Quem é a Iolanda, para quem não te conhece?

A Iolanda é uma miúda que tem um sonho de fazer música e de ser feliz com a música, sempre nessa perspetiva. Ser feliz é superimportante para mim.

Existe um histórico musical na tua família. De que maneira te influenciaram a gostar e a querer ser feliz com a música?

De todas as maneiras! Sinto que nenhum deles teve vontade de fazer isto a nível profissional. Como tinham outros trabalhos, nunca seguiram essa ideia… O meu avô do lado do meu pai, talvez fosse o meu bisavô, até tocou saxofone, se não me engano. O meu pai tocou em orquestras e a minha mãe teve uma banda quando era pequena, mas sempre tiveram outros afazeres e nunca foi uma cena que seguissem muito afincadamente. Mas influenciaram-me na minha vontade, desde que sou miúda… Tinha quatro anos e era música a torto e a direito. [risos]

Esse gosto pela música levou-te a participar em programas de talentos, cantar em bares, mas a certa altura sentiste necessidade de ir para Londres. O que te levou a ir para lá?

Percebi que precisava de mais qualquer coisa e sempre quis morar em Londres. Na verdade, usei o meu curso superior para ter uma desculpa para me mudar e sair de Portugal durante um tempo. O que, para mim, é uma coisa positiva, porque já queria há muito tempo sair daqui e não sentia que estava a retirar tudo o que queria naquele momento da minha vida. Tinha 24 anos e, olha, decidi. Foi no momento certo. Fui só viver outra dinâmica e foi inacreditável!

Isso ajudou a definir o que querias para a tua música?

Muito! Na parte urbana que uso na minha música, Londres tem muito essa vertente. Nas ruas, nas paredes, tudo grafitado. As tatuagens e tudo. É tudo superdiferente e muito mais louco. Então bebi um bocadinho disso. Não que aqui não o seja, mas acho que lá é diferente. É outro país, são outras 1.500 culturas misturadas, o que é muito fixe.

Em 2022, durante o festival MIL, houve um jovem deveras entusiasmado que se chegou ao pé de ti e disse que lhe tinham dito que eras a Rosalía portuguesa. Esse jovem entusiasmado era eu…

Já não me lembrava disso! Meu Deus do céu!

O Ritmos&Batidas, de alguma forma, concorda. Escreveu que vais ser uma das próximas grandes divas da música feita em Portugal durante a próxima década. É alguém com quem te identifiques?

Muito! Bebi muito da Rosalía. Aliás, não me lembro bem de quando comecei a gostar da música dela… Lembro-me do primeiro disco dela, o Los Angeles, que eu amei! É superflamenco clássico, muito, muito, muito clássico. Depois fui acompanhando a evolução dela. Vi-a uma vez a tocar em Londres, na O2 Arena, em Brixton, e fiquei apaixonada. Já na altura estava apaixonada e detesto arenas muito grandes e muita gente ao mesmo tempo, faz-me confusão. Mas fui e não me senti nervosa um único minuto, porque o meu objetivo era mesmo vê-la. Quero muito conhecê-la um dia. Amava! Ela é inacreditável, gosto muito dela.

Ouve-se na tua música um pouco de R&B, eletrónica e pop, alguma música tradicional portuguesa e também algum daquele “fado contemporâneo” que a Ana Moura tem cantado. O quê, ou quem, te inspira na tua música?

Olha, sem dúvida, a Rosalía. Vou começar por aí, que foi uma grande influência. Cresci a ouvir muita música de intervenção e toquei num grupo tradicional de cavaquinhos onde tocávamos canções do Minho e outras da Beira Alta. E todas essas mini-influências, que não são assim tão mini… Essas influências todas na minha vida levaram-me a querer sempre misturar um bocadinho o contemporâneo e o urbano. Daí surgiram as minhas primeiras canções que, na verdade, foram compostas à guitarra e, mais tarde, quando me junto ao Luar – que é o meu produtor, braço direito e alma gémea musical –, ele transporta-me para uma vibe muito mais eletrónica, que eu não conhecia… Gostava, ouvia, mas era muito mais tradicional até do que eletrónica. Depois fui para Londres e Londres mudou a minha vida. Comecei a ouvir muitos artistas desde Jorja Smith, Joe Brooks, com quem tive o prazer de poder falar e de estar perto… E todos esses pequenos fatores influenciam aquilo que faço hoje em dia, nunca esquecendo o tradicional porque, na verdade, é o que faz sentido para mim. Daí cantar em português, e já escrevi coisas em inglês, mas não faz tanto sentido. É giro pelo desafio…

Eu até acho que escrever em inglês é mais fácil do que em português…

Para mim, é muito mais difícil… Acho que me falta vocabulário, porque não é a minha língua materna. Nunca foi mais fácil, mas percebo, a sonoridade das palavras é muito mais simples. Nós temos palavras complicadas, esdrúxulas, com 377 sílabas… [risos]

Há muitos artistas que, de alguma maneira, têm recuperado esta sonoridade que faz lembrar a música tradicional portuguesa: Rita Vian, Ana Lua Caiano, Ana Moura, Pedro Mafama… O que te parece esta espécie de regresso às origens?

