Incerteza é a palavra que os analistas contactados pelo NOVO mais usam para antever os resultados das legislativas de 10 de março. Ainda que a AD comece a surgir nas últimas sondagens alguns pontos percentuais à frente do PS, o empate técnico mantém-se e o número elevado de indecisos nesta altura (entre 15% e 20%) e até de hesitantes pode alterar todo o jogo de xadrez no dia da ida às urnas.

Convictos de que o poder está nas mãos dos indecisos, PS e AD vão dramatizar ao máximo o apelo ao voto útil na última semana de campanha, a bipolarização vai subir de tom e cada caravana vai jogar o máximo de trunfos que tiver para cima da mesa. Ângelo Correia diz ao NOVO que vê os dois maiores partidos “arriscarem pouco em temas fraturantes”. O receio de que possam existir gafes ou erros mal percecionados pelos indecisos levam, opina o barão do PSD, AD e PS a “tentarem passar pelos pingos da chuva”.

As estratégias já estão no terreno há muito e na última semana espera-se apenas mais dramatização. Luís Montenegro tem por missão centrar o discurso da AD, deixando para outros peões ou barões, como Carlos Moedas e Pedro Passos Coelho, a introdução de temas que entram no campo do Chega, como a imigração.É a tentativa da AD de ir buscar votos perdidos antes para o partido de André Ventura sem chamuscar Montenegro e sem deixar de colocar o foco no centro, onde Pedro Nuno Santos também se encontra no combate e onde se ganham eleições. A AD está, assim, a jogar em dois tabuleiros e o Chega já começa a perceber isso, pelo que tem reforçado cada vez mais o ataque à coligação. Em breve entrará na campanha Paulo Portas, para jogar no mesmo tabuleiro, mais à direita.

A politóloga Paula do Espírito Santos diz ao NOVO que, embora a campanha esteja a ser “muito competitiva”, entende que existe algum “amadorismo” e que é uma “incerteza” saber se a intensidade com que tem sido mostrada na comunicação social “vai ter eficácia no dia 10 de março”.Nuno Melo, líder do CDS e parceiro de coligação, diz que estão “confiantes” e que a coligação pode “surpreender” com o resultado nas eleições. Porém, mesmo que consiga ganhar, Ângelo Correia diz que uma maioria absoluta terá sempre de integrar o Chega, cenário que Montenegro descarta.

A primeira semana de campanha não correu mal a Luís Montenegro e o ataque que lhe foi feito por um ativista pelo clima – que lhe deitou uma lata de tinta verde na cabeça – acabou, na opinião de Paula do Espírito Santos, por beneficiá-lo, porque gerou “empatia” no eleitorado e dominou o dia da campanha, isto já depois do discurso de Pedro Passos Coelho no dia anterior.

Pedro Nuno Santos tem sobretudo andado a reagir aos momentos da AD e os dois grandes focos têm sido a luta pelo voto dos pensionistas e a tentativa de acenar com a ameaça de o Chega chegar ao governo caso a AD ganhe. “A campanha tem sido influenciada sobretudo pela agenda da AD”, diz ao NOVO o politólogo José Palmeira.

Luís Montenegro também comprou a luta dos pensionistas e elevou mesmo a fasquia: primeiro fez “compromisso de honra” de que iria subir o CSI, depois até disse que se demitiria se tivesse de baixar um cêntimo de pensões. A dramatização na luta por este eleitorado vai continuar na próxima semana. E também pelo voto útil, para que o país tenha condições de governabilidade e estabilidade para aplicar reformas. Tal como avisa Ângelo Correia, “com um governo minoritário não se fazem as reformas que são necessárias”.

Vai ser um duelo PS/AD até ao último minuto, cada um a tentar colar o outro ao passado: Pedro Nuno Santos a colar a AD à austeridade de Passos, Montenegro a colar o líder do PS aos anos de empobrecimento da governação socialista.

