sou avô dela. E isso tem graça e é um privilégio enorme. 

E os mais jovens aceitam bem esses conselhos do tio mais velho?
Sim, sim. Há uns que ignoram, como sobrinhos mais novos. 

Estava a falar dessa viagem que tem feito desde muito novinho. A música portuguesa mudou muito nos últimos anos?
Mudou imenso e os espetáculos ao vivo também mudaram imenso. Os orçamentos para as produções mudaram muito. O que vem lá de fora é muito intenso, é difícil olhar para um espetáculo da Taylor Swift e não querer fazer parecido. Agora, é difícil transpor o espetáculo da Taylor Swift para a festa do arroz carolino em Lisboa. Ainda há bocado falava disso com a Iolanda. É tramado levar um espetáculo de Depeche Mode à Feira do Fumeiro. É difícil essa escala, não é? Mas acho que se vai conseguindo. Há artistas que fazem isso muito bem, como a Bárbara Tinoco, os Quatro e Meia… Levam um espetáculo ao mais alto nível com uma megaprodução. Olhe, o Fernando Daniel, em quem falou há bocadinho. E acho que isso é de valor. A minha cena é um bocadinho mais old school. Também acordo às 6h20 todos os dias, tenho três filhos e quero continuar a dormir à noite descansado, sem pensar em camiões de luzes e confetti e essas coisas todas.

Já disse que a música portuguesa vai bem, mas agora queria fazer uma pergunta mais abrangente. Até há pouco tempo, a cultura tinha um ministério. Agora, com este novo governo, passa a ter uma secretaria de Estado. Isto transmite um sinal menos positivo a quem faz da cultura a sua profissão?
Acho que sim, mas tenho alguma esperança de que isso seja resolvido da melhor forma. Que se encontre uma maneira de resolver isso bem. 

E como é resolver isso bem?
Não sei dizer. Não sei dizer, com toda a sinceridade, mas quero acreditar que vão arranjar uma solução para não deixarem os artistas na mão. 

Vai lançar, já disse, neste ano de 2024, um novo disco de originais. Já há data?
Eu gostava que fosse a 1 de outubro porque é o dia em que saiu o meu primeiro disco e gostava de fazer essa efemeridezinha, já agora. Mas não sei. Vai depender muito de quão insano estiver o meu manager com as datas que me está a marcar de concertos. Se ele me deixar ter tempo para acabar o disco… senão, não sei se vou conseguir cumprir.  

Vai dar o concerto no Coliseu este sábado. Quando pretende voltar à mesma sala?
Não faço ideia. [risos] Não sei se me meto numa destas tão cedo. Vai ser uma festa bonita. Logo se vê quando será a próxima vez.