Eu adoro. Acho que nunca tivemos uma fase na música portuguesa tão criativa, tão de ir buscar as raízes, inová-las… Quando estávamos a falar das referências, todos esses nomes que enumeraste são, sem dúvida, referências para mim. Às vezes esqueço-me de referir a Amy Winehouse, mas foi uma influência enorme na minha vida. Fiquei muito triste quando ela partiu deste mundo e até fui ver a campa dela. Foram três horas de autocarro…

Há a estátua em Camden Town…

Há essa estátua, mas fui mesmo à campa dela. Foi assim um momento tenso, mas bonito e de homenagem. Todas essas pessoas são influências para mim. Ana Lua Caiano, Ana Moura, Rita Vian… muito! Comecei a ouvir a Rita, diria, há dois anos, por aí… Não conhecia também. Quando fui para Londres, tinha tantas saudades que comecei à procura de malta jovem. Acho inacreditável estarmos a fazer esse caminho porque é renovar um pouco as raízes, nunca descurando e desrespeitando, mas renovando.

O que surgiu primeiro na tua vida? A música ou a escrita?

A música, sem dúvida. Se calhar, fiz canções, escrevi poemas mais cedo… Mas a música, sem dúvida. Desde muito, muito, muito nova.

Falemos da Cura. Foi lançado há quase um ano, mas começaste a escrevê-lo muito antes, em abril de 2020. Mas foi só mais tarde, na passagem de ano para 2021, que percebeste que, se calhar, era mais do que alguns versos. Quanto tempo levaste a escrever o EP, desde as primeiras linhas até estares satisfeita?

Tu dizes, e bem, 2020, porque, às vezes, já me falha a memória nesses detalhes…

Foi no dia 16 de abril…

Exatamente! Fiz a primeira canção… Se não me engano, foi a Lugar Certo. Comecei a observar outras canções e outras formas de escrever. Depois entro muito naquele loop de aprender a escrever canções, que foi o que estive a estudar em Londres, técnicas e coisas… Estava meio enamorada pelo processo de fazer canções. Comecei a escrever e demorei dois anos, diria… Acho que foram dois anos desde o momento em que me apercebo que estou a escrever um EP ou que comecei a escrevê-lo. Na verdade, a Lugar Certo foi das primeiras canções que escrevi na minha vida.

Quando é que te sentes mesmo satisfeita com o que escreveste?

Nunca. Escrevo uma canção, gosto e, se calhar, sinto-me satisfeita nos primeiros meses ou nos primeiros dias em que está feita, mas há sempre vontade de fazer mais e melhor. Hoje em dia ouço a Cura e já quero remodelar aquilo tudo e fazer tudo de novo outra vez…

O que mudavas?

Acho que não mudava nada no EP que está feito… Acho que faria só uma remodelação…

Nas letras?

Sim, se calhar, nas letras… Produção, talvez. Há coisas agora que quero experimentar. Se calhar, com menos eletrónica, mais centrada…

Este é um trabalho que tem uma linha condutora e cronológica. Como definiste o alinhamento?

Foi um trabalho de puzzle, de tentar acalmar um bocado o coração e a cabeça. Eu penso muito e sou muito… Não queria usar a palavra em inglês, mas sou muito overthinker, sou uma pensadora a full time. Penso em demasia e, na altura, tive um desgosto amoroso que, na verdade, aconteceu muito antes… Eram coisas que estavam aqui dentro… Isto é engraçado, nunca sei a diferença entre sentir que estás triste ou usares a tua tristeza para escrever como motivo de escreveres canções. Se é que isto faz sentido, porque às vezes sinto que… Não sei… Eu não sou bem poeta. Sentia a minha cabeça muito confusa e precisava de pôr ordem naquilo… Olha, comecei a querer desenhar a história que vivi muito na minha cabeça. Esta história é real, sim, mas acho que conto a perspetiva que a minha cabeça tem e não tanto a história detalhada em si. Comecei a fazer essa gestão e pensei: “OK, tenho esta canção. O que é que eu gostava de abordar na seguinte?” e muito numa perspetiva de contar uma relação, as fases todas da relação, como funciona, porque, na verdade, toda a gente tem relações… E comecei a enumerá-las. Depois, foi só arranjar uma caixinha que fechasse o EP, daí ter uma intro e uma outro, um bocado para espelhar aquilo que sentia. Sem grande letra. Cheguei ao fim com a última canção, que é a 31 de dezembro

De 2021, que foi o dia em que escreveste a Cura

Exatamente. Que fala sobre o fechar do ciclo.

