Licenciou-se em economia e começou carreira como consultor na Roland Berger. Teve cargos de gestão no Sapo, SportTV e Vodafone, aqui e lá fora, e assumiu funções de adjunto nos governos de José Sócrates e de Pedro Passos Coelho. Investidor e empresário, Pedro Ginjeira do Nascimento é, desde 2021, secretário-geral da Associação Business Roundtable Portugal (ABRP), que representa 42 dos maiores grupos empresariais portugueses “por um país mais justo, próspero e sustentável”.

A ABRP tem lançado uma série de iniciativas que têm um traço em comum, a vontade de pôr Portugal a crescer com ambição. Como é que se quebra este ciclo de décadas a crescer 1% ao ano?
A ABRP é um conjunto de pessoas muito inquietas com o estado de desenvolvimento do país e a atual falta de dinamismo. Nos últimos 23 anos, crescemos cerca de 1%, mesmo com a maior evolução nos mais recentes. E todos sentimos a necessidade de fazer mais, de acordar. Isto não depende só do Estado e daquilo que o Estado faça ou deixe de fazer, não depende dos políticos e da Assembleia da República. Nós dependemos em larga medida daquilo que nós próprios escolhemos fazer. São os privados que criam riqueza, são os privados que devem ter iniciativa. E é esse despertar da ambição, esse convite à ação que que queremos fazer e por isso lançámos algumas iniciativas para ajudar a acelerar a mudança, além daquilo que individualmente já fazemos com os grupos económicos, dando um contributo coletivo para acelerar pessoas e empresas.

A ABRP representa os maiores grupos, que são uma pequena parte do tecido empresarial português. As soluções que apresentam são passíveis de implementar numa micro empresa, num pequeno café de esquina ou numa startup?
São duas realidades: o café da esquina ou o pequeno negócio individual a que muitas vezes até se chama lifestyle business, não é propriamente um negócio em que o empreendedor tenha grande visão de crescimento, é apenas um autoemprego…

Mas pode ter essa visão e não saber como lá chegar.
Pode, sim, e o sistema fiscal e a regulação que existe, não ajudam, porque incentivam precisamente a que continue pequeno – tem impostos mais facilitados e a carga de regulação é muito menor no negócio unipessoal até do que numa sociedade limitada e sobretudo numa SA. Mas fazendo essa separação entre microempresas unipessoais sem vontade de crescer e aquelas que começam como microempresas mas têm a perspetiva de se transformarem em negócios maiores, que querem fazer essa escalada de valor, para essas, sim, temos procurado fazer caminho e apoiá-las a identificar obstáculos ao crescimento.

Que obstáculos são esses?
São sobretudo quatro. A profissionalização da gestão e de governance, a questão da globalização – não podemos tratar só o mercado português, o nosso mercado local tem de ser pelo menos a Europa –, o acesso a capital, que é fundamental porque sem dinheiro não há crescimento; e por fim a parte dos intangíveis, ou seja, a marca ou investigação, o desenvolvimento e a inovação. E a gestão é mesmo um pilar fundamental porque se o negócio ficar limitado pela capacidade do empreendedor de estar presente em tudo, vai chegar a um ponto em que deixa de crescer. Os especialistas com quem falávamos no início do trabalho da associação diziam isso mesmo: essa dependência leva a que muitas empresas não ultrapassem o vale da morte. Elas nascem micro, crescem de pequenas para médias e às vezes até chegam a ser grandes, mas depois o negócio torna-se de tal forma complexo que se for centrado numa pessoa só tem de parar de crescer.

Todos os anos nascem em Portugal muitas empresas, mas também morrem muitas…
Ser empreendedor é muito difícil – eu já tentei a minha sorte por três vezes – porque é preciso de facto arriscar muito e não há fórmulas certas, há muitas dificuldades, há surpresas a que o Excel não resiste, a realidade é dura, é surpreendente, por isso é normal morrerem empresas. Eu até diria que cá morrem poucas. Nós temos demasiadas empresas zombies, que não são rentáveis nem têm dinamismo para crescer mas ficam presas num ciclo vicioso. E há um peso muito significativo dos nossos ativos, quer seja capital quer seja de talento, preso nessas empresas zombies. São empresas que apenas tentam pagar custos marginais, do dia-a-dia, não estão verdadeiramente a tentar ganhar dinheiro, e acabam por deprimir todos os preços do mercado.

