Jurista e professor universitário, inspetor da AT, André Ventura ganhou mediatismo primeiro enquanto comentador de futebol, representando o Benfica, depois quando foi candidato pelo PSD à câmara de Loures, em 2017, e fez afirmações consideradas polémicas sobre a comunidade cigana. Deixou o PSD com Rui Rio na liderança e fundou, em 2019, o Chega, conseguindo no mesmo ano sentar-se na Assembleia da República. Resistiu a acusações e processos, ultrapassou o chumbo do TC aos estatutos e convenções do partido, e em 2022 conseguia já um grupo parlamentar com 12 deputados. Nas legislativas da semana passada, apenas 5 anos depois da fundação, quadruplicou a presença do Chega, sentando agora 48 deputados no Parlamento, conseguindo implementar o partido em todo o país e tendo conquistado o distrito de Faro, afirmando o tripartidarismo em Portugal.

O que é que justifica este crescimento tão rápido?
Penso que é o desalento que as pessoas sentem pelo sistema em que vivemos há 50 anos, que não foi capaz de dar resposta. Parece uma banalidade, mas áreas como a saúde, a habitação, os salários, muitos avós e pais que viram os mais novos emigrar sentiram que o país de Abril, que lhes prometeu felicidade e prosperidade, não lhes deu nada disto. Depois, o fenómeno da corrupção ajudou muitos a entender que vivemos num país que não só empobreceu como deixou alguns enriquecerem à custa de outros. E esta foi a mensagem central do Chega (CH) desde sempre. E creio ter sido isso a justificar este crescimento, que se fez em três níveis: um eleitorado base de cerca de 10% que se afirmou rapidamente, uma abstenção que desceu muito e que creio que veio votar CH e os jovens, que não estão agarrados à lógica bipartidária que nós e os nossos pais estão. Nasceram numa época em que querem é futuro, seja PS, PSD ou CH. Isso permitiu-nos disputar esta eleição em pé de igualdade com os outros partidos, o que não acontece em circunstâncias normais.

Mas já surgiram outros partidos e os problemas apontados são os mesmos há 50 anos. O BE, por exemplo, nunca conseguiu esta expressão.
Não com esta dimensão, mas teve alguma expressão… e também o país não estava tão degradado quanto está agora. E o CH conseguiu agregar este descontentamento – se não, se calhar seria ainda o BE a sê-lo, porque os liberais nunca o conseguiram. E o CH teve coragem de tocar em alguns pontos que o BE nunca tocou. O BE concentrou-se muito – e o PCP também, no seu tempo – nas causas sociais, mas não em temas que, sendo fraturantes, eram incómodos , como o sistema político, a corrupção. O BE ficou preso às causas sociais. E penso que, nos próximos anos, toda a abstenção que se reduzir vai cair no CH.

E ainda pode chegar aos 50 deputados, com os círculos da Europa e resto do mundo?
Eu acredito que nos círculos da emigração ainda podemos crescer. Não aconteceu antes porque o sistema político português precisava de um banho de realidade. Nós tivemos a ditadura até 1974, tivemos uma revolução e acho que agora houve um ajuste de contas com a História no sentido em que os partidos que concorreram no pós-25 de Abril foram controlados pelos militares. Pela primeira vez desde essa altura há um partido que diz que não concorda com aquele sistema. Se me perguntar: se o André tivesse 71 anos em vez de 41 e tivesse criado o CH em 1981 teria tido o mesmo sucesso? Provavelmente não, não tenho a mínima pretensão de achar-me melhor do que os outros. Acho que as circunstâncias ajudaram – como diria Ortega y Gasset, é o homem e as suas circunstâncias. Trabalhamos muito, mas acho que as circunstâncias ajudaram.

