Foi num ambiente intimista que Bárbara Tinoco e Carolina Deslandes apresentaram à comunicação social o disco “A Madrugada que eu esperava”, dedicada à revolução de Abril e que contempla 17 canções de originais, algumas delas podem ser ouvidas na peça com o mesmo nome e que é protagonizado pelas duas cantoras no Teatro Maria Matos, em Lisboa, o mesmo palco onde deram a conhecer este disco que será conhecido por tudo e todos a 25 de Abril, dia em que se festejam 50 anos da denominada Revolução dos Cravos.

Esta obra inclui algumas vozes da atualidade, como Luísa Sobral, Rita Rocha, Filipe Melo ou Buba Espinho mas também vozes do antigamente, casos de Sérgio Godinho, Jorge Palma ou Paulo de Carvalho, intérprete da canção “E Depois do Adeus” e que desencadeou a revolução na noite de 25 de Abril de 1974.

Inclusivamente, durante a apresentação Paulo de Carvalho discordou quando lhe disseram que foi “a sua música” que deu o sinal de alerta para o sinal de saída dos quartéis. O cantor discordou e deu o mérito a José Niza, autor da letra, e José Calvário, autor da música e rematou: “Não fui eu que a fiz. Mais importante às vezes é quem fez a música ou a letra do que quem a canta. Eu tive a minha parte.”

Bárbara Tinoco e Carolina Deslandes ressalvaram os tempos “em que não eram permitidos sonhos” e Carolina, autora de uma música chamada Abril revelou que começou a dar forma à música “quando estava na lavandaria a tratar da roupa”.  Uma música que fala dos tempos em que as mulheres estavam amarradas ao poder dos maridos que tinha a código penal como cúmplice e que lhes permitia matar a cônjuge se a apanhassem em flagrante delito, leia-se adultério.

“Isto é um grupo de gente que tem vontade de reaprender aquilo que, provavelmente, se esqueceu nestes 50 anos. Adormecemos durante 50 anos. É a minha ideia, porque a tal democracia em que vivemos, a tal liberdade que dizem que temos, tudo isso está a ser posto em causa e é preciso reaprender tudo isso. Os mais novos seguem muito mais os exemplos dos mais velhos do que aquilo que os mais velhos dizem e às vezes não fazem”, sintetizou Paulo de Carvalho ao NOVO depois de desfilarem as 17 músicas.

O músico, no entanto, dá crédito a esta nova geração. “Tenho uma enorme esperança no pessoal mais novo e acho que o meu tempo de certo modo já passou, só sirvo, se servir, de exemplo para uma ou outra coisa, o resto da vida é deles. Há uma série de gente mais nova que está a acordar para uma série de questões que quase não são do tempo deles”, concluiu.

Mais serenas, depois da apresentação pública Carolina Deslandes e Bárbara Tinoco falaram com o NOVO. E não desvalorizaram o impacto que têm nos mais jovens para um período que está muito lá para trás.

“Um dos objetivos do espetáculo era lembrar, acho que para os mais velhos é nostalgia e para os mais novos é ensinar sem ser de uma forma chata. Tenho a certeza que há meninos que vieram ver o nosso espectáculo e que, de repente, vão ter interesse em política e em coisas que nunca teriam interesse porque estão a ver duas pessoas de que eles gostam a dizer que têm interesse nisso e a fazer um espetáculo sobre isso”, sublinhou Bárbara Tinoco.

Para quem ouviu identifica uma sonoridade semelhante ao antigamente, mas Carolina Deslandes confessa que não houve, propriamente, essa preocupação: “Tivemos o cuidado de não modernizar demais a produção, ou seja, manter acústica, queríamos que se dissessem que este disco era de 74 que as pessoas não fizessem impossível, ou seja, que fosse uma sonoridade parecida, mas também não quisemos ir buscar nada daquilo que já existe. Primeiro, porque nós temos muito respeito a isso e acho que as coisas têm um lugar de existir, um lugar de nós as admirarmos sem irmos atrás delas, e depois todas estas canções simbolizaram um momento decisivo para o futuro do nosso país, para o nosso futuro. Nós não seríamos artistas se não tivesse havido 25 de Abril. É usar essa liberdade que começou nessas canções para de forma livre compor as nossas à nossa maneira. E eu acho que isso é que é a celebração da liberdade em pleno.

 

Reflexo dos tempos
Durante a apresentação, Carolina Deslandes disse que os artistas “são o reflexo dos tempos”. Por isso desafiámos a cantora a revelar se espera que este disco fique para a posteridade. “Fico especialmente orgulhosa que quando se falar deste momento que nós estamos a atravessar no mundo, no nosso país, tenha existido num momento um movimento contracorrente que foi este musical e este disco e que nós tenhamos usado as nossas ferramentas, e a nossa voz, para cantar Abril numa altura como esta e para eternizá-lo mais uma vez. E que Abril não seja só cantado e eternizado com as canções daquela altura, mas que seja uma coisa que acontece sempre”, salientou Carolina Deslandes.

Bárbara Tinoco nasceu em 1998, Carolina Deslandes sete anos antes. Ou seja, claramente deslocadas no tempo da revolução. No fundo, o que sabiam de Abril antes do musical e do disco?