Este é um trabalho que fala dos vários estágios do luto que atravessamos quando terminamos uma relação. Porque decidiste partilhar esta tua vivência?

Boa pergunta. Na verdade, porque estava muito farta de guardar isto só para mim e porque não tem mal nenhum falarmos de nós… Levo isso de uma forma muito tranquila. E porque precisava muito de ser ouvida, acho. Há coisas que eu não digo em pessoa mas, depois, escrevo em canções. Não escrevi nada como uma carta disfarçada que alguém depois pudesse ouvir. Não foi nesse sentido, foi mesmo numa perspetiva de deitar cá para fora aquilo tudo que sentia. E sinto que, como fui para Londres e tinha tantas saudades de estar cá, era quase como se fosse uma chamada de atenção subconsciente. Não sei… Mas precisava mesmo de escrevê-las. Fui seguindo aquilo que me fazia bem. Amo desafios e o desafio de montar um EP… Eu nem sei o que é montar um álbum! [risos]

Há pouco estávamos a falar sobre escrever, escrever canções… Há uns meses participei num workshop de songwriting, com o D’Alva, e expliquei que adoro escrever. Escrevo muito, escrevo bem, mas não sei como escrever canções, porque gostava de escrever canções, e nunca sei se tu escreves para a música ou fazes a música para a letra…

Para mim, é sempre um misto. Depende do processo, ou seja, se estiver com a minha guitarra em casa, escrevo, escrevo muito…

Também não sei tocar guitarra… [risos]

Ajuda, ajuda muito! Não é assim tão difícil aprender. Demorei dois anos a aprender a tocar guitarra e chorei muito, porque não conseguia fazer o dedilhado e achava que nunca ia conseguir. E, de um dia para outro, consegui! Tocava cavaquinho já, mas não tem nada a ver com as músicas que tocava…

No cavaquinho, só sei tocar duas músicas de memória… [risos]

O cavaquinho é parecido com o ukelele, podes usar que é fixe…

Não, não comigo tem de ser com cordas de aço!

Sim, percebo… Com a guitarra, escrevo de uma forma. Se estiver a escrever em estúdio, com o Luar ou outro produtor com quem esteja a trabalhar, é totalmente diferente, porque já tenho um beat, uma base que estou a ouvir e consigo imaginar como aquilo vai soar no futuro. Mas sem dúvida que é tudo junto. Não escrevo a letra e depois tento musicar. Nada disso, é muito, muito ao mesmo tempo.

São sete temas apenas, mas têm todos uma profundidade dentro deles, e não é habitual ouvir alguém partilhar algo tão íntimo, tão profundo assim…

Eu sou um bocadinho intensa, demasiado, às vezes. Tenho de tomar umas chill pills e fazer uma meditação, de vez em quando, que realmente ajuda. Achava que era mentira e eu estou tão zen que é ótimo!

“Otempo cura, mas a cura ainda demora” e “Quantos dias vão passar até chegar ao abrigo?”… Como é que estás, Iolanda?

Estou muito bem. Muito tranquila, muito, muito feliz, muito curada, muito pronta para o que aí vem e sem pensar em nada daquilo que escrevi. Isso é a cena mais positiva do processo, porque queria escrever aquilo para deixar de pensar naquilo. Se calhar, as pessoas que agora ouvem pensam nas coisas delas, mas isso também é fixe. Acho que não foi só para mim que escrevi.

Como foi esse processo de cura?

