José Manuel Fernandes é licenciado em engenharia de sistemas informáticos e foi presidente da Câmara de Vila Verde e deputado à Assembleia da República pelo PSD. É desde 2009 eurodeputado e considerado um dos mais influentes do Parlamento Europeu.

No recém reunido Conselho Europeu foi anunciada a abertura de negociações para a adesão da Ucrânia e da Moldávia à UE. Esta aposta no alargamento é melhor do que apostar na integração quando há tantos problemas?
Esta poderá ser uma forma de resolver problemas latentes. A União Europeia é paz e valores – democracia, liberdade, Estado de direito, defesa da vida e da dignidade humana. É em cima destes valores, no chão comum, que se deve construir o desenvolvimento e promover acordos. Não apenas comerciais, guiando a economia. Defendo uma UE geopolítica, com autonomia estratégica, capaz de influenciar à escala global estes valores e de os exportar. Quando se fala da Ucrânia, fala-se da nossa própria segurança e valores. Uma das razões pelas quais Putin invadiu a Ucrânia tem que ver com o facto de considerar que há que combater a decadência do Ocidente. Se olhar para a Rússia, que financia o terrorismo, para o Irão, uma teocracia que financia o terrorismo, para a China, uma ditadura que está à espera do melhor momento para invadir Taiwan, vê-se aqui uma junção, uma coligação nem sempre clara de ditaduras contra democracias. É importante as democracias unirem-se e dar sinais àqueles que defendem e querem os nossos valores. E a Rússia tem uma ideia expansionista que vai muito para lá da Ucrânia e da Moldávia – que tem um espaço interno que é Transnístria, com russos, que servirá para, a dado momento, Putin avançar. Eu não posso aceitar que, por razões economicistas e egoístas, se tivesse procurado evitar a adesão da Ucrânia . E não é só Orbán.

Mas essa é a questão, se com 27 Estados temos estes problemas para nos entendermos, as instituições estão preparadas para ser a base dessa Europa como potência geopolítica e com capacidade de intervenção?
O presidente francês veio dizer que era importante uma comunidade política europeia para evitar que a Ucrânia entrasse – porque tem medo da Ucrânia na questão agrícola. E António Costa veio dizer que primeiro devíamos mudar a arquitetura para podermos acolher e depois se avançava para a adesão. Não, primeiro, diz-se “venha” e depois é que se altera a arquitetura institucional, se revê o financiamento, etc. É um desafio, mas a Europa começou por seis países e em 1986, se os outros seguissem a lógica egoísta, nós também não tínhamos entrado. Qual é o medo do primeiro-ministro demissionário, António Costa? São os fundos da coesão, ver que vamos perder dinheiro, mas nessa lógica nós nunca tínhamos entrado nem tinha havido o alargamento a Leste em 2004 – e repare que muitos desses Estados-membros não só nos passaram à frente como serão em breve contribuintes líquidos da UE. A Ucrânia dá-nos também maior dimensão em termos geopolíticos, ajuda a nossa soberania alimentar, tem recursos naturais. A lógica não pode ser contabilística, do que vou perder, mas é, infelizmente, a que tem imperado. Valeu aqui a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, que encostou à parede os líderes. A opinião pública vai sendo favorável à Ucrânia e os governantes a quem eu gostava de chamar líderes foram obrigados a aceitar a decisão. E não valeu de nada a posição titubeante de Costa e a tentativa de Macron de avançar para uma comunidade política europeia para que a Ucrânia não viesse a aderir. No final todos ganhamos.

Entre esses desafios de que fala, o que será mais importante? A segurança, o orçamento europeu, a transição energética ou até as migrações…
Nós nunca podemos dar a paz como absolutamente garantida. A UE teve esse como primeiro objetivo e é vítima desse sucesso. Nunca mais houve guerra entre os 28, agora 27, mas há que trabalhar sempre e também não podemos dar a democracia e o Estado de direito e a liberdade como adquiridos. E por isso, havendo alguns desvios, avançámos para o mecanismo do Estado de direito que congela fundos para aqueles que o começam a violar. Até Espanha corre riscos quando faz uma amnistia a troco de votos para poder manter o poder.

