Após tantos meses de espera por cortes nos juros, o governador do Banco de Portugal (BdP) defende que a primeira mexida pode até superar os 25 pontos base (p.b.) e, olhando para o resto do ano, deixa em cima da mesa a possibilidade de cortes acumulados de mais de um ponto percentual.

Em entrevista ao portal financeiro Econostream, Mário Centeno reconheceu haver lógica a suportar cortes de 50 p.b. já a arrancar o ciclo de normalização da política monetária europeia, isto depois da comunicação dos últimos meses. O governador do BdP sublinhou a importância das previsões macroeconómicas do Banco Central Europeu (BCE) na escolha que o Conselho terá de tomar, mas contrariou a ideia de que uma decisão quanto aos juros só deva ser tomada numa reunião de atualização de projeções.

“Isso já não seria depender dos dados e, portanto, seria uma violação da nossa estratégia nestes últimos meses”, afirmou Centeno.

Por outro lado, e face às expectativas do mercado que sugerem a possibilidade de mais de 100 p.b. de cortes acumulados este ano, o antigo ministro das Finanças não excluiu essa possibilidade. Tais mexidas seriam “compatíveis” com o objetivo de 2% para a inflação de médio prazo, defendeu, sobretudo dada a evolução mais favorável da inflação do que se esperava há uns meses.

“Depende da confirmação desta realidade [na inflação], porque vamos chegar a 2% mais rápido do que pensávamos em março”, explicou o governador. “Não podemos baixar as taxas só quando chegarmos a 2%”, acrescentou.

Os modelos utilizados pelo BCE têm incorporado estas expectativas do mercado, embora haja algumas preocupações com o mercado laboral. O emprego tem sido o ponto positivo do atual ciclo económico, levando Centeno a afastar qualquer cenário de estagflação, mas esta dinâmica positiva é importante ser preservada.

“Se esperarmos demais, a deterioração da situação no mercado laboral pode obrigar-nos a talvez termos de discutir cortes mais agressivos”, projetou.

Centeno tem sido consistentemente dos membros mais dovish do Conselho do BCE, alertando repetidas vezes para os riscos de manter a política monetária demasiado apertada por demasiado tempo. O governador do BdP tem também expressado a sua preocupação com os trimestres consecutivos de crescimento negativo ou nulo do bloco euro.

Na mesma linha, o antigo ministro das Finanças lembrou que o indicador de preços está já em torno de 2% e, sendo uma medida baseada no passado, “está sujeita a efeitos base”.

“Como tal, inflação a oscilar entre 1,8% e 2,4% é o que queremos daqui para a frente, porque é improvável o indicador fixar-se num número específico durante 12 meses. Isto nunca aconteceu, a inflação oscila sempre”, resumiu.