Foi duro. Demorou muitos anos, houve muitos anos entre isso e outras relações que tive. Houve alturas em que não pensei nisso e outras em que pensei, havia sempre muito aquela reminiscência do pensamento e a vontade de não querer pensar mais se aquilo seria uma possibilidade, se não seria… Às vezes obsessiono muito com certos pensamentos e isso acaba por levar a um burnout sentimental e psicológico. Fazer as canções e tocá-las foi inacreditável! Mas houve momentos em que estava a escrever e a pensar que me tinha posto numa alhada, porque comecei a explorar esses momentos e chegava a um ponto em que já nem me apetecia falar sobre aquilo. Pensei “Não, tu agora vais ter de falar sobre aquilo e vais ter de terminar aquilo que começaste”. Portanto, houve canções que… Por exemplo, a Cura: eu chamo-lhe a Cura pelo significado da canção…

Engraçado, eu chamo o Cura ao EP e a Cura à canção…

Para mim, é tudo a Cura, nem consigo dizer o Cura… Eu e o Luar temos até momentos em que a malta diz “o Cura” e ficamos meio… “Não era assim que nós queríamos!” [risos] Não tem mal. Foi um processo duro, mas muito benéfico porque, na verdade, já devia ter feito isto há mais tempo. Se o tivesse feito, teria avançado com a minha vida há mais tempo.

Encontraste o lugar certo? Já não andas à toa?

Encontrei.

Em que é que a escrita te ajudou?

Ajudou-me a acreditar mais em mim, a saber que o que faço me traz um bem-estar enorme e que o sucesso nem sempre é aquilo que quero, mas sim o processo. Isso é importante porque, no momento em que estás a escrever uma canção ou a fazer uma melodia, um beat, o que seja, estás a pensar no produto final e no que aquilo vai trazer-te… Acho que fomos um bocado assim ensinados. Eu não fui, mas fui bebendo de outras pessoas. A cena de teres sucesso, uma vida estável e tudo ter um sentido, ou seja, teres tudo no sítio certo… E, às vezes, o processo é fixe, não estar tudo no sítio certo. Estás confusa, porque não sabes se aquilo é uma bridge, um verso, uma melodia… E, no fim, tudo, tudo faz sentido. Mas o processo é fixe. Isso é mais importante do que pensar no produto final.

O que te ajudou mais: escrever só ou também cantar o que escreves?

Cantar o que escrevo, sem dúvida alguma. Sem dúvida alguma. Para mim, é mais importante cantar aquilo que escrevo do que escrever aquilo que canto. Sei que isto é estranho, porque escrevo aquilo que canto, mas o expressar-me fisicamente sobre aquilo que estou a pensar é mil vezes mais gratificante. Gosto de escrever canções, amo e irei escrever sempre. Não sei se um dia cantarei coisas que não são minhas. Amava também, é uma ideia superinteressante, mas cantar é muito transcendental. Para mim, é a cena de pores cá para fora, fisicamente, aquilo que tu pensas. Uma coisa é escrever… Podes escrever num papel e estás fisicamente a colocar no papel uma ideia, por isso é que o journaling é tão fixe. Quando digo escrever diários, pode ser um papel e uma frase, o que seja. Agora, cantar isso e interpretar aquilo que escreveste torna esse pensamento ou esse largar de ideias mais real. Nós vamos tendo pensamentos… Às vezes escrevo muitas coisas nas minhas notas no telemóvel, acho que um bocadinho inspirada pela Carolina Deslandes, porque via como ela escrevia, via aqueles textos e pensava “Ai, que coisa tão estética, que fixe!” E ela escreve bem, muito bem. Inspirei-me e fui começando a escrever. Às vezes, sei lá, estou sem nada para fazer e começo a juntar palavras e ideias… Isso é fixe, há quem prefira. Eu prefiro. Na verdade, estou a preferir mais o papel, nesta altura, porque habituei-me a escrever muito no telemóvel, porque é aquela coisa mais fácil. Agarras no telemóvel e é mais rápido… Estamos habituados a escrever muito mensagens, etc..  Mas sem dúvida que essas notas me inspiraram e, olha, vou tendo e escrevendo esses pensamentos.

O que é mais fácil, escrever para ti ou para outros artistas?

Não sei! Não sei a resposta a essa pergunta. Diria que é mais fácil escrever para outros do que para mim.

Porquê?

Porque não estou tão envolvida, não é a minha história. Acho que é mais fácil. Assim como, no dia-a-dia, é mais fácil falarmos sobre outros assuntos que não sobre nós próprios… Diria que é mais fácil. Obviamente que é tão gratificante um como o outro. Se calhar, retiro um bocadinho mais de gratidão quando escrevo para mim, porque estou a dar-me atenção… Acho que é isso. Mas é mais difícil escrever para mim, porque sou mais indecisa. Não sei bem o ângulo em que quero pegar. Torna-se mais trabalhoso, acho… Já tive sessões em que não consigo retirar muito da pessoa porque, se calhar, não está preparada no momento para me contar tudo e tenho de ir com paninhos quentes para tentar chegar lá… Para mim, é mais complicado porque são tantas ideias, vontades e ângulos de escrita, de querer explorar aquele assunto, outro assunto e outro assunto, que é difícil focar. Acho que é um bocado isso. Mas também tem a ver com autoconhecimento e acho que ainda estou nessa fase.