Mas o voto no Chega ainda é um voto de protesto ou já há base de adesão ideológica?
Combina ambos, há uma certa frustração com o sistema político, económico e social que temos e o voto já mais ideológico que temos conseguido nas causas culturais: ideologia de género, sistema político, o federalismo e globalismo na UE face à soberania dos povos, os temas da justiça… O CH foi o primeiro partido com relevo que entrou em caldos culturais que todos os outros tomavam como certos. A questão da justiça em Portugal foi durante muitos anos pacífica, ninguém punha em causa a necessidade de aumentar penas, a castração química, a perpétua…

Mas essas são precisamente as questões que agora está disposto a adiar.
Certo, mas há outras. A imigração, houve durante anos consenso, porque tínhamos pouca imigração, de que devia ser tratada de determinada forma e só com o surgimento do CH é que se começa a perguntar, como na maior parte da Europa, se faz sentido haver portas abertas sem controlo. A ideologia de género também é recente mas chegou rapidamente aos EUA, à Europa, e o CH foi o partido que questionou se faz sentido ter conteúdos sexualizantes para crianças com 6 anos. Estas causas culturais também têm forte pendor ideológico. Portanto é isso: voto de protesto, ideológico e antissistema são as três bases do crescimento do Chega e acho que há aí margem para mais. Até porque fomos o primeiro partido em 50 anos a ser capaz de quebrar o voto útil.

E ter havido tão pouca abstenção, 34%, legitima mais estes resultados?
Sem dúvida, porque é mais gente a votar, a participar. E isto devia levar os operadores políticos a pensar que o CH devia ser tido em conta para o próximo governo.

Para dentro do governo ou enquanto suporte parlamentar?
Nós só nos responsabilizamos a sério se formos parte do próprio governo.

Mas o André vincou há dias que não quer lá estar, nem faz questão que esteja alguém do CH.
Eu não, podemos nomear independentes. Mas temos de ter uma palavra a dizer sobre isso. Por uma questão de responsabilização.

Nesse caso, não faria mais sentido ser alguém do CH?
Sim, mas imagine que o Presidente dizia que não quer o André Ventura. Para mim, isso não é problema, nunca pus a minha vida à frente do país.

Mas estando o CH fora do governo, que sentido faz escolher membros do executivo?
Qual é a outra solução?

A que tivemos em 33 anos de democracia, governos minoritários.
Os governos minoritários por toda a Europa estão a acabar. O Parlamentarismo está a assumir a sua função, que é de representar a vontade do eleitorado. E o CH já não é só uma parte, representa mais de 1 milhão de pessoas, que querem ter voz na transformação do país. Luís Montenegro disse que queria a maioria absoluta, não queria o CH, e o eleitorado não lha deu…

Luís Montenegro nunca pediu uma maioria absoluta.
Mas ao dizer “não é não”, ou tinha essa maioria ou o país ficava difícil governar. Como Rui Rio, apesar de não ter sido tão claro. E o eleitorado deu a maioria ao CH e ao PSD. O PSD tem hipótese de dizer que não quer saber do que o eleitorado disse e vai continuar o seu caminho sozinho – veremos o que acontece depois. A arrogância política não costuma ser boa arma, dá mau resultado. O mundo, o país está a mudar muito e até é possível que seja o CH o penalizado, ou o PS. Eu fico de consciência tranquila por isto: desde a noite eleitoral que disse estar disponível para construir uma alternativa, ainda sem saber quem ia ganhar. Porque o país merece uma alternativa. Muito eleitorado nosso não gosta que eu diga isto e tem-mo feito chegar, mas eu acho que o país merece. Portanto, se houver novas eleições, eu direi de consciência tranquila que fiz tudo para haver governo.