Começa Bárbara Tinoco: “Há uma coisa engraçada, que não dissemos em muitas entrevistas, mas que eu acho que é giro de referir. Quando começámos a fazer este projeto havia muitas semelhanças entre coisas que aconteciam no guião e coisas que aconteciam na nossa família. Há um momento no espectáculo em que o Romeu e a Julieta são protagonizados ao contrário, como se fazia no tempo de Shakespeare, e o meu avô fez naquela altura uma peça de teatro em que ele era a Julieta e o avô da Carolina… “

Prossegue e finaliza Carolina Deslandes: “… o meu avô foi chamado, a minha avó estava em casa e ligaram lá para casa pedir para o meu avô se apresentar porque iam invadir a PIDE. Quando eu começo a falar sobre o espetáculo e sobre o guião a minha avó diz-me ‘eu recebi esse telefonema e o teu avô foi uma das pessoas que invadiu a PIDE’. Portanto, claro que nós já sabíamos o que tinha acontecido. Claro que já sabíamos o significado, mas quando tu de repente voltas a abrir diálogo percebes que ser minucioso e ir ao fundo das questões te faz saber coisas que não imaginavas e outras que até já estavam meio esquecidas. E é por isso que é tão importante falar, porque mesmo aquilo que nós já sabíamos, sabemos melhor, e aquilo que não sabíamos, passamos a saber.

Foto: Cristina Bernardo

Eis a lista das músicas de “A Madrugada que eu esperava”:

1. Sobreviver (Bárbara Tinoco, Carolina Deslandes, Luísa Sobral, Rita Rocha)
Compositores: Mateus Seabra, Feodor Bivol, Bárbara Tinoco
Músicos: Marco Pombinho – Piano, Sandra Martins – Violoncelo, Feodor Bivol – Guitarra, Baixo – Pity, Bateria – Casais

2. so·bre·vi·ver
Músicos: Marco Pombinho – Piano, Sandra Martins – Violoncelo

3. Coração Fora Do Corpo (Jorge Palma, Paulo de Carvalho)
Compositores: Mateus Seabra, Feodor Bivol, Carolina Deslandes
Músicos:
Marco Pombinho – Piano, Sandra Martins – Violoncelo, Feodor Bivol – Guitarra, Baixo – Pity

4. Prenúncio De Desgosto (Carolina Deslandes)
Compositores: Mateus Seabra, Feodor Bivol, Carolina Deslandes
Músicos: Marco Pombinho – Piano, Sandra Martins – Violoncelo, Feodor Bivol – Guitarra, Baixo – Pity, Bateria – Casais

5. Letra De Médico (Carolina Deslandes, Salvador Sobral)
Compositores: Pedro Mourato, Carolina Deslandes
Músicos: Marco Pombinho – Piano, Sandra Martins – Violoncelo, Pedro Mourato– Guitarra, Baixo – Pity, Bateria – Casais

6. ma·dru·ga·da
Músicos: Marco Pombinho – Piano, Sandra Martins – Violoncelo, Feodor Bivol – Guitarra, Baixo – Pity, Bateria – Casais

7. Dois Dedos De Testa (Carolina Deslandes)
Compositores: Feodor Bivol, Carolina Deslandes, Bárbara Tinoco
Músicos: Marco Pombinho – Piano, Sandra Martins – Violoncelo, Feodor Bivol – Guitarra, Baixo – Pity, Bateria – Casais

8. Soldado Ramiro (Buba Espinho, Tatanka, Tiago Nogueira)
Compositores: Pedro Mourato, Bárbara Tinoco
Músicos: Marco Pombinho – Piano, Sandra Martins – Clarinete, Feodor Bivol – Guitarra, Baixo – Pity, Bateria – Casais

9. FM
Músicos: Marco Pombinho – Piano, Sandra Martins – Violoncelo, Feodor Bivol – Guitarra, Baixo – Pity, Bateria – Casais

 10. Abril (Carolina Deslandes)
Compositores: Carolina Deslandes, Diogo Clemente
Produção: Diogo Clemente, Feodor Bivol, Pity
Músicos: Diogo Clemente – Guitarra, Baixo – Pity, Percussões – Diogo Clemente

11. A Madrugada Que Eu Esperava (Bárbara Tinoco)
Compositores: Feodor Bivol, Bárbara Tinoco
Músicos: Marco Pombinho – Piano, Sandra Martins – Violoncelo, Feodor Bivol – Guitarra, Baixo – Pity, Bateria – Casais

12. Águas Mil (Filipe Melo)
Músicos: Filipe Melo – Piano, Percussões – Ivo Costa

13. Au Revoir (Carolina Deslandes, Sérgio Godinho)
Compositores: Pedro Mourato, Carolina Deslandes
Músicos: Marco Pombinho – Piano, Sandra Martins – Violoncelo/ Clarinete, Pedro Mourato – Guitarra, Baixo – Pity, Bateria – Casais

14. Beijar Em Francês (Bárbara Tinoco)
Compositores: Feodor Bivol, Bárbara Tinoco
Músicos: Feodor Bivol – Piano

15. co·ra·ção
Músicos: Marco Pombinho – Piano, Sandra Martins – Violoncelo

16. Tragédia + Tempo (Diogo Branco)
Compositores: Pedro Mourato, Carolina Deslandes
Músicos: Marco Pombinho – Piano, Sandra Martins – Violoncelo, Pedro Mourato – Guitarra, Baixo – Pity, Bateria – Casais

17. O Fim (Carolina Deslandes, Diogo Branco)
Compositores: Diogo Branco, Carolina Deslandes
Músicos: Feodor Bivol – Guitarra