Cumprem-se nesta sexta-feira, 10 de maio, quatro décadas do desaparecimento de Joaquim Agostinho, o melhor ciclista português de todos os tempos.

Uma queda em Quarteira, enquanto disputava a Volta ao Algarve, acabaria por revelar-se fatal. Agostinho vestia a amarela, mas não conseguiu desviar-se de um cão (persiste a dúvida se foi um ou dois). A verdade é que ainda se levantou e, com a ajuda de dois colegas – Benjamim Carvalho e José Amaro –, cortou a meta, que estava à distância de 300 metros.

Depois foi uma luta contra a teimosia e o carisma de Agostinho que recusou, numa primeira fase, entrar na ambulância. Rumou à residencial onde se encontrava a equipa do Sporting, mas as tonturas foram mais fortes e, a contragosto, deixou-se levar para o Hospital de Loulé. Na unidade algarvia foi-lhe diagnosticada uma fratura no crânio e a urgência de rumar a Lisboa, numa altura em que as estradas portuguesas eram um autêntico labirinto. Entrou em coma perto de Alcácer do Sal e, quando entrou na sala de operações do Hospital de Santa Maria, já era demasiado tarde. Morria o ciclista, o melhor de sempre nascido em Portugal, e começava a lenda.

Em Quarteira teve a última queda de uma série longa, de tal forma que foi apelidado, desde cedo, de Quim Cambalhotas.

Birras e doping
Joaquim Agostinho era um ciclista sem escola, desengonçado a pedalar e que começou demasiado tarde na modalidade devido ao serviço militar, que teve de cumprir na antiga Lourenço Marques, hoje Maputo, capital de Moçambique.

A sua carreira propriamente dita só se iniciou aos 25 anos pela mão de João Roque, um antigo ciclista do Sporting.

E o seu percurso foi condimentado, além das quedas, com muitas zangas, polémicas e birras relacionadas com o doping.

De 1969 a 1973 Joaquim Agostinho venceu cinco edições da Volta a Portugal, mas acabaria por perder na secretaria a primeira e a última. Logo em 1969, Agostinho venceria a prova-rainha do calendário velocipédico nacional, mas antes tinha sido convidado pela equipa francesa Frimantic a disputar o Tour, o qual terminaria na 8.ª posição, algo considerado absolutamente fantástico. Obrigado a ganhar a Volta a Portugal – ninguém esperava outra coisa –, Agostinho cumpriu o aguardado com um contra-relógio final de enorme classe. O golpe de teatro aconteceu quando acusou anfetamina e metilanfetamina, substâncias corriqueiras no ciclismo internacional… “Só tomei as vitaminas do costume. Não tomei porcaria nenhuma, quando cheguei a Alvalade a única coisa que bebi foi um Sumol”, justificou o ciclista, que ainda viu a marca de refrigerantes fazer um comunicado a demarcar-se da situação.

Nas entrelinhas
Em 1972 e 1973, novos casos. Primeiro no Tour, com o seu diretor-desportivo, Jean Gribaldy a acusar “a máfia do Tour”. Depois na Volta a Portugal. Agostinho fez, novamente, um contra-relógio irrepreensível e que lhe valeu, pensavam todos, a vitória; contudo, as colheitas registariam mentilfenil, um composto do medicamento Ritaline, dilatador dos vasos sanguíneos, e que Agostinho reconheceu tomar mas com uma adenda: “Isso não é droga nenhuma.”

Aí cortou relações com Portugal e decidiu não voltar a correr em solo lusitano.

O doping e as quedas sempre perseguiram o ciclista nascido em Brejenjas, concelho de Torres Vedras, ainda que em 1982 tenha deixado uma espécie de admissão de culpa, embora sem o dizer taxativamente: “Alguém acredita que um ciclista, para fazer 200 ou 300 quilómetros, sob sol, chuva, subindo, descendo, fazendo médias impressionantes de 40 ou 50 quilómetros/hora, não necessita de algo que o ajude a suportar esse esforço? Responda quem quiser, ou então que se submetam a esforços semelhantes e depois digam se têm de tomar ou não estimulantes…” Para bom entendedor…

A nível internacional, Joaquim Agostinho seguiu sempre o diretor-desportivo que acreditou nas suas qualidades, Jean Gribaldy. As suas maiores proezas foram os dois pódios no Tour – 3.º em 1978 e 1979 –, tendo-se tornado um ícone da Volta à França quando venceu, numa demonstração de grande categoria, o Alpe d’Huez, performance que lhe valeu um busto na 14.ª curva dessa etapa.

No Tour, em 12 participações ficou em oito ocasiões nos dez primeiros, tendo vencido cinco etapas, duas delas no seu ano de estreia, em 1969.

Fraude à espanhola?
Seria em 1974 que esteve muito perto de ganhar uma grande prova internacional. Terminou a Volta a Espanha em 2.º lugar, a 11 segundos de José Manuel Fuente, depois de ter andado cinco dias vestido de amarelo. Mas há quem garanta que houve fraude na cronometragem para favorecer o homem da casa.

Entre todos estes episódios ainda teve uma zanga complicada com o seu clube de sempre, o Sporting. Em 1974 revoltou-se com a falta de condições que o clube lhe proporcionava, fez as pazes com o então presidente João Rocha, depois de este lhe garantir investimento para a equipa poder competir pela vitória em grandes corridas internacionais. O projeto não teve sucesso, o Sporting suspendeu a secção, mas reativou-a a tempo de o Quim Cambalhotas voltar a vestir a camisola leonina, já em 1984. Logo a seguir sucedeu a tragédia que ninguém esperava. Faz esta sexta-feira, 10 de Maio, 40 anos.

A memória de Joaquim Agostinho continua bem presente através do Museu com o seu nome, sito em Torres Vedras.