E em que pastas gostava de ter uma palavra a dizer?
Desde logo a justiça, que é determinante. Eu tenho criticado muito estes acordos PS/PSD, e mais agora que a justiça está sob fogo e há uma tentativa do PS de voltar a controlar o Ministério Público (MP) – por isso é que falam tanto de clarificação hierárquica. E o PSD alinha com isso ou quem quer uma justiça a funcionar para todos, incluindo quando é contra políticos. O PSD terá de decidir e nós gostávamos de ter uma palavra a dizer sobre isso. Nenhuma reforma passará no Parlamento – a menos que PS e PSD se unam – que tente controlar a justiça.

Mas a justiça tem uma formulação hierárquica.
Tem, mas quando no meio de dois processos como tivemos recentemente na Madeira e na República, envolvendo os chefes dos governos, um do PS outro do PSD, e nasce uma conversa de tentar controlar o MP através da via hierárquica, o que passa para as pessoas é que a justiça tem de ter cuidado quando interfere com políticos e tem regras diferentes nestes casos. Eu acho isso negativo. A justiça tem de funcionar e ser igual para todos. Se houver perceção de que há regras diferentes para políticos, deputados, etc., estamos a reforçar a ideia que as pessoas têm de que os políticos são todos uma cambada de criminosos que usam a lei que fazem em favor deles para se protegerem. É preciso regras, prudência, ponderação, mas a justiça tem de ter liberdade.

E que outras áreas?
A agricultura. Estivemos a muito pouco de ter protestos graves para a ordem pública como houve em França e noutros países., mas o PS esqueceu por completo o mundo rural. Também os polícias, as forças de segurança, que têm sido a nossa bandeira – queremos o suplemento de missão alargado a todos, forças militares, de segurança e guardas prisionais. A segurança social: temos chamado a atenção para a subsidiodependência, anda uma parte do país a trabalhar para a outra e isso tem de acabar, porque cria ressentimentos e injustiças.

Mas porque é que essa intervenção não pode ser feita na Assembleia?
Já vimos nos Açores que não funcionou. O acordo não foi cumprido e não pudemos fazer nada – e o governo caiu. E achavam que o CH ia ser penalizado, mas crescemos 400%. Portanto, o mundo mudou muito, quem acha que isto é o cenário de 1985 está muito enganado. O CH hoje fala diretamente com os seus eleitores, através dos formatos digitais, das redes sociais.

E é bastante criticado por isso.
Claro, porque o PS e o PSD controlaram a comunicação social estes anos todos e não gostam. Hoje o CH tem 1 milhão de seguidores e o PS 150 mil. E eu falo diretamente, sem precisar que me determinem.

O André tem tido bastante tempo de antena…
Com 1 milhão de votos, era o que faltava cortarem-me a voz. Mas na generalidade, é mau tempo de antena. Por isso critico alguns meios, tivemos peças miseráveis em jornais e canais de televisão nesta campanha. Dois dias antes das eleições, a bolha mediática dizia desde que tínhamos feito uma campanha péssima até que íamos ter 9%, que tínhamos descido clamorosamente… isto mostra como a classe jornalística se alheou completamente do país em que vivemos. E só faz pior a si própria.

Mas essas pessoas, ainda que sejam jornalistas, estavam a fazer comentário político, não artigos jornalísticos.
Mas vou dizer-lhe uma coisa que aconteceu. Um dia num comício em Aveiro, numa sala pequena, tivemos de pôr as câmaras das televisões a meio da sala e tapava a vista para os apoiantes que estavam atrás. E a determinada altura um apoiante chateou-se: “Mas estão a falar para os jornalistas ou para nós?” Eu tentei acalmar, explicar que o trabalho deles era importante. E ele disse que tinha até tentado falar comigo e os seguranças não tinham deixado e chateou-se e foi-se embora. À meia-noite, o que a RTP, canal público, deu foi só esta parte final; cortou a parte dos jornalistas. Isto é pura desonestidade, é mau jornalismo e dá ideia às pessoas de que eles estão avençados ao PS ou ao PSD. É o pior que se pode fazer ao jornalismo.