Espanha está a correr esse risco?
Está. Vamos lá ver se há coragem política para avançar…

E acredita que haverá?
Havendo violação do Estado de direito, não é por ser Espanha, Alemanha ou França, que não se deve atuar. Não há bons ditadores nem de esquerda nem de direita direita, nem há bons radicais. Nem há bons violadores do Estado de direito, seja de esquerda ou de direita, devem ser responsabilizados e as regras devem ser para todos.

Mas voltando aos desafios.
Nós temos desafios brutais à escala global, incluindo o climático – estejamos onde estivermos, portanto, exige-se a responsabilização coletiva. A UE, ainda que tenha menos de 8% das emissões, está a fazer a sua parte. Tem a lei do clima e deve fazer isto sem radicalismo verde. Nós, neste momento temos radicalismo de esquerda, de direita e verde e para atingirmos os objetivos temos de o fazer com as pessoas, falando verdade, planeando. Firmeza, ambição e gradualismo devem estar juntos ou a extrema-direita e os negacionistas passam a governar e impedir que os objetivos sejam atingidos. Mas há mais desafios. Um que começa a ser global é o das migrações. A população mundial é hoje de 8 mil milhões de pessoas e serão 9 mil milhões em 2050, mais de metade da viver nas cidades, é brutal. A escassez de recursos naturais é outro desafio. Mas o maior, e de que não se fala, é a natalidade. Nós vivemos mais tempo, é bom, mas nascem cada vez menos crianças. E somos dos sítios onde há mais direitos sociais. Repare, não chegamos a 6% da população mundial, mas aqui estão mais de 40% da despesa social do planeta. É brutal para o nosso Estado social. E como estamos mais velhos, também precisamos de mão-de-obra, precisamos de migrações.

Mas não a ilegal…
E isso levanta outra questão, a solidariedade europeia. É preciso ação conjunta e que não pode ser feita com base em radicalismo: para uns, não entra ninguém, para outros, vamos pôr barcos e aviões para que entrem todos. Claro que isso é um desastre e não funciona. Tem de se regular, mas tem de haver uma solução europeia. Continuamos a ser – pelos nossos valores e pelos direitos sociais – o espaço do mundo onde melhor se vive e devemos valorizar isso. E ser solidário implica receber os outros… e toda a gente quer entrar na UE. Mas temos outros desafios, como a união da energia, abastecimento e segurança energética – e não podemos ser egoístas. É inaceitável que aqueles que falam na Europa geopolítica e na autonomia estratégica, como o senhor Macron, depois não queiram deixar passar a nossa energia nos Pirenéus – e para nós, país periférico, essas interconexões são essenciais, como também em termos ferroviários, com a bitola europeia, que evitará que andemos a fazer transbordo em Espanha, perdendo competitividade. Só vencemos estes desafios se atuarmos em conjunto, de forma solidária, concertada, planeando.

Não é tema de dinheiro…
Se há coisa que não falta, é dinheiro. Os Estados não estão é a ser capazes de absorver os recursos, a chuva de milhões disponível. E não há os projetos que deviam existir, recursos para projetos comuns. Por exemplo, temos o maior programa de investigação e foi essencial para a produção da vacina; devemos reforçar a união da saúde, a proteção civil. É mais barato e eficaz ter 27 aviões de combate aos incêndios localizados no ponto ótimo do que um em cada uma das capitais. Em Defesa, com menos, pode fazer mais. Se somarmos os orçamentos para Defesa dos 27, o valor é mais do triplo do orçamento militar da Rússia. Mas queremos ter cada um a sua metralhadora, o seu jato, o seu tanque… Temos de apostar é na competitividade, na coesão, na sustentabilidade, na investigação e na inovação, no empreendedorismo. E em sermos um espaço que não sobrecarrega os cidadãos com impostos.

Toda essa ação implica um alinhamento que nem sempre existe. É possível conseguir consensos num momento de posições tão extremadas, como aquele que vivemos?
Muitas decisões implicam unanimidade – o quadro financeiro plurianual que traz os fundos e define orçamentos por um período no mínimo de 5 anos ou as receitas do orçamento, que exigem unanimidade e depois a ratificação de todos os Estados-membros. E tem-se conseguido. Mas também se tem usado a unanimidade para bloquear e fazer chantagem, como faz Viktor Orbán. Há questões onde não é necessária a unanimidade, mas grande consenso. Quando houve as crises soberanas, no início aquilo era a Grécia, depois era só Portugal, depois alargou-se e então criou-se o Fundo Europeu de Estabilização.

