Pedro Passos Coelho considera que Luís Montenegro tem tido uma preocupação em desligar-se do seu legado, numa entrevista ao Observador, em que também revela que a Troika não confiava em Paulo Portas.

“Realmente foi um grande líder parlamentar. E foi aí que nasceu a possibilidade de ele criar condições para fazer o caminho para poder vir a ser líder do PSD. Portanto, ele faz parte dessa herança e desse legado. Em que medida é que ele se quer desconectar mais desse seu próprio passado? Não sei. A mim parece-me que foi muito evidente nos últimos tempos que houve essa preocupação de tentar desligar”, defende Passos Coelho.

Na entrevista, conduzida por Maria João Avillez, Passos Coelho sublinha que, “até certo ponto”, entende essa preocupação do primeiro-ministro, “porque é importante que os partidos possam ter uma perspetiva para futuro e não ficarem sempre só ligados ao seu passado”.

Passos Coelho explica que não quer “andar a criar constrangimentos” a Montenegro com as suas intervenções públicas, mas sublinha: “Agora, também não posso ser impedido de, de quando em vez, poder dizer alguma coisa do que penso. E eu penso pela minha cabeça, evidentemente”.

O antigo primeiro-ministro revela também que a Troika, “a partir de certa altura, percebeu que havia um problema com o CDS” e “passou a exigir cartas assinadas por Paulo Portas”.

“Eu julgo que ele não sabe isto: para impedir uma humilhação do ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, eu obriguei o ministro das Finanças a assinar comigo e com ele a carta para as instituições. Assinámos os três. A Troika exigia uma carta só dele. Porque não confiava nele”, conta.

Durante a sétima avaliação das instituições que tinham concedido o empréstimo a Portugal durante a crise das dívidas soberanas, Paulo Portas terá sido um obstáculo e, refere Passos, só a intervenção de República Cavaco Silva impediu o “desperdício de todos os sacrifícios dos portugueses”.

“Eu não conseguia que Paulo Portas aceitasse nenhuma versão. Nenhuma, nenhuma. Convoquei até um Conselho [de Ministros] extraordinário para explicar ao Governo que íamos falhar a avaliação porque Paulo Portas não aceitava aquela avaliação. O que se passaria a partir dai era uma incógnita. A Troika diria que, se não queríamos fazer nada, também não enviaria mais dinheiro. O que é que se seguiu? Não sei, para mim é um mistério. Paulo Portas mudou de opinião. Eu creio que foi o Presidente da República”, revela.

Após a demissão “irrevogável” de Paulo Portas, em 2013, que Passos Coelho não aceitou, o líder do CDS passou de ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros a vice-primeiro-ministro e a relação entre ambos alterou-se, com sinais públicos de sintonia, culminando na campanha eleitoral para as eleições de 2015, que fizeram coligados e venceram, chegando a formar governo, que foi derrubado pela união de PS, PCP, Bloco de Esquerda e Os Verdes.

Sobre Cavaco Silva, sinaliza que com ele teve “um relacionamento impecável”.

“Nos momentos difíceis tive o apoio dele. Isso foi importante para o país. Se tivesse falhado, o país teria falhado também”, contou o antigo primeiro-ministro na entrevista em que também revela ter tido a perceção antecipada de que António Costa estaria a preparar um acordo com o PCP para poder governar, uma convergência à esquerda que juntou também Bloco de Esquerda e Os Verdes.