E não acha que isso o ajudou a ter este resultado?
Não. Honestamente, acho que me prejudicou. Porque muito jornalismo em Portugal transformou-se em ativismo contra o CH. E parte das pessoas não percebe isso, até porque temos uma população envelhecida, com pouca literacia política, que vê peças destas e pensa que aquilo é o Chega. Isto não é justo. As peças dos outros eram objetivas. Esta perseguição ao CH tem de acabar, para bem de todos. O CH tem de ser visto como um dos maiores partidos do país, que é, os jornalistas têm de escrutinar, inclusivamente o CH, mas com imparcialidade.

E a postura de António Costa e Augusto Santos Silva ajudou?
A de António Costa pode ter ajudado pelo facto de ter governado tão mal. Quanto a Santos Silva, eu até comecei por ter com ele uma relação cordial e respeito-o, mas hoje praticamente não falamos um com o outro. Eu tento dar-me bem com as pessoas, já cometi erros, pessoas a quem disse coisas que depois vi que não eram assim e pedi desculpa. Com Santos Silva, chegou a um momento em que senti que não havia mais caminho para andar. Vou contar isto que nunca revelei: É verdade que Augusto Santos Silva tentou que a cerimónia do 25 de Abril fosse minimamente controlada quando esteve cá Lula da Silva. Nós optámos por fazer o protesto que todo o país viu e eu expliquei que tínhamos de manter a nossa posição firme e respeitava a posição dele. E no dia seguinte, ele liga-me de manhã e diz que decidira que o CH não ia em mais nenhuma viagem da Assembleia. Uma coisa profundamente antidemocrática, como lhe disse então. E desde esse dia, eu passo por ele e quase não falamos. O ambiente ficou muito crispado e se calhar até vai ser pior nesta legislatura, mas vamos continuar. Durante muitos anos as pessoas sentiam que havia uma clivagem artificial mas depois era tudo um grupo de amigalhaços que se juntavam para fazer negócios… Agora, dizem que isto é muito duro porque pela primeira vez a clivagem é a sério.

Mas uma coisa é clivagem, outra desrespeito.
Talvez, sim.

Por exemplo, o vídeo que publicou nesta semana, sentado na cadeira de Santos Silva…
Sim, mas foi sentido – fi-lo e assumo a minha responsabilidade. É disruptivo. Nem acho que tenha sido falta de respeito, mas já as tive aqui com alguns deputados, passar as marcas em debates, e pedi desculpa por isso. Também já aconteceu de outros comigo, acontece, estamos num momento de grande polarização da sociedade.

E vai pedir desculpa a Santos Silva se lhe roubar o lugar de deputado?
Não. É uma luta democrática.

Mas acredita que é possível?
É bem possível. Segundo sondagens que recebi, estamos com um nível elevadíssimo de votos no Brasil e quem decide as eleições nos círculos de emigração é o Brasil, os EUA e a África do Sul. E era um gosto para mim ter essa vitória. Mas dou-lhe outro exemplo: quando foi o processo de Mariana Mortágua por estar em exclusividade e a receber da SIC e do GMG, ela tinha-me atacado por ser colaborador da CMTV – e eu não estava em exclusividade. Ela deixou de me falar, nem sequer me cumprimentava nos corredores. E quando chegámos ao debate nos estúdios da RTP, para as câmaras, ela falou-me e sorriu-me. Isto é o cúmulo da hipocrisia. Portanto, há momentos de grande tensão e eu às vezes excedo-me, assumo isso, mas é difícil viver num ambiente em que estão sempre todos contra nós e a arranjar artimanhas para nos aniquilar.

Acha que essa atitude vai mudar?
Acho que até vai piorar, porque a nossa força é maior. Houve uma altura em que tinha esperança que ao menos o PSD entendesse que ou alinhava com todos os outros ou convergia à direita. E hoje tenho a sensação de que o PSD está mais perto de convergir com os outros todos do que connosco. E isso pode gerar uma aliança negativa toda contra nós. Vamos ver.