O que não evitou essa falta de solidariedade inicial.
Sim, mas com os migrantes foi o mesmo: era Lampedusa, depois cresceu e só a Alemanha recebeu 1 milhão de refugiados e afinal é um problema europeu. Com a pandemia houve os PRR porque atingiu todos. O que é importante que se perceba é que quando um Estado-membro sofre, os outros têm de estar solidários e também são atingidos. Infelizmente, a lógica dos egoísmos nacionais ainda existe e só se decide à última. A UE é reativa, não proativa, quando devia trabalhar para evitar os problemas. Mas quando não se sente que podem vir problemas, não há ganho político… Por isso é preciso líderes.

Essa vontade de antecipar problemas está por trás do ímpeto para ir à Argentina, para acelerar o acordo do Mercosul – para onde vai, aliás, logo após esta entrevista?
Eu sou um defensor do Acordo Mercosul, que mais uma vez é mais que comercial e daria aqui uma força geopolítica enorme: União Europeia e Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai são mais de 750 milhões de pessoas. São cerca de 10% da população mundial, para percebermos do que estamos a falar, e um quarto do PIB mundial. Este relacionamento reforçaria esses valores e daria força geopolítica – e ganhos económicos. É um desafio é, mas tem de ser feito em win-win: estes países têm matéria-prima, nós temos tecnologia. Não vamos lá buscar e pronto, nós damos tecnologia, faz-se ali uma fábrica e ganhamos todos. Isto teria um impacto ainda maior, não é só no resto da América Latina, mas como exemplo para em África. O Brasil, a América Latina, têm muita força em África. A UE tem esquecido a América Latina e tem esquecido África. E não há espaços vazios: quando nós não ocupamos o espaço, outros, que são ditaduras, ocupam-no. Por isso defendo este acordo alicerçado numa palavra: cooperação. Eu sou presidente da delegação União Europeia-Brasil e os meus colegas surpreendem-se ainda quando lhes digo que o Brasil é o quinto maior país do mundo, a 12ª economia mundial, tem o dobro da área da UE. Nós temos obrigação de ajudar a que haja reforço dos direitos sociais. E sem medo. Macron não quer o acordo porque tem medo, pela questão agrícola, mas no acordo não há problemas dessa natureza, é um protecionismo escondido e que usa desculpas – dantes era Bolsonaro, depois a necessidade de melhorar as cláusulas ambientais e que a Amazónia era uma desgraça… A verdade é que com o acordo haverá mais monitorização, mais atenção aos direitos humanos, nomeadamente dos povos indígenas, e todos ganhamos.

E será fácil que isso aconteça depois das Europeias do próximo ano? Se for arrastado até lá, antevê mais instabilidade e menos capacidade de chegar a consensos alargados na UE?
O mundo precisa de moderados e a UE também. E corremos o risco de, no próximo Parlamento, ter extrema-esquerda e extrema-direita reforçadas. Se retirarmos as questões do racismo, xenofobia e outras fraturantes, extrema-esquerda e extrema-direita voltam da mesma forma. Ambas votam contra o orçamento da UE, votarão contra fundos e questões económicas. Há ali até um nacionalismo em comum: são arrogantes no sentido de achar que eles é que falam em nome do povo. Este risco de termos um aumento dos extremos prejudicará os consensos. E há outro risco: erradamente, também na minha família política, alguns pensam que, para evitar o crescimento da extrema-direita, devemos procurar ocupar o espaço deles, integrar algumas propostas. Ora a fotocópia nunca é melhor do que o original. E isso também se passa à esquerda. Além da tentação do novo radicalismo verde: os Socialistas e os Liberais tentam ser mais verdes que os Verdes – e nunca o conseguirão. Por isso é necessário este gradualismo e bom senso. E depois há também, muitas vezes, uma ideia de supremacia na esquerda: se a esquerda se coligar com a extrema-esquerda – que considera que a Coreia do Norte não é uma ditadura, que é contra a NATO e não consegue dizer a frase “A Rússia invadiu a Ucrânia”, e que até defende que se saia do euro –, não tem problema. Mas se a direita o fizer com a extrema-direita, é uma coisa gravíssima.