Chegaste a dizer que a Rita Onofre te ajudou bastante a criar esta cura. Como é que os teus amigos te ajudaram neste processo?

Eu era muito fã deles, em Londres… A primeira pessoa que descobri, que fez a ligação com toda a gente, foi a Marta Carvalho, porque vi uma story patrocinada dela. Apareceu-me sem eu procurar. Da Marta fui ter ao Left. Nesta altura, já conhecia o Luar, mas não fazíamos parte do mesmo círculo. Ajudou-me todos os dias, ensinou-me, porque, na altura, não sabia como era este processo. Estava meio por dentro da indústria, mas vinha de um lado mais de fora, dos bares, da convivência musical, sem qualquer tipo de negócio envolvido. 

Muito menos pop

Exato! Muito menos pop do que sou hoje em dia. E foi com eles que aprendi a fazer sessões, a escrever para outros, a colaborar. Ajudaram-me muito a Rita, o Luar, o Ned Flanger, o Left, até o Choro, com quem já tinha feito algumas sessões… Os convívios são sempre para aprender. Nós falamos muito de trabalho, devíamos falar menos. Acho que estamos todos a tentar acalmar um bocado essa parte, porque também somos amigos e isso é superimportante de manter. Ajudam-me todos os dias a ser muito melhor do que imaginava que algum dia poderia ser.

O que sentes a cantar a Cura ao vivo?

Olha, sinto um poder muito grande em mim. De poder renovar-me e renascer sempre de cada vez que canto aquelas canções. São canções difíceis. Acho que as melodias são complicadas, mas isso é fixe, porque é um desafio, sempre. Sinto-me muito verdadeira comigo e com o público em cada concerto. Para mim, é superimportante porque, na verdade, isto tudo traz público… Nós estamos a pôr as coisas cá para fora e não estamos propriamente à espera que ninguém ouça. Queremos que nos ouçam… Quando digo queremos, são todos os artistas neste mundo musical e artístico. É isso, sinto um poder muito grande, sinto-me muito verdadeira com as pessoas. Quero sempre ser verdadeira porque não faz muito sentido não o ser. Tem de vir de mim, partir de dentro. Sinto-me muito acarinhada porque acho que as pessoas gostam.

Essa era a minha próxima pergunta. Como sentes que as pessoas recebem esta tua partilha?

No primeiro single que lançámos, que foi a Cura, estava assim meio… sentia que era exatamente aquilo que queria ter lançado como primeira canção a solo, mas estava nervosa porque não sabia qual seria a reação das pessoas e porque estávamos a explorar estilos diferentes e uma imagem também planeada, naquela perspetiva de querer comunicar esta verdade e saber como é que posso comunicar isto mais facilmente às pessoas… Estava nervosa, mas senti muito o apoio dos meus amigos e da minha família, nos primeiros momentos e no primeiro contacto, a dizer “Olá, esta sou eu, sou a Iolanda e esta é a minha canção Cura”. Depois comecei a perceber que as pessoas estavam a gostar muito nos concertos. No ano de lançamento do single dei uns três concertos por aí… Abri para a Rita Onofre, estive no Arroz Estúdios, abri para a SOLUNA também e fui percebendo… Fui obviamente amando o feedback dos meus colegas, que acho que é superimportante essa partilha. Nós crescemos todos juntos, não é? Quando partilhas, escreves, cresces com os teus colegas… Amei todo o feedback, foi sempre fixe. Acho superimportante o feedback construtivo, não sou aquela pessoa que leva a mal virem-me dizer: “Olha, se calhar, podias fazer assim”. Se calhar, não dizer “se calhar, podias fazer assim”, mas ser mais construtivo e dizer: “Olha, pensei nisto, o que achas?” Pensei sempre que as pessoas dizem aquilo que querem dizer com o coração, acredito sempre nesse processo. Se não for com o coração, tu sentes logo.

Este reconhecimento levou-te ao Festival da Canção… Como te sentes?