E já conseguiu garantir uma vice-presidência na Assembleia?
Não, eu vi notícias sobre isso, mas acho até arriscado dizer que já o garantimos, porque em 2022 o PSD também apelou ao voto mas metade da bancada não seguiu a indicação e o vice-presidente não foi eleito.

Mas nessa altura tinham 12 deputados, agora têm 48.
Mas não chega, é preciso 116. É mais fácil, mas não sei se vai acontecer porque era preciso que o PSD aprovasse. Ao Conselho de Estado temos direito, mas vai haver uma tentativa dos vários partidos de limitar os lugares do CH. E nós lidamos com isso com naturalidade, não nos preocupa, mas mostra como o PSD tem um poder de decisão grande: se quer fazer convergência à direita ou aliar-se aos outros para bloquear o CH. E acho que 1.100.000 votos não são isoláveis.

E se acontecer será mais lesivo para o CH ou para o PSD?
Não sei, temos de ver as próximas eleições. Muito deste eleitorado que votou no CH já não é só o eleitorado base, vai muito além disso. Como reagirá se não houver entendimento e isto cair daqui a meio ano ou um ano é uma incógnita. Acho que não podemos fazer comparações com 1985, mas é preciso ter noção que temos – ao contrário do então PRD – capacidade de falar diretamente aos nossos eleitores. E por isso o tenho feito, para explicar que estamos a tentar acordos e se não acontecerem não será por nós, mas por eles. Isto vai funcionar? Tenho dúvidas. É preciso mais umas eleições.

É a última coisa de que o país precisa.
É, por isso me tenho esforçado tanto. Eu nasci num subúrbio de Lisboa e onde continua a viver a minha família. Obviamente não conheço toda a gente, mas tenho a sorte de lidar muito com pessoas normais – pequenos empresários, donas de casa, polícias, pensionistas. E as pessoas não querem novas eleições. Eu tenho noção de que me estou a humilhar, mas as pessoas em casa não querem um governo a seis meses, querem um governo a quatro anos. Portanto, posso humilhar-me um pouco mas vou lutar por isso até ao fim. Se não der, eu tentei tudo.

Já tem planos para as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril?
Não, ainda não. Vamos passar de 12 para 48 ou 50 deputados, isto é uma realidade nova e vamos ter de articular isto com muita gente. Se estiverem chefes de Estado como Lula da Silva ou outros presidentes de países lusófonos pouco recomendáveis, é provável que haja protestos. Acho que nos 50 anos do 25 de Abril nos devíamos focar em celebrar a nossa democracia, sem interferência externa.

E já tem outra sala na Assembleia para acomodar os novos deputados?
Eu gosto muito desta e vamos mantê-la, mas estamos a negociar outra porque não cabemos. O PCP está a resistir a sair desta zona, mas perdeu muitos deputados… e o BE a mesma coisa. E o PS tem um número de salas absolutamente desproporcional aos votos que tem e não quer abdicar de salas e gabinetes. Espero ter concordância do PSD para isto, porque passamos de 12 para 48 deputados e temos de ter uma dimensão adequada. Estamos em conversações com o secretário-geral para resolver – não é o assunto principal.

Vamos falar de propostas. Se não houver acordo e a AD for governando e apresentando propostas que estão enquadradas nas ideias do CH. Irá aprová-las?
Claro! Sempre aprovámos propostas, até do PCP e do BE. Se a AD propuser a equiparação aos polícias do suplemento de missão não temos como votar contra.

Há muitas bases comuns?
Sim, os professores, por exemplo, há uma estratégia para recuperar o tempo de carreira… Eu vejo a democracia como algo construtivo. Temos é de construir. Se houver proposta para subir salários, vou apoiar. Não vou votar contra um aumento de pensões só porque é o PSD. Foi o que nos fizeram, mas não vou fazer isso.