Mas devia haver essa coligação?
Coligações, nem com a extrema-esquerda, nem com a extrema-direita, não há bons radicais.

Vamos olhar para Portugal e a crise política. Surpreendeu-o a derrocada de um governo de maioria absoluta?
A surpresa é que com a maioria absoluta, um Presidente da República (PR) cooperante e dinheiro como nunca tivemos – de 2021 a 2027 recebemos cerca de metade do total que entrou entre 1986 e 2021, cerca de 60 mil milhões, portanto não há falta de dinheiro… aliás, tínhamos até 31 de agosto para pedir mais 8.300 milhões dos empréstimos do PRR e Portugal não quis… e depois lembrou-se que precisava para habitação, ou seja, não há planeamento… Mas regressando, tivemos mais de uma dezena de demissões relevantes do governo, demasiados casos e no fim uma demissão que não é por causa do parágrafo que acontece. Face à gravidade do que se viu, ela teria necessariamente de existir. É mau. Primeiro porque as maiorias absolutas, se forem bem utilizadas, dão para modernizar o país, que é uma coisa que o PS não fez nestes oito anos, desperdiçando toda a oportunidade. É um custo que pagaremos. E em termos europeus é péssimo. Os meus colegas perguntam, mas o que é que se passa? Como é possível terem um ex-primeiro-ministro detido e à espera de um processo, agora este com um chefe de gabinete com 75 mil euros em notas no gabinete… Isto cria uma péssima imagem. Eu acho que é preciso não só virar a página mas mudar de livro.

Como?
Temos de ter um governo que não tem medo da palavra competitividade, que goste da iniciativa privada, que queira produzir riqueza, implemente o empreendedorismo, não sobrecarregue os portugueses com impostos. Um governo que passa a vida a iludir, a construir narrativas, a adiar e não planeia nada, vai usando a tempestade de milhões que tem para tapar buracos para esconder a sua incompetência e substituir o Orçamento do Estado (OE). Isto é altamente preocupante e nem sei se há noção: nós somos na UE o país que mais depende do orçamento europeu para o investimento público; cerca de 90% do investimento público em Portugal tem origem no orçamento da União Europeia. Depois ninguém se pode admirar se o nosso OE não faz aquilo que lhe compete e até utiliza fundos para substituir o que deveria fazer, ou que países de Leste nos estejam a passar à frente. Nós estamos, em termos de riqueza produzida por pessoa, a cair desde 2015, os portugueses estão a empobrecer. Como é que eu posso aceitar que 460 mil trabalhadores estejam numa situação de pobreza? O rendimento médio em Portugal foi o único que desceu em 2022 – e isso obrigava a que houvesse menor número de pobres. Mas a pobreza subiu. A pandemia veio para todos, as crises vieram para todos, mas alguns até entraram depois na UE e passaram-nos, porque estamos a perder oportunidades. A maioria absoluta, um PR cooperante e os recursos todos que existem seriam uma oportunidade fortíssima para nos modernizarmos e criarmos riqueza… Porque temos um país verdadeiramente espetacular. Temos um clima brutal, um povo trabalhador, uma gastronomia excecional, grandes universidades, segurança, temos tudo. Mas o dinheiro não resolve a burocracia nem a lentidão da justiça administrativa e a falta de planeamento. Em vez de fazermos a pergunta, o que é que há aí a fundo perdido, temos de saber que país queremos em 2030, em termos de educação, competitividade, exportações, redução da pobreza, investigação. E depois olhamos para os fundos e então avançamos, com o OE e com os privados, com os programas da UE que têm sido esquecidos, para construir o desenvolvimento com objetivos nacionais e regionais. A maioria foi uma oportunidade lamentavelmente perdida.

Ainda assim, temos visto o PS a perder um bocadinho, mas o PSD não tem conseguido afirmar-se como uma óbvia alternativa.
O PSD afirmou-se, desde logo com base em propostas.