Como me sinto em relação ao Festival da Canção… Estou muito feliz com todo o feedback que tenho recebido. Sem qualquer tipo de expectativa. Quero aproveitar o momento ao máximo e conhecer todos os meus colegas, porque ainda não conheci toda a gente, fui falando com um ou outro no dia em que saíram as canções… Foi assim um dia louco. Tenho algumas amizades lá dentro, o que é fixe, porque me sinto também muito acarinhada e apoiada e que nos apoiamos muito todos mutuamente. E sinto-me muito ansiosa para viver o processo, porque agora estamos naquela fase em que estás só a ansiar para saber como vai ser, como te vais sentir em palco… Os ensaios e o feedback das pessoas… É tudo inacreditável e levo isto muito também como o processo que tens numa canção, que é estás a escrever aquilo e não fazes ideia nenhuma do que as pessoas vão achar ou deixar de achar. Até podem detestar e teres dez visualizações no YouTube. Essa possibilidade está sempre em cima da mesa. Mas é fixe porque é isso que te dá vontade de fazer as coisas e te dá pica para poderes seguir em frente.

Fala-nos do Grito que vais levar ao Festival da Canção…

Não estava nada à espera do convite e, de repente, dei por mim a pensar “Se tivesse feito uma livre submissão, iria, sem dúvida, com o Grito.” Não tinha outra. Acho que a guardei um bocadinho nessa expectativa, sempre positiva, de, se um dia me apetecesse ir ou se surgisse um convite, levá-la. Por isso é que nunca a lancei e, quando surgiu o convite, terminámos a canção.

Tinha lugar na Cura?

Não. Era uma coisa que imaginei para um futuro projeto. Quando surgiu o Festival da Canção, pensei: “OK, this is it. É esta a canção.” Sempre quis levar uma coisa épica, de que gostasse muito. Sou muito dramática…

Isso de quereres levar uma coisa épica e dramática… Já teria este instrumental com bombos, quer fosses ao Festival da Canção quer não?

A primeira demo foi feita em casa da minha avó, na Fontela, da minha avó paterna, que fica perto da Figueira da Foz. Sabes? [risos]

Fontela A…

Fontela A, exatamente, grande paragem! Fizemos essa canção num retiro – primeiro, a melodia. Tínhamos ali uma guitarra… Estou a ver se me lembro: o Duarte com uma guitarra… Gravámos a melodia. Fiz assim uma melodia… Tinha feito um tema antes que me levou um bocado para aquela vibe e aquele sentimento mais, eu diria, pesado, mas de renascer, porque sinto que a música não é só pesada… Acho que pega num ponto, que foi o que nós quisemos fazer, que é um misto entre ser pesado, sim, e tenso, mas ao mesmo tempo é libertador. Tens uma fase na vida em que estás megatensa e vais ter de, por algum lado, desfazer essa tensão. Começámos a gravar algumas baterias… Se não me engano, a primeira demo tinha baterias, porque estávamos a fazer aquilo sem bombo. Usámos um dos cavaquinhos da minha família, porque eu toco, o meu pai toca, a minha irmã e a minha mãe também, tocamos os quatro… Fomos gravando assim alguns instrumentos, gravámos um baixo, talvez, se não me engano. Os bombos surgiram depois, nunca numa perspetiva de Festival da Canção. Não acredito muito nisso. Cada canção é uma canção e sentimos essa necessidade de ter uma coisa que crescesse, que fosse épica. Acho que o festival, sim, dá-te essa abertura para fazeres uma coisa maior ou, se calhar, mais do que aquilo que farias num disco, mas não gosto muito dessa análise porque, na verdade, quero mostrar às pessoas aquilo que sou e não propriamente uma coisa… Acho que sim, é uma versão exacerbada de mim, mas não deixo de ser eu… E bombos e tarolas são coisas que quis sempre ter. Experimentámos e funcionou.

Perguntei pelos bombos porque uma música que vai à Eurovisão, e não é só em Portugal, tem sempre esta sonoridade épica, como se fosse o fim do mundo ou aquela parte de um filme de ação em que o herói vai salvar o mundo…