E no Orçamento do Estado, se a proposta estiver de acordo com o que o CH defende, aprova?
É diferente, porque isso não se aprova medida a medida, tem a filosofia política macroeconómica que é a base da governação. Aí tem de haver um entendimento para um consenso. Não nos podem pedir os votos favoráveis sem um mínimo de entendimento connosco sobre objetivos a atingir, modelo económico a seguir, modelo fiscal…

Mas se a proposta for no sentido das vossas ideias?
Até poderíamos abster-nos, mas não passaria na mesma porque o PS votará contra. Por isso tenho insistido nisto. Até ao OE tem de haver um entendimento, senão isto é certinho que não tem seguimento. E temos uma oportunidade única à direita – para empresários, trabalhadores, pensionistas, polícias, jovens – de dar um país diferente. Se a desperdiçarmos, não estamos a fazer nada de jeito. Pode haver medidas que aprovemos na especialidade…

Mas o OE só chega à especialidade se passar na generalidade.
E é difícil aprovar na generalidade um documento em que não sejamos tidos nem achados.

Mas durante muitos anos passaram-se Orçamentos assim.
Com abstenções. Mas aqui é preciso voto favorável.

Mas se fosse necessário pela estabilidade do país, fá-lo-ia?
Eu estou de consciência tranquila porque terei feito tudo. Até ao último dia, vou tentar reunir-me com o primeiro-ministro em funções, se for de direita, e tentar um acordo. Se do outro lado não quiserem saber de nós…

Mas há aqui uma atitude de quid pro quo também da vossa parte. Se a proposta for boa, porque é que não hão de aprovar?
Nós temos direito a ser ouvidos, com 1 milhão de votos. Não faz sentido que um casal viva na mesma casa e só um decida a cor das paredes, o telhado, se têm um cão…

Mas também não faz sentido pedir ao vizinho que ajude a decidir.
Mas pedem a quem vive na mesma casa. Aqui a maioria expressiva é dos dois, foi o que os portugueses decidiram. Repare, o PSD habituou-se a ter 30% e os outros 8%. Aqui, teve 28% e nós 18%.

O PS teve uma percentagem semelhante ao PSD.
Mas não conta nesta equação, porque não faríamos acordo com o PS. Mas os eleitores disseram que querem AD e CH. Um não pode fazer o que quer sozinho.

O que é que o CH propõe para pôr o país a crescer?
O IRC é importante e nós temos das taxas estatutárias mais elevadas da OCDE. Mas não traz crescimento por si só – a Bulgária tem das taxas mais baixas do mundo e não atrai investimento. Precisamos de reformar o país em várias áreas: fiscal, redução da burocracia, custos de contexto, a justiça (um litígio demora 7 anos a decidir-se, isto é inaceitável e prejudica o investimento). Precisamos de uma grande reforma a nível de simplificação. Depois, a nível fiscal, eu estou convencido de que se descermos os impostos sobre as pessoas vai haver mais consumo e mais investimento. O Estado arrecada menos para redistribuir, mas a existência de mais poupança gera mais investimento, mais consumo e uma economia mais pujante. Se olharmos para os países mais ricos e mais pobres, percebemos dois padrões: os mais ricos do mundo têm menos impostos, empresas mais dinâmicas, mais iniciativa privada; os mais pobres são onde há mais impostos, menos iniciativa privada e empresas dependentes do Estado. Eu quero seguir o exemplo dos mais ricos e para isso temos de fazer uma reforma do sistema fiscal. Porque é que o PS tem tantos votos? Porque anda a cobrar impostos à classe média, aos trabalhadores, aos empresários, para distribuir aos subsidiodependentes, parte da Administração Pública e câmaras. Encontrei isso pelo país, diziam-me que só o PS é que lhes dava alguma coisa. É a mentalidade que o PS criou, a dos coitadinhos. E os pensionistas acham isso também.