Mas não está a conseguir descolar nas sondagens.
Pode não estar a conseguir ainda passar essas propostas – na área da habitação, na área fiscal, na área dos professores e educação, do serviço nacional de saúde… porque este governo conseguiu uma coisa verdadeiramente desastrosa: com uma chuva de milhões e carga fiscal no máximo e dizendo que quer proteger os mais pobres, não só aumentou o número de pobres como deixou o SNS no caos e um sistema de educação, da escola pública, a cair. E isto avaria o elevador social. Mas o PSD apresentou propostas para isto tudo – e nem havia eleições antecipadas. Desde que Luís Montenegro chegou ao PSD tem havido um PS a diminuir e um PSD que sobe.

Mas isso é mais demérito do PS e dos casos do que mérito do PSD.
O PSD crescer é mérito do PSD. É evidente que há demérito do PS, mas nas eleições de 10 de março vamos ter Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos. Pedro Nuno Santos que não serviu para ministro, que se veio embora porque não servia, agora quer ser PM. Alguém que despacha por whatsapp uma indemnização, que é desautorizado pelo PM e que, no fundo, é também ele um radical que se calhar estava melhor no Bloco de Esquerda do que no PS. Os portugueses vão ter de optar entre ele e Luís Montenegro, que está a construir uma equipa alargada com nomes da sociedade civil e que sem saber que havia eleições já tinha propostas concretas para o país – que o PS veio copiar, ainda que mal. Eu dizia que é preciso não só virar a página como mudar de livro, e não é com os mesmos e com aqueles que já estiveram no governo e não serviram que vamos alterar a situação. Se com Costa correu mal, com alguém que foi despromovido, será pior.

E António Costa vai sentar-se provavelmente consigo no próximo Parlamento Europeu.
Não ficaria surpreendido. Estou convencido que se o processo judicial viesse a ser arquivado a uma velocidade recorde, antes da decisão de quem será candidato do PS ao Parlamento Europeu, não ficaria surpreendido que o PS se procurasse vitimizar para as eleições e em simultâneo apresentar António Costa para cabeça de lista ao Parlamento Europeu. E para mim era mais do que evidente que António Costa este ano teria como objetivo ir para a Europa, nomeadamente para o Conselho Europeu. Portanto, se não houvesse esta crise, estou com convencido de que existiria outra. António Costa não tinha alternativa, mas também aproveita esta situação para ficar livre para ir para a UE. Para o Parlamento Europeu, mas o objetivo que está na cabeça dele é o Conselho Europeu. Mas não o conseguirá sem clarificar a situação dele.

No Parlamento nacional as projeções indicam uma provável maioria de direita, aliás seguindo aquilo que tem acontecido um pouco na Europa. Mas essa maioria de direita vai incluir o Chega. O líder do PSD disse já que com o Chega não conversa , mas devia considerá-lo numa solução governativa, nem que fosse de incidência parlamentar? Se é preciso mudar alguma coisa…
O PSD não deve fazer nenhum tipo de acordo com o Chega. Nenhum. E devemos ser coerentes. Sabemos que o PS que tanto critica o PSD e procura usar esse fantasma, ele sim, coliga-se e está sempre disponível para se coligar com a extrema-esquerda e eu até nem sei se, sendo necessário e estando o Chega disponível para isso, não se coligasse com o próprio Chega, porque o objetivo do PS é sobretudo o poder, a manutenção no poder. O PSD, vencendo as eleições, como acredito e será útil para Portugal, deverá assumir as suas responsabilidades e ser cooperante. António Costa inverteu em 2015 aquilo que era um princípio que eu considero positivo, que é o de quem ganha procurar formar governo. Ele inverteu esse esse município. Eu acho que devíamos voltar à normalidade. Quem ganha deve governar.

E acha que fazia sentido nesse quadro, para garantir a governabilidade, haver um bloco central?
Em termos de governo não, não sou a favor disso. É importante que os dois partidos pró-europeístas com valores comuns se afirmem e se mantenham como alternativa. Considero é que quem ganha deve governar e quem perde deve contribuir, como o PSD já fez no passado. O PSD viabilizou governos do PS, aprovou orçamentos. Quem veio alterar a realidade foi António Costa, com a geringonça. E os resultados veem-se hoje: não é de repente que o sistema nacional de saúde fica pior, que o sistema nacional de educação fica pior, é o resultado de uma visão onde se procura nivelar por baixo, onde não se gosta da iniciativa privada e onde não se percebe que só se contribui para o aumento da pobreza. O PS tem de assumir as suas responsabilidades. Vai perder, deve ser cooperante.

