Vem aí a primeira diretiva comunitária para combater a violência contra as mulheres. A diretiva passa a abranger não só a violência doméstica no sentido clássico, mas também o assédio online, a partilha não consentida de imagens íntimas, a perseguição, o incitamento ao ódio ou à violência online, a mutilação genital feminina e o casamento forçado. Todos estes passarão a ser crimes da UE.

A prática destes crimes passará a ser punida com penas de prisão que podem ir de um a cinco anos. Há ainda uma lista de circunstâncias agravantes, como o crime ser praticado contra uma criança, um cônjuge, parceiro ou ex-cônjuge ou ex-parceiro, contra um representante público, um jornalista ou um defensor dos direitos humanos.

“Tomar medidas decisivas contra estes atos de violência é essencial para garantir os valores e os direitos fundamentais da igualdade entre mulheres e homens e da não discriminação”, sublinha o Conselho da União Europeia em comunicado.

Os Estados-membros da UE têm agora três anos, a contar da data de entrada em vigor da diretiva, para transpor as novas regras para as suas próprias leis.

Na diretiva, são ainda elencadas uma série de regras sobre as medidas de assistência e proteção que os Estados-membros devem prestar às vítimas, de modo a que seja “mais fácil” denunciarem um crime, nomeadamente através de ferramentas online. Para proteger a privacidade da vítima, os Estados-membros da UE deverão igualmente “garantir que as provas relacionadas com o comportamento sexual anterior da vítima só sejam permitidas em processos penais quando forem relevantes e necessárias”. E, no caso das crianças, os países terão de adotar medidas para garantir que estas sejam assistidas por profissionais e para que, quando denunciam um crime cometido por algum familiar mais direto, sejam tomadas medidas para proteger a criança antes de o autor do crime ser informado da denúncia ou do processo.

“As medidas preventivas visam aumentar a sensibilização para as causas profundas da violência contra as mulheres e da violência doméstica e promover o papel central do consentimento nas relações sexuais”, refere o Conselho da UE.

Portugal agravou penas no ano passado 

Em maio do ano passado, Portugal publicou várias alterações ao Código Penal no sentido de agravar as penas de alguns destes crimes e de forçar as operadoras a serem mais interventivas e a cederem mais dados à investigação criminal.

As alterações surgiram na sequência de um boom nestes fenómenos online a partir de 2020, à boleia da pandemia e da proliferação de grupos de partilha de imagens privadas no WhatsApp e no Telegram e em sites de armazenamento e partilha de conteúdos como o Discord e o Volafile, onde alegadas fotos e vídeos íntimos de mulheres, quase sempre jovens, são armazenados em pastas com os seus respetivos nomes. Outro fenómeno que tinha crescido com o confinamento era a sextortion (extorsão sexual pela internet).

O fenómeno crescente fez nascer em Portugal movimentos contra este tipo de perseguição online, como o Corta a Corrente e o #NãoPartilhes, criado por Inês Marinho, uma jovem vítima de revenge porn (pornografia de vingança) que pretendia apoiar outras vítimas e sensibilizar para as consequências pessoais e profissionais decorrentes da divulgação não consentida de imagens íntimas.

Os investigadores que lidavam com este tipo de casos queixavam-se, por exemplo, da dificuldade de acesso aos dados de tráfego – porque as operadoras só estavam obrigadas a partilhar com as polícias dados dos últimos seis meses e muitos dos inquéritos só arrancavam já depois do fim desse prazo – e da dificuldade de bloqueio rápido das imagens numa determinada plataforma, uma vez que era necessária a autorização de um juiz.

Embora a divulgação de imagens em grupos de mensagens, em redes sociais, em sites pornográficos ou de armazenamento, sem o consentimento dos visados, já configurasse uma série de crimes – como o de gravação e fotografias ilícitas, violência doméstica, devassa da vida privada, ameaça/coação, acesso ilegítimo/acesso indevido, difamação e pornografia de menores – as penas eram em muitos casos insuficientes.

Cristina Rodrigues, na altura deputada não inscrita, foi a primeira a debater-se pelas alterações na lei. Depois de estudar o problema do ponto de vista jurídico, concluiu que havia uma desvalorização da lei decorrente do facto de o bem jurídico protegido naqueles crimes ser a intimidade da vida privada quando estava em causa também a autodeterminação e a liberdade sexual e que isso causava disformidades que não faziam sentido, como a exibição de uma fatura detalhada de um telemóvel ter a mesma gravidade que a partilha de imagens íntimas.

A deputada associou-se a uma petição online e conseguiu as assinaturas para levar o projeto de lei a ser discutido no Parlamento. Propunha que quem fizesse ou divulgasse fotos ou vídeos com nudez ou caráter sexual, sem o consentimento da vítima, deveria ser punido com pena de prisão entre dois e cinco anos e que o ilícito devia passar a ser crime público, para não depender exclusivamente de queixa da própria vítima.

Em maio de 2023, foram finalmente publicadas alterações neste sentido, depois da aprovação no Parlamento. A divulgação não consentida de imagens, fotografias e gravações íntimas passou a ser punida com pena de prisão até cinco anos e foram instituídas uma série de novas regras sobre as operadoras de telecomunicações, que passaram a ser obrigadas a comunicar ao Ministério Público sempre que detetassem conteúdos desta natureza que pudessem constituir crime ou que lhes fosse comunicado um crime de devassa da intimidade sexual ou corporal. E passaram também a ser obrigadas a bloquear em 48 horas os sítios “identificados como contendo pornografia de menores ou material conexo” havendo um pedido do visado ou de terceiros nesse sentido.

A penalização da transmissão ou divulgação de conversas, emails ou mensagens telefónicas também foi agravada com pena de prisão até um ano ou com multa até 240 dias.

A abertura de inquérito-crime deixou também de estar, em alguns casos, exclusivamente dependente de queixa do visado. “Quando do crime resultar suicídio ou morte da vítima ou quando o interesse da vítima o aconselhe.”