Mas como é que se cria despesa permanente – em pensões, no complemento dos polícias, nos professores – e se coleta menos impostos e se mantém as contas equilibradas?
Temos de crescer economicamente. Descer impostos gera dinâmica. Portugal tem segurança, bom clima, pessoas que acolhem bem, sustentabilidade social, étnica e religiosa. Seria o país mais atrativo para investir se não houvesse os custos de contexto, burocracia e corrupção.

Mas nada disso se resolve em pouco tempo.
Não, por isso é que eu queria um acordo a oito anos. Porque tem de ser um projeto de futuro.

Então essas melhorias também seriam atribuídas a esse prazo mais longo.
Nós falámos em seis anos por isso, porque quem fala em aumentar as pensões para o salário mínimo em um ano ou está a mentir ou vai descapitalizar o Estado. Se chegarmos ao valor do IAS, estamos a falar de 1,6 mil milhões de euros, é um valor fazível. Para as pensões é que precisamos de 7 mil milhões e isso requer mais tempo para crescer. Mas temos de ser ambiciosos. E o PS nunca o foi, criou um país de salários baixos, dependente do Estado. Por isso é que sempre que estamos perto de eleições aumentam o Complemento Solidário, o RSI… as pessoas estão dependentes e dizem que o PS é que lhes dá. Por isso é que não fiquei surpreendido ao ver que a votação do PS foi igual à do PSD. São os subsidiodependentes, muitos funcionários públicos e pensionistas que sentem que só o PS responde às ansiedades deles. Nós temos de combater a esquerda no terreno deles, e isso é olhar para os funcionários públicos e para os pensionistas. E para os subsidiodependentes, mas a esses para dizer que vai acabar-se a mama.

Mas quem são os subsidiodependentes?
Eu nos Açores assisti a isto: em cada exploração agrícola, de leite, gado, diziam-me que não há ninguém para trabalhar, só imigrantes. Mas depois chegava a Ponta Delgada e era só malta de 20 anos nos cafés. Nós temos de acabar com esta cultura em que não trabalhar compensa mais do que trabalhar.

Mas como é que se garante que os apoios sociais chegam a quem precisa e se acaba com isso?
Qual é a probabilidade de alguém com 22 anos não arranjar emprego se todas as lojas do país precisam de pessoas? Elas não encontram trabalho porque estão a gozar connosco. Temos de pensar que sociedade estamos a construir.

Mas qual é a solução?
É dizer que ao fim de seis meses acabou. Alguém que está com uma incapacidade é diferente, esses até deviam receber mais do que recebem. Aquele bombeiro que tem 85% do corpo incapacidade não deve ter de ir procurar trabalho. Uma mulher vítima de violência doméstica que tem sintomas de depressão, de agressão, não quero. Mas o rapaz que está a jogar em casa tem de ir. Não é justo que os outros estejam a sustentá-lo.

E como é que se fiscaliza?
Mais fiscalização é uma parte, a outra é pôr prazos. E quero dar esse passo. Não podemos crescer se uma parte do país não trabalha.

Quais são as propostas do CH para o investimento público?
Temos de ter razoabilidade: não se pode reduzir impostos, subir o SMN e ao mesmo tempo dizer que se vai fazer a maior aposta em investimento público de sempre.

Qual é a prioridade?
A coesão do território. Sem uma ferrovia capaz de levar a economia e o desenvolvimento a todo o território, a litoralização vai continuar e o abandono do país também. Eu hoje vou a Portalegre, onde elegi um deputado, e loja sim loja não está fechada. Na Guarda, as pedreiras estão aflitas porque têm custos de transporte muito mais altos do que as outras empresas europeias. Portanto, num cenário de descida de impostos a minha prioridade para o investimento seria na coesão: ferrovia, diminuição progressiva das portagens até à sua aniquilação, para os custos das empresas, que são grandes exportadoras, têm custos que não são o triplo das concorrentes. Além da coesão, a digitalização: IA, indústria de defesa (não agrada a ninguém, mas vamos ter de investir nela, como se prova pelo que está a acontecer na Ucrânia). E a coesão. Se dermos aos empresários condições, teremos um país muito melhor, com mais investimento, mais emprego, melhores salários, mais crescimento. Enquanto acharmos que o Estado é que tem de tratar de tudo só vamos ter mais pobreza e corrupção. Isto é uma mudança de 180 graus – e os liberais e a AD concordam.