De que forma?
Nós temos uma certa tendência para não deixar que essas empresas vão à falência, porque queremos preservar o emprego – em termos de políticas públicas, tem sido assim ao longo dos últimos 50 anos – e vamos acudir para ver se a empresa se reestrutura. Ainda agora houve vários exemplos famosos…

A Efacec, por exemplo?
A EFACEC, a Dielmar, a TAP até. E quando fazemos isso, as empresas boas desse sector sofrem; por um lado porque essas empresas baixam os preços no sector, impactando todo o resto, por outro porque as boas empresas não conseguem recrutar estes quadros, não conseguem comprar estes equipamentos, etc. Em 2022 viu-se o impacto disso: toda a gente se queixava que não conseguia contratar pessoas no mercado e no entanto havia um conjunto de empresas em dificuldades, em falência técnica e sem conseguir recuperar, mas que também não faliam e não libertavam esse valor. E como há aversão ao risco, os empregados que estão nessas empresas não sentem vontade de sair. Nós somos maus a gerir as falências – ou as saídas, porque também podem ser aquisições de empresas zombies – e isso tem impacto em toda a economia.

Mas se as outras empresas pagarem mais, não conseguem ir buscar esses ativos?
Depende muito do nível de qualificação: as pessoas mais qualificadas, tipicamente têm mais mobilidade, mais disponibilidade para sair.

Mas as empresas estão disponíveis para pagar melhores salários?
Sim, e isso viu-se ainda há pouco tempo. O governo apressou-se, em 2022, a negociar um acordo de concertação, em que o Pacto Social previa um aumento de 5,4% da massa salarial. Nesse ano, a massa salarial cresceu 8,3% e no conjunto das empresas da ABRP subiu 18%, ou seja duas vezes mais do que na generalidade. Porque empresas mais produtivas têm mais capacidade de atrair e de pagar melhores salários porque produzem mais riqueza.

A chave é a produtividade, de que estamos sempre a falar.
Trazer ganhos de produtividade significa que, com o mesmo esforço de trabalho e de capital, se consegue produzir mais riqueza. Se conseguirmos produzir mais riqueza, podemos pagar melhor, investir melhor, etc.

O turismo tem sido capaz de fazer isso? Portugal tem vindo a afirmar-se, mas há aí de facto ganhos de produtividade, ou o turismo só está a ganhar mais porque tem mais ocupação, mas não está necessariamente a ser mais produtivo?
Se tem preços mais altos, está a conseguir mais valor acrescentado. Não temos trabalho específico sobre o sector, mas o que me parece que tem acontecido é de facto uma subida na cadeia de valor de Portugal. O turismo está mais qualificado, tem uma oferta bastante mais abrangente de produtos e serviços, já não vendemos só o alojamento e a restauração, sol e praia, é muito mais. Há segmentação, turismo gastronómico, turismo cultural, diversificação e sofisticação.

O turismo tem sido a galinha dos ovos de ouro. Em que outros sectores é que se devia apostar?
Nós acreditamos que não se escolhe sectores. E se falar com os grandes fundos de investimento, private equity, todos os investidores em geral costumam dizer que ideias existem muitas. E dinheiro também se arranja. O importante são as pessoas, as equipas de gestão. Porque é que nós tivemos um crescimento do turismo em Portugal? Primeiro, temos condições naturais que nos ajudam, mas sobretudo foi porque desde 2009-2010 se começou a liberalizar toda a regulação económica do sector. Começou com o Simplex, no governo de Sócrates, com os licenciamentos zero num conjunto de áreas relacionadas, e prosseguiu com Passos Coelho e isso permitiu um boom do turismo internacional, estando a economia portuguesa solta das amarras de toda a burocracia. Conseguiu-se responder à pressão, abriram novos hotéis, alojamentos locais, vieram todas as atividades de animação turística, desde os tuktuks às excursões organizadas, atividades marítimas, museus, eventos culturais, festivais. E temos hoje, por exemplo, uma zona de património protegido na costa algarvia submersa que não existia. Porque a procura cria esse tipo de necessidade de produtos mais qualificados. Mas o resto continua preso…

