Quando apareceu ao lado de Pedro Nuno Santos, na segunda-feira, Francisco Assis surgia como trunfo centralizador de uma candidatura à sucessão no PS que precisa urgentemente de suavizar o radicalismo reconhecido do obreiro da geringonça. Um esforço que se tornou premente quando o Presidente da República anunciou legislativas antecipadas para 10 de março, precipitando a sucessão a António Costa à frente do partido e retirando eficácia ao socialismo alternativo que previa ir apresentando em suaves doses de comentário televisivo semanal.

Com a anunciada dissolução da Assembleia, na semana passada, a maratona tornou-se uma prova de 100 metros de obstáculos. Mas a garantia de ter Assis ao lado permitiu a Pedro Nuno saltar várias barreiras. Desde logo, convencer quem ainda não esqueceu frases como “estou-me marimbando para os bancos alemães que nos emprestaram dinheiro (…) Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos a dívida” de que já não é aquele jovem radical sem consciência da importância das contas certas. Mas Assis também conta se Pedro Nuno Santos ganhar o PS e o partido vencer as legislativas, naturalmente sem maioria absoluta e sem haver uma maioria de esquerda no Parlamento. Será um joker caso seja preciso negociar ao centro uma solução que garanta aos socialistas a cadeira em São Bento.

E quem melhor para esse papel do que um homem reconhecidamente da ala mais moderada do partido – ainda que Pedro Nuno se esforce por querer vender que não há alas, só socialistas -, ofendido por António Costa e que ainda há um mês marcava presença nas jornadas parlamentares do PSD, onde defendia que os dois maiores partidos deviam fazer “um esforço de falar e entender-se em determinados assuntos”, como uma reforma fiscal, e apoiava “uma ampla discussão” em temas capazes de assegurar maior estabilidade e crescimento ao país. Uma receita para “afastar o risco dos extremismos”.

Mas como foi que Pedro Nuno Santos convenceu Assis a desempenhar esse papel na sua candidatura? O despeito terá tido peso – “Ficou claro, quando fez as listas, que António Costa não contava comigo. O meu nome era uma impossibilidade total e eu era quase um proscrito”, respondeu o presidente do Conselho Económico e Social (CES), em entrevista ao Público, em março, quando se celebravam os 50 anos do PS. Mas a ofensa não chegaria para convencer quem se assume “da esquerda democrática” – adepto de uma fação que se encontra “na conciliação da herança socialista com a herança liberal” e rejeita “profundamente o modelo marxista-leninista” – a apresentar-se ao lado de alguém a quem reconhecia “qualidades de liderança” mas “ideias políticas que não são as mesmas” que as suas e divergências pronunciadas nas respetivas “visões, interpretações da realidade, posições e conceções da realidade”.

Há quem assegure que a recompensa prometida estará algures entre a liderança da lista às europeias do próximo ano (marcadas para 9 de junho) e a candidatura apoiada pelo PS às presidenciais de 2026. Mas muito mais provável, revelam ao NOVO fontes socialistas, será um lugar de relevo no governo, caso o partido vença as legislativas de março.

“Um lugar de ministro Adjunto, que lhe dê protagonismo em negociações ao centro, ou uma pasta de peso, como as Infraestruturas, em que estão dossiês politicamente sensíveis, como a TAP, e que mexem com grandes investimentos que requerem consenso alargado, como o novo aeroporto”, terá sido a contrapartida negociada por Pedro Nuno em troca do apoio de Assis. Que estará por essa altura a terminar o segundo mandato no CES.

Terá sido essa promessa de encabeçar novas geringonças, agora ao centro, a selar o acordo entre o homem que garantiu o apoio parlamentar da extrema-esquerda ao governo de Costa e um dos mais visíveis opositores socialistas da ligação do PS a Bloco e PCP. “Uma solução errada, negativa, que comporta mais riscos do que virtudes”, reforçava Assis ainda há um par de anos – posição que acabou por ditar o seu afastamento da estrutura socialista comandada por António Costa.

De 2021 para 2023, o moderado sem “a menor ambição política” – que foi autarca, deputado, líder parlamentar, eurodeputado e candidato à liderança do PS, “por casualidade” – voltou a admitir regressar ao ativo. Pedro Nuno Santos abriu-lhe a porta – e Assis não recusou.

Artigo publicado na edição do NOVO de dia 18 de novembro