Sim, sim, sim, sim. Acho que sim. Não tenho assim uma razão plausível, mas acho que é um momento em que tudo é tão grande, é um momento que é bonito tu exacerbares… É uma coisa grande, estás a ver? Estás a levar o teu país lá fora, mostrar tudo aquilo que tens, seja uma canção épica, uma canção mais rock, uma canção mais calma, porque também funciona. Nós fomos com o Salvador Sobral, com a Amar pelos Dois, ganhámos e tinha zero bombos. Nem uma coisa nem outra é sinónimo de estar certo. Nada é certo e nada é errado. Tudo é válido e isso é que traz a diversidade ao programa e ao espetáculo que é a Eurovisão e que é o Festival da Canção. Por isso é que temos canções tão inacreditáveis a acontecer no festival, como a da Maria João, por exemplo, que é uma viagem do início ao fim. Inacreditável! Já ouvi aquilo com phones de manhã, assim numa perspetiva de “‘bora lá começar o dia da melhor forma”. E a canção chama se Dia, se não me engano. Aquilo, do início ao fim, para alguém que se calhar ouve, por exemplo, muita música mais quadrada, com um verso, um refrão, uma bridge, não sei o quê, é confuso, porque é uma viagem! Não sei se já ouviste, mas quando ouvires vais perceber que é um… Se calhar, para quem não ouve tanto esse tipo de música, a malta fica a pensar “Epá, isto não faz sentido nenhum” e a primeira vez que ouvi estava a ouvir aquilo com zero ouvidos de quem ouve uma canção pop ou uma canção da Adele, por exemplo, que é verso, pré-refrão e refrão. Na verdade, até é meio épica e meio sem sentido. Vou perguntar-lhe, porque sou meio fã fanática, porque não sei se ela fez de propósito para não ter sentido e ser uma viagem só pela experiência… De certeza que foi, porque era o que fazia mais sentido no momento. Eu acho que isso é que é fixe.

Costumavas acompanhar o Festival da Canção?

Esta é a primeira vez que estou a participar. Comecei a ver a Eurovisão há pouco tempo, talvez há uns dois ou três anos. Eu era zero Eurovisão, é verdade. Via o Festival da Canção, mas só via a nossa participação na Eurovisão, porque aquilo eram tantas canções…

O que estás a preparar para o futuro?

Muita coisa. Estou a preparar muitas coisas novas. Acho que estou a tentar ser ainda mais verdadeira comigo mesma, se é que isso é possível, e explorar algumas coisas que ainda não explorei. Acho que é um bocado isso, explorar outros caminhos e outras perspetivas minhas, no público e no palco. Acho que é um bocado por aí. 

O que gostavas mesmo de fazer? Um festival ou uma colaboração?

Olha, o que é que eu gostava de fazer? Tenho muitas. São imensas. A MARO está na lista, sem dúvida. Gostava muito, sou muito fã do trabalho dela. Slow J, gosto muito, muito, muito do trabalho dele, a escrita, a lírica toda. Acho que é muito forte e muito honesta. Isso é fixe. Rosalía, sem dúvida. Mais pessoas… Muitos dos meus colegas, já fizemos muitas coisas juntos, mas acho que ainda me falta explorar ainda mais isso. Gostava muito ter uma canção com o Luar. Já lhe disse isto, ele sabe. Há mais artistas. O xtinto também está na minha lista. Outro poeta inacreditável. Tanta gente! Carolina Deslandes, Bárbara Tinoco… Sou muito fã das letras delas. São escritas muito inteligentes, são pessoas que escrevem canções, estás a ver? Não é só pela cena de “Ai, que vou escrever uma canção”. Elas sentem o que estão a escrever. Isso é muito bonito. Ana Moura está na minha lista, a Carminho… Há mais pessoas? Não sei, são tantas…

E alguma sala emblemática onde gostasses de atuar?

Gostava muito de atuar na Altice Arena, de fazer uma sala tão grande como a Altice Arena, porque me imagino lá desde pequenina. Se calhar, digo isto por ser muito grande, mas acho que todas as outras salas emblemáticas deste país, tipo um Coliseu, um Teatro Maria Matos, um São Luiz, acho que são salas superespeciais. Mas a primeira que me vem à cabeça é sempre a Altice, por ser a maior. Não sei o que sentiria… Às vezes fico a pensar “Imagina o que seria tocar na Altice Arena para não sei quantas pessoas…” Mas há mais salas no país que eu, na verdade, não conheço assim tão bem. A Super Bock Arena… E, depois, todas as outras salas mais pequenas, mas que são superespeciais para o teu processo e para poderes viver outros espaços antigos… Há muitos que estão degradados e acho isso muito triste. Devíamos pensar nisso mais vezes do que pensamos e fazer com que essas salas pequenas sejam grandes. Quero muito tocar o máximo possível, ter um ano em que possa fazer 60 concertos. Seria inacreditável!