Era preciso fazer o mesmo que se fez com o turismo para libertar a economia, retirar burocracia?
Exatamente, O turismo é um exemplo, um caso de estudo, se quiser, daquilo que se consegue quando passamos de uma regulação em que quase é preciso uma autorização para poder pedir a autorização – que é o que temos na generalidade das atividades – à liberalização do sector. Se não tivéssemos tido capacidade de responder, o turismo não tinha tido este crescimento. Antes do Simplex, levava dez anos a ter luz verde para o licenciamento de um hotel: estaríamos hoje a autorizar um hotel pedido em 2014 e só agora em 2024 podíamos começar a construir. Mas libertou-se o sector e conseguiu-se este boom – e isto inclui a restauração, bares, toda toda a parte de animação turística, etc. E que mal veio ao país? Houve mais infrações? Não. Houve prejuízo para a segurança e para a saúde pública? Não. O que houve foram mais receitas turísticas, mais coleta de impostos, mais empregos qualificados. Então, se foi tudo bom, temos de apostar em fazer o mesmo nos outros sectores.

E não se faz porquê?
Porque continuamos com um sistema regulatório em que temos de pedir autorização para poder pedir uma autorização. Eu literalmente tenho de apresentar um papel a dizer que tenho legitimidade para pedir autorização para fazer qualquer coisa. Tem de pedir licença para ter uma atividade económica, para criar riqueza – quando devia ser ao contrário. É um ponto que gostávamos muito que tivesse sido mais discutido nesta campanha e que, independentemente de quem venha a governar, vamos pedir que seja levado muito a sério. A criação de riqueza é um bem público, porque é daí que vem mais riqueza, mais impostos e mais empregos, mais qualificados e melhores salários. E nós temos uma regulação que é muito castradora.

É preciso mudar mentalidades?
Sim, porque isto está tão embebido na nossa cultura, que começa no legislador mas continua no funcionário público, que executa a lei. O funcionário público acha que tem o dever de travar a atividade económica, quando devia estar a ponderar que, perante todos os outros interesses públicos, a segurança pública, a defesa do ambiente e defesa da saúde pública, também tem de zelar por este, que é a criação de riqueza. Sem criação de riqueza, não conseguimos sustentar nada. Esse é o ponto principal inicial: temos de fazer uma transformação da cultura do país, do regulador ao executor, passando esta ideia de que criar riqueza é bom, é importante.

Mas a perceção hoje é a inversa: criar riqueza não é bom, ter lucro é pecado – é mal visto e é penalizado. E há a ideia generalizada de que quem consegue criar riqueza fez alguma coisa pouco transparente pelo caminho.
Exato. E é isso que temos mesmo de combater culturalmente. É aquela história do porteiro da fábrica nos EUA que vê o patrão chegar de Ferrari e pensa que um dia vai lá chegar e ter um Ferrari; e nós cá vemos alguém a passar de Ferrari e pensamos que é um malandro, que herdou ou roubou…

E que há de ficar sem ele.
Exato! Nós não queremos inveja da má, mas precisamos de ter mais da boa, para criar esta inquietude que nos faz levantar de manhã e dizer 1% de crescimento ao ano não chega, vamos mudar. Uma parte disto depende de cada um de nós: o que é que eu, empregado, empreendedor ou empresário, posso fazer diferente para crescer mais. Mas passa também pela exigência que temos para com os outros, por não aceitar o que os políticos e a comunidade em geral nos dão porque não é suficiente.

