Os herdeiros de José Manuel Espírito Santo, ex-administrador do BES que morreu em fevereiro de 2023, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) para conseguir o levantamento dos bens arrestados no processo do Universo Espírito Santo.

Em causa está um despacho de novembro de 2023 do tribunal a indeferir um pedido de levantamento do arresto preventivo apresentado pelos herdeiros do antigo administrador do BES, que recusou o acesso aos bens, entre os quais dois imóveis, em Cascais e Évora, bens móveis, três carros e a pensão de reforma.

O recurso distribuído na segunda-feira no TRL, a que a Lusa teve acesso, contesta a aplicação de forma retroativa de uma lei aprovada em 2017 – sobre uma exceção à extinção do processo em caso de morte do visado, quando está em causa a eventual perda a favor do Estado –, tendo em conta que o processo foi instaurado em 2014 e os factos do processo aconteceram entre 2008 e 2014.

Para a defesa, a cargo dos advogados Rui Patrício e Catarina Martins Morão, os bens arrestados também não são suscetíveis de se enquadrar como vantagens dos alegados crimes por terem sido obtidos anteriormente, acrescentando que o arresto preventivo foi efetuado enquanto garantia patrimonial dos lesados e não para efeitos de perda a favor do Estado.

“Se o arresto preventivo decretado nos autos nunca teve o mínimo fundamento (…), agora não poderá mesmo manter-se. Pelo que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e, consequentemente, o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que, como é de lei – por força da extinção da responsabilidade criminal por morte do arguido (…) – determine o imediato levantamento do arresto preventivo decretado”, lê-se.

As normas sobre a extinção da responsabilidade criminal e a perda de instrumentos, produtos e vantagens a favor do Estado estão, segundo a defesa, “sujeitas ao princípio da legalidade”, pelo que não se pode aplicar retroativamente uma nova lei mais desfavorável para o visado.

Os advogados indicaram também que a nova redação da lei que permite a exceção, em caso de morte do visado, para a continuidade do processo em termos de confisco é inconstitucional, por violar os princípios de legalidade, de proibição de aplicação retroativa de lei desfavorável e das garantias de defesa.

Já o Ministério Público e o BES em liquidação defenderam que o recurso seja considerado improcedente pelo TRL, refutando os argumentos da defesa. A instituição bancária, que é assistente no processo, sublinhou até que o recurso aponta um “perigoso precedente para o futuro” por colocar em causa os interesses do Estado e dos lesados.

“Hoje são os herdeiros e sucessores do arguido José Manuel Espírito Santo a requerer o levantamento dos bens relativos ao mesmo. Amanhã, poderão ser outros sucessores de outros arguidos a fazê-lo, com consequências que, não se tenha dúvidas, se revelarão irreparáveis para os interesses do Estado, das vítimas e de todos os lesados”, referiu.

Contactada pela Lusa, a defesa do falecido José Manuel Espírito Santo e seus herdeiros não quis prestar declarações sobre esta matéria.

José Manuel Espírito Santo estava acusado de corrupção no setor privado, burla qualificada, abuso de confiança, falsificação de documento, falsidade informática e infidelidade.

Considerado um dos maiores processos da história da justiça portuguesa, este caso agrega no processo principal 242 inquéritos, que foram sendo apensados, e queixas de mais de 300 pessoas, singulares e coletivas, residentes em Portugal e no estrangeiro.

Segundo o Ministério Público, cuja acusação contabilizou cerca de quatro mil páginas, a derrocada do Grupo Espírito Santo terá causado prejuízos superiores a 11,8 mil milhões de euros.