Vais apresentar a Cura ao vivo no Capitólio, que é uma sala emblemática…

Pisar o palco do Capitólio é um sonho tornado realidade. É uma das salas mais emblemáticas da cidade de Lisboa, sim, e preparar este concerto está a ser muito desafiante, mas gratificante ao mesmo tempo. Quero apresentar um espetáculo diferente do que tenho vindo a apresentar e quero muito explorar dinâmicas que ainda não explorei. Desde que lancei o EP que tenho vindo a aprender muito desta arte e sinto que aprenderei para sempre. Para mim, cada concerto significa uma viagem, uma aprendizagem, e quero muito mostrar ao meu público aquilo que tenho vindo a trabalhar desde o ano passado. Estamos a crescer juntos, e é isso que me move. Volto algumas vezes atrás na memória para dizer à minha criança interior que a luta compensa e que o trabalho nos pode levar onde queremos estar. Estou muito entusiasmada para o que aí vem.

Também vais estar no Sónar e confesso que estou muito curioso para ver o que vais apresentar lá…

Estamos a tentar levar isto muito como um desafio novo, porque gosto muito de música eletrónica. Sempre gostei e, quando conheci o Luar, levei uma ensaboadela de música eletrónica… [risos] O que estamos a preparar para o Sónar? É um festival diferente. Fiquei muito feliz com o convite, porque é superdiferente de qualquer coisa que já tenhamos feito em equipa, é muito grande. Sou muito fã da Sevdaliza e é, sem dúvida, uma das artistas que mais quero ver. Fiquei doente porque pensei “Como assim, o meu nome está no mesmo cartaz da Sevdaliza?”. Acho que ainda não me caiu a ficha, porque olho para aquilo e fico meio… Olho para os cartazes e ainda demoro… Levo aquilo muito tranquilamente e, às vezes, chego a casa à noite e penso “OK, eu, no mesmo cartaz que aquela miúda…”. Miúda, nada, que ela é um mulherão. Estamos a preparar um concerto diferente, sem dúvida… Obviamente, acho que, se me chamaram, foi por aquilo que sou. Quero fazer uma coisa que seja só para o Sónar, sim, mas também viver um bocadinho daquilo que a Iolanda é na Cura, acho que isso é importante. Vai ser um misto entre perder complemente a cabeça com manter o pezinho na terra também um bocadinho, porque quero muito que as pessoas ouçam aquilo que eu sou no dia-a-dia e no meu projeto fora do contexto Sónar. Acho que é um festival superinteressante, nunca fui e estou megaentusiasmada para ver tudo!

O EU.CLIDES também esteve lá, há dois anos, no último dia…

Acho interessante eles fazerem essas apostas de não serem só artistas… Eu não conheço o lineup , de todo, portanto não faço ideia se é mesmo super, supereletrónico, mas acho piada à cena…

O Sónar aposta muito nos artistas emergentes nacionais. Portanto, eles também acham que vais ser uma das divas da música portuguesa…

[risos]

Mas é principalmente para conheceres coisas novas. Tens nomes consagrados da música eletrónica, mas também querem mostrar muito a cena alternativa que se faz em Portugal…

Penso mais nessa parte alternativa, porque o que eu ofereço, aquilo que ponho em cima da mesa, é, sem dúvida, essa mistura entre o que é contemporâneo, uma escrita que eu diria que não é sempre contemporânea e, ao mesmo tempo, ter essa parte eletrónica que usamos em temas como a Contigo, que é o feat que eu tenho com SOLUNA, a Lugar Certo, que é super, super, supereletrónica, ou até a Cura, porque mistura todos esses elementos. Acho que essa é a piada do EP todo, misturar os elementos eletrónicos. Na V de Volta, muito, muito, muito. É uma canção em que eu e o Ned Flanger experimentámos muito. Estivemos um ano para produzir essa canção. Foi uma loucura. Eu e ele já não nos podíamos ver um ao outro [risos], porque houve momentos em que já não sabíamos o que fazer com a canção, porque fomos tão a fundo, tão a fundo… Foi o projeto maior que o Ned Flanger tem. Não sei se já teve outro. Ned, espero que, quando tiveres um maior, me digas… [risos] Isto é um marco na vida dele. O computador dele parou vezes sem conta, porque eram tantos instrumentos, tantas camadas e tantas coisas… E não foi para encher de propósito, foi mesmo porque estávamos numa viagem os dois… Não sei se foi das primeiras coisas que ele produziu até ao fim, não me lembro, mas foi, sem dúvida, uma viagem.

O NOVO agradece à Fábrica do Braço de Prata pela hospitalidade em receber-nos para a entrevista e sessão fotográfica à Iolanda – Fábrica do Braço de Prata, aberta às segundas, das 18h00 às 00h00; quartas a sábado, das 18h00 às 2h00; e domingos, das 18h00 às 00h00. Rua da Fábrica do Material de Guerra 1, Marvila, 1950-128 Lisboa