É essa a mensagem que passam os que todos os anos emigram?
Basta olhar para as estatísticas da emigração. No paper que publicámos no ano passado sobre atração e retenção de talento, mostrávamos que saíram em dez anos cerca de 740 mil portugueses. Saíram porque sentiram que aqui as coisas não satisfazem, que não permitem cumprir os seus sonhos. Se eu quero algo maior e não consigo fazê-lo aqui, então eu vou para outro sítio. Fala-se muito da abstenção, mas estas pessoas votaram com os pés, foram-se embora. Em 20 anos, foram 1,5 milhões de pessoas em idade ativa a sair. É uma percentagem enorme da nossa população. Aliás, somos o oitavo país do mundo com maior percentagem da população a viver fora de Portugal. Não tem que ver com a emigração dos anos 50 e 60, mas é esta emigração de pessoas qualificadas, de jovens, que precisamos de atrair de volta.

Fala-se da geração mais preparada de sempre, mas essa geração não está cá. O economista Pedro Brinca tem uma série de estudos que apontam que, todos os anos, 40% dos novos licenciados em Portugal saem do país…
Eles fazem parte desses 740 mil portugueses que saíram na última década – já em termos líquidos, descontando os cento e poucos mil que regressaram. E nós analisámos outras duas coisas, que mostram uma realidade ainda pior: a propensão para sair que tem 50% da geração mais jovem. Um em cada dois jovens quer sair, e na geração seguinte, esse número é ainda de 25%. E mesmo na dos 40/50 anos, em que já não se devia ver isto, ainda são 12,5% que dizem ter vontade de deixar Portugal. E a transição digital, acelerada pela covid, ainda trouxe outra coisa: é que muitos não saem fisicamente mas não estão disponíveis para o nosso mercado de trabalho, estão a trabalhar para empresas fora e até podem consumir aqui com um padrão de vida diferente, o que traz algum ganho de curto prazo, mas o valor acrescentado do trabalho deles deixa de estar cá e passa a estar na sede da empresa que é no Luxemburgo, na Alemanha, na Dinamarca…

A ABRP estudou a fuga de talento, Quais são as principais razões que têm levado a essa emigração?
Há quatro razões identificadas, e a primeira é o salário, que está intimamente ligado à escala do nosso tecido empresarial e por isso dizemos que é fundamental que as pequenas empresas se tornem médias, as médias, grandes, e as grandes, globais.
O segundo tema são os impostos sobre o trabalho, aquilo que se chama o tax wedge – o peso de impostos e segurança social nos salários –, que aqui é muito elevado, era o décimo e passou para nono mais elevado da OCDE. Vamos imaginar uma empresa que tem escritórios em Portugal e nos Países Baixos e quer contratar dois funcionários para fazerem exatamente a mesma função e quer pagar o mesmo aos dois: 2 mil euros de salário bruto mensal, a 14 meses, portanto 28 mil euros anuais. Nos Países Baixos, a empresa gasta 31.500 euros para pagar os 28 mil de salário bruto; em Portugal, custa-lhe 34.700. Ou seja, gasta aqui mais 3. 200 euros. E o trabalhador holandês leva para casa 24.400 euros ao fim do ano, enquanto o português leva 19.900. Como é que se convence a empresa a contratar cá e o trabalhador a ficar em Portugal?

Perdemos talento também porque não somos competitivos.
Sim, o tax wedge é um bom exemplo de como nós somos brutalmente descompetitivos dentro da União Europeia. E por mais que as empresas façam, isto é um tema que só se resolve com políticas públicas adequadas. Nós estávamos a tentar trabalhar com o governo nisto e vamos bater à porta do próximo executivo para continuar a discutir este tema, que é central.
Depois, a terceira razão de saída tem que ver com o custo de vida, porque eu posso ganhar o mesmo e ter impostos semelhantes, mas se o meu custo de vida sobe muito, tenho um problema. A crise da habitação é um excelente exemplo: tornou-se incomportável viver em determinadas zonas do país para quem está a entrar no mercado. E por fim, o quarto tema tem que ver com a experiência de trabalho, que é muito diferente entre as empresas mais e as menos sofisticadas e que vai desde temas de liderança, de cultura organizacional, até benefícios, liderança, propósito do projeto, etc. E há muitas organizações que se mantêm como eram há dez, 50 ou 100 anos.