Ao NOVO, o politólogo José Adelino Maltez lamenta que a campanha não tenha “mais humanidade”, que não se consiga “conhecer a personalidade dos candidatos” e que, atualmente, esteja tudo dominado pela propaganda.

Pedro Nuno Santos tenta  colar AD  “ao passado”

Pedro Nuno Santos vai continuar a insistir na estratégia de colar Luís Montenegro aos tempos da troika e aproveita todos os deslizes na campanha da AD para falar no “regresso ao passado”. Foi assim com as declarações de Paulo Núncio sobre o aborto ou de Oliveira Sousa sobre as alterações climáticas. “Cada um escolhe com quem anda e isso diz muito sobre o que se quer para o país”, disse , na semana em que voltou a agitar o fantasma da austeridade.

“Tem ido a reboque da agenda da AD”, diz José Palmeira, professor de Ciência Política da Universidade do Minho, acrescentando que os socialistas vão apostar, até ao final da campanha, na tentativa de “mobilizar os eleitores que lhe deram a maioria absoluta”.

Palmeira acredita que Pedro Nuno Santos, depois de fazer um apelo ao voto útil, vai estar “mais virado para conquistar o eleitorado do centro”. O PS “vai continuar a tentar colar a AD mais à direita”, alertando que “só há geringonça” se o PS conseguir um bom resultado.

Capoulas Santos já dirigiu algumas campanhas e afirma ao NOVO que “tudo está em aberto”. O ex-ministro socialista acredita que será “uma disputa séria” entre o PS e a AD, até ao último momento, mas “no final haverá uma vitória do PS”.

O antigo governante socialista crê que os eleitores tenham em conta que “o balanço global destes anos de governação são muito positivos, com crescimento, diminuição do desemprego e aumento das pensões e dos rendimentos”.

Acordo secreto

O PS aposta também em colar a AD a um cenário de instabilidade, ao mesmo tempo que lembra a estabilidade durante os quatro anos da geringonça. Os partidos de esquerda conseguiram “mostrar, nas últimas semanas, que conseguem conversar, pensar em conjunto e ter uma relação de estabilidade”, disse Pedro Nuno Santos esta semana, numa ação de campanha em Évora.

E, mesmo depois de Luís Montenegro ter afastado um acordo com o Chega, os socialistas continuam a apostar na colagem da AD às ideias defendidas por André Ventura.

“Só o PS pode impedir que estas forças tenham poder em Portugal. É preciso mobilizar os democratas. O país precisa que o PS ganhe estas eleições”, disse Eurico Brilhante Dias, líder da bancada parlamentar socialista e cabeça-de-lista pelo círculo de Leiria, colando a coligação liderada por Luís Montenegro ao “discurso que pega nas bandeiras da extrema-direita”.

José Luís Carneiro, principal adversário de Pedro Nuno Santos nas eleições internas, foi mais longe e falou numa espécie de acordo secreto entre a AD e o Chega. Há “muitos cidadãos que nos dizem que eles andam a negociar nas costas dos portugueses uma futura aliança com aqueles que são contra os valores constitucionais”, disse Carneiro, no arranque da campanha oficial.

Coube a Paulo Rangel, vice-presidente do PSD, responder aos socialistas com a acusação de que “o PS, neste momento, em desespero, já está a imitar o Chega e está a basear a sua campanha nas notícias falsas, nos boatos e nos rumores”.

O discurso vai endurecer na última semana de campanha, mas o politólogo José Palmeira está convencido de que “as contas sobre alianças só se podem fazer a partir do dia 10 de março”. E não tem dúvidas de que a última semana de campanha pode ser importante para definir o vencedor: “Os estudos indicam que, na última eleição, foi na última semana que os eleitores indecisos optaram por dar a maioria absoluta ao PS. Não sabemos se poderá haver um fenómeno semelhante, mas sabemos que há um número de indecisos significativo. A dúvida é se irão votar e, se o fizerem, em quem votarão.”

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 2 de março