PSD sozinho ou uma AD com o CDS e eventualmente com a Iniciativa Liberal.
Com a Iniciativa Liberal, está claro que já está excluído por vontade da própria Iniciativa Liberal – e considero que a IL vai pagar um preço e é por isso, à semelhança do que aconteceu, por exemplo, na Câmara Municipal de Lisboa. Com CDS, se existir essa coligação, ela terá de ser boa para ambas as partes; e é natural que exista, o PSD e o CDS estão coligados em muitas câmaras municipais, já estiveram num governo de salvação nacional e estão no mesmo grupo político no Parlamento Europeu. Portanto, essa coligação é natural. Se não surgir também não haverá drama nenhum, estou certo, para nenhum dos partidos.

Tem sido muito crítico da forma como foi delineado e como tem sido concretizado o PRR – já falámos disso. O que é que se pode fazer para alterar aquilo que foi feito? Um novo governo tem possibilidades de fazer alguma coisa diferente ou estamos condenados a aplicar o que está feito?
Os prazos apertam neste momento, com o PRR a ter 2026 como data de fim. Eu sou daqueles que defendem que essa data seja prorrogada. E ao contrário do que diz a Comissão Europeia, não é preciso unanimidade para isso, basta vontade política dos Estados-membros – e até fazia sentido que o PRR e o Portugal 2030 tivessem a mesma duração para termos sinergias. Para termos complementaridades, porque o Portugal 2030 vai até 2029 – no final, tem aquilo que se chama a regra n+2 -, portanto, se fossem em simultâneo, isso daria tempo para se procurar alguns ajustamentos. Porque o objetivo dos fundos deve ser a qualidade, não basta gastar. É preciso investir, é preciso gastar bem, porque muitas vezes focamo-nos na execução a 100% e não olhamos os resultados. Não termos projetos de qualidade, nós não planeamos. Porque é que não quisemos uma parte daqueles 8300 milhões de euros que dispensámos para um investimento que é reprodutivo? Em Portugal, nós ainda temos muitos problemas de saneamento básico, vamos ter problemas no abastecimento público de água, precisamos de investir na eficiência dos sistemas e na interligação de sistemas. Portugal não tem falta de água, nós não sabemos é armazenar a água e deixamos que ela vá toda para o mar. Portanto, há aqui muito investimento. Só nestes 2 exemplos, água e agricultura e saneamento básico – e também na habitação – precisávamos de projetos prontos. Depois ainda há outra coisa que era essencial, a mobilidade. Nós temos muitas autoestradas, mas em algumas áreas populacionais, nas cidades, a mobilidade é péssima. Se não for de carro, não consegue. Portanto, há investimentos que eram essenciais. Mas há uma pergunta que é básica: o que é que queremos? Nós estamos na União Europeia desde 1986, já devíamos ser não só utilizadores dos fundos, mas programadores. Nós limitamo-nos a dizer “o que é que há aí, então isto dá-me jeito”, mas eu também quero o bom. Nós temos uma espécie de rendimento mínimo garantido plus, dos 23.500 milhões de euros do Portugal 2030, mais os 22.000 milhões do PRR, mas há muitos fundos garantidos e devíamos olhar para eles. O Investe EU, por exemplo, onde os privados poderiam também entrar, mas temos de saber programar.

Para terminar. Está no Parlamento Europeu desde 2009. Ainda pensa em mais um mandato ou esse ciclo está encerrado?
Estou disponível para mais um mandato. Sou coordenador do Partido Popular Europeu na Comissão dos Orçamentos, tenho trabalhado os fundos, o quadro financeiro plurianual, fui o negociador do Plano Juncker e do Invest EU, sou negociador permanente de receitas do orçamento. Trabalhei também no mecanismo de Recuperação e Resiliência que deu origem aos PRR. Tenho consciência do trabalho positivo que tenho feito para a União Europeia e para Portugal, e também para o meu território, que é o Minho, que eu nunca esqueço. Costumo dizer que sou minhoto, português e europeu, e nada disto é incompatível. Tenho funções de enorme responsabilidade, mas que eu considero que tem sido muito úteis à UE e a Portugal e estou disponível. Mas quem decide, quem agarra ou não esta disponibilidade, é a liderança do partido.

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 16 de dezembro