“Processos de inquérito não são o lugar de peças jornalísticas, sejam elas reportagens, entrevistas, textos de opinião”; “O jornalismo é uma área de atividade que nada tem a ver com a investigação criminal, nem com a administração da justiça”; “Nem os jornalistas são órgãos de polícia criminal, nem as suas peças jornalísticas constituem prova de factos a demonstrar ou a indiciar, no âmbito do processo penal”; não se pode “misturar e confundir factos penalmente relevantes com trabalho jornalístico, fazendo passar uns pelos
outros, como se fossem uma e a mesma coisa”. Todas estas declarações constam do acórdão dos juízes da 3ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa – que julgaram improcedente o recurso do Ministério Público no processo que ficou conhecido como Operação Influencer e retiraram as medidas de coação aplicadas aos arguidos Diogo Lacerda Machado e Vítor Escária.

Apesar de muitos processos em Portugal terem nascido ou terem tido progressos com notícias publicadas em órgãos de informação, e apesar de ser bastante frequente a inclusão de notícias de jornais nos processos-crime (para dar a respectiva contextualização dos factos que estão a ser investigados), para os juízes da Relação de Lisboa essa inclusão não faz o mínimo sentido, uma vez que não admitem que uma peça jornalística possa constituir prova de factos. Os desembargadores criticam largamente a inclusão no processo de um apenso com o nome “Notícias Comunicação Social” e que reúne mais de mil páginas de jornais e revistas, entre as quais a de uma entrevista de Diogo Lacerda Machado ao Nascer do Sol, publicada a 29 de setembro de 2023.

“De resto, mal se compreende, porque não se vislumbra qual seja a sua utilidade, que nos dezasseis apensos que integram o presente processo, exista um apenso 2 com o título ‘Notícias Comunicação Social’, composto de dois volumes com mais de mil páginas, no
total, cujo único conteúdo são excertos de jornais e revistas”, dizem os juízes da Relação de Lisboa. Atirando mais farpas, os desembargadores criticam os procuradores do Ministério Público que conduzem a investigação por “desacerto de técnica jurídica, que consiste em misturar e confundir factos penalmente relevantes com trabalho jornalístico, fazendo passar uns pelos outros”.

Os juízes apenas admitem que a comunicação social possa sindicar a justiça “porque isso é o que corresponde ao funcionamento democrático das sociedades e ao pleno exercício das liberdades de informar e de acesso à informação”.

O acórdão assinado pelos juízes Cristina Almeida e Sousa, Rui Teixeira (juiz que no processo Casa Pia procedeu à detenção do socialista Paulo Pedroso) e Hermengarda do Valle-Frias está a causar um verdadeiro terramoto político pois conclui que não há quaisquer indícios de crimes e que todos os factos relacionados com o ex-primeiro-ministro António Costa não passam de “mera especulação”. Recorde-se que o anterior Governo socialista caiu na sequência de um parágrafo de um comunicado da Procuradora-Geral da República que dava conta de que António Costa estava a ser investigado pelo Supremo Tribunal de Justiça por suspeitas que tinham tido origem nas escutas telefónicas da Operação Influencer. Entretanto, esses autos baixaram para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) porque António Costa perdeu o foro especial de primeiro-ministro. António Costa ainda não foi ouvido nesse processo, apesar dos sucessivos pedidos de socialistas nesse sentido.

Também João Galamba, ex-ministro das Infraestruturas, demitiu-se do Governo em novembro passado, invocando razões familiares, depois de ter sido constituído arguido no processo que investiga o alegado favorecimento de um projeto para instalar em Sines um mega-centro de armazenamento de dados digitais.

Agora, os juízes da Relação anularam a causação de 150 mil euros aplicada a Diogo Lacerda Machado, empresário e amigo do ex-primeiro-ministro, e autorizaram Vítor Escária, ex-chefe de gabinete de António Costa, a sair do país.

No acórdão de 367 páginas, os desembargadores concluem que não há indícios de crimes de tráfico de influência, recebimento ou oferta indevida de vantagem, prevaricação e corrupção ativa ou passiva. E não poupam nas críticas à investigação: “Sobre isso e sobre a construção de toda a narrativa inserta no requerimento de apresentação dos arguidos detidos a primeiro interrogatório judicial assente em meras conjeturas, conclusões, especulações a partir de conversas telefónicas que a única realidade que demonstram é a de que houve conversas entre aqueles interlocutores e com aqueles conteúdos, sem que delas se possa retirar qualquer ilação ou dedução lógica sobre se, efetivamente, ainda que por prova indireta com recurso a presunções judiciais assentes em regras de experiência, houve intromissão abusiva nos processos de decisão pública, que algum dos membros do governo, ou do município de Sines tenha agido a troco de qualquer vantagem ou em violação dos deveres do cargo”.