Já existe um projeto para a Ferrovia.
Verdade, e é do PS e é ambicioso, reconheço-o. Mas nunca foi executado. Como o TGV, que anda a ser prometido há 24 anos. Ação é o fundamental para o governo. Se entrarmos numa crise política, não vamos tê-la, vamos ter o país parado.

Que perspetivas tem para as Europeias de junho?
Vencer. Acho que temos todas as condições para isso, para chegar aos 25%.

À frente do PSD e do PS?
À frente do governo, seja de quem for. Nas Europeias as pessoas não votam tanto pela governabilidade, é um voto muito sinalizado em protesto, e podemos seguir o caminho de alguns congéneres europeus. Se não, ao menos cruzar a barreira dos 20% dos votos. Vamos continuar a lutar contra a abstenção, a chamar os jovens, a lutar para eleger quatro ou cinco eurodeputados.

E nos Açores que postura vai ter?
Temos de aguardar. O programa do governo está em discussão, está-se a lutar por um acordo, vamos aguardar para ver se conseguimos dar uns anos de estabilidade à Região. A última coisa de que precisamos é de novas eleições nos Açores, o CH está a lutar muito por um acordo plurianual para a legislatura e penso que será possível.

E na Madeira, que irá em breve a eleições?
Sendo Miguel Albuquerque o candidato do PSD, o CH afastar-se-á totalmente. Entendemos que ele não tem condições para continuar.

Porquê?
Eu separo bem a justiça e a política. E eu também já fui arguido, não é isso que me incomoda. Há muitos anos que se fala disto: eu não entendo como alguém da posição de Miguel Albuquerque de repente tem quintas de milhões de euros, não declaradas, nomeia um vice-presidente que vinha de uma construtora que recebeu metade do dinheiro de apoios que a Madeira deu a empresas, isto é uma profunda falta de ética. É como o caso de José Sócrates: eu também sou político, sei o que ganho, e não conseguia ter uma quinta de milhões a menos que casasse com uma mulher rica ou que tivesse herdado de um pai multimilionário, como Trump. Quem cabritos tem e cabras não tem, de algum lado lhe vem…

Mas não cabe à justiça esclarecer isso?
Cabe, mas eu não ponho em causa se houve ou não corrupção. Miguel Albuquerque simplesmente não me inspira confiança política, ética e moral. Não é uma pessoa credível para a nossa mensagem, eu não posso dizer que quero limpar Portugal e pactuar com quem enriquece milagrosamente. Eu não sou contra os ricos, também gostava de o ser, mas acho que quem é deve ser pelo seu trabalho ou por herança. Quem chega à política e fica rico de repente causa-me a maior das estranhezas. Acredito em milagres, mas não são desses.

Já descobriu quem vandalizou a sede do CH no Porto?
Não. Já apresentámos queixa porque vandalizaram a entrada toda, isto não deve acontecer em democracia. Este tipo de violência só gera mais violência e incompreensão. Um dos nossos membros em Sintra estava a pôr pendões do CH e levou uma sova de capacete que foi internado no hospital em condições péssimas e só agora está a recuperar. Isto não deve acontecer em democracia. Tenho tentado explicar que o conflito deve ser aqui, no Parlamento, num debate com força, firme. Na rua precisamos de continuar a ser um país tranquilo. E não será por nós que deixará de o ser.

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 16 de março