Não querem que os trabalhadores pensem, apenas que executem.
Isso. Ora, hoje temos pessoas muito mais qualificadas e continuamos a ter as mesmas estruturas, muito hierarquizadas, pensadas para funções de execução. É fácil fazer uma comparação entre o exército – que tem o soldado e vai até ao general lá em cima que dá as ordens – e o comando de uma força de elite altamente qualificada, que trabalha em equipas pequenas, muito ágeis e autónomas. E é preciso soluções a todos estes níveis. A ABRP vai apresentar um estudo mais a fundo sobre isto no dia 18, muito focado no que as empresas podem fazer para reter e atrair talento.

Disse há pouco que o investimento também é fundamental para crescer. Em Portugal, nos últimos anos, ele tem faltado: o único investimento público que se fez foi o que veio de fundos europeus. É fundamental dar-se aqui também um impulso?
Seguramente que há espaço para investimento público e é importante, até porque nos últimos anos o esforço de contenção das contas certas que existiu teve um impacto muito grande na execução do investimento. Entre 2015 e 2023, nós tivemos uma subexecução média do investimento previsto no Orçamento do Estado de 21%.

Ou seja, não se investiu um em cada 5 euros previstos.
Em termos absolutos, foram 12,1 mil milhões de euros prometidos e que não foram executados. E na questão dos fundos comunitários há dois aspetos importantes: há quem diga que são uma espécie de ouro do Brasil, uma maldição, porque acabam por levar a uma alocação errada do investimento privado, já que quase sempre são cofinanciamentos – logo, exigem uma contrapartida nacional, privada ou pública – e têm regras predefinidas que escolhem e em geral penalizam a escala, penalizam o sucesso. Este é um problema que temos de resolver. O segundo aspeto negativo é o constante adiar e a incerteza que existe em relação a muitos destes programas: não há uma calendarização exata e precisa que seja conhecida de que programas vão ser lançados, há uns anúncios que vão sendo feitos, às vezes de forma avulsa, e torna-se impossível planear. Ainda agora isso aconteceu com o Fundo Ambiental… se eu estiver a pensar trocar as janelas e de repente ouvir dizer que o governo vai dar 80% do custo, eu fico à espera do programa. Em vez de fazer um investimento agora, paro e fico à espera; e se aquilo acontecer logo no mês seguinte, não tem impacto, mas se um ano depois ainda estiver parado à espera, estou a atrasar uma série de decisões de investimento. E é o que temos visto – sabemos que o PRR está muito atrasado na execução, o PT2020 está a dar as últimas mas também sofreu disso, o PT2030 já está atrasado…

Faria sentido haver uma linha sempre em funcionamento a que as empresas pudessem recorrer nos seus tempos de investimento?
Era importante que houvesse previsibilidade e calendarização e também concretização. E há outro aspeto relevante: é que os fundos comunitários têm tido regras diferentes para os promotores públicos e para os privados – é, aliás, um problema transversal em Portugal, temos várias situações da regulação económica das atividades, onde há regras diferentes para público e privados.

O pagamento dos custos com teletrabalho, por exemplo, a que o Estado não está obrigado, a implementação da semana de 4 dias…
E o trabalho em si: no público são 35 horas semanais, no privado 40. Esse tratamento desigual não faz sentido, são todos trabalhadores. E nos fundos comunitários passa-se o mesmo: o promotor público não tem as chamadas para apresentação de projetos, pode apresentar projetos sempre que os tenha, enquanto os privados têm de ficar à espera que a entidade gestora decida abrir concurso. E somando a isso a incerteza sobre quando é que vai acontecer e em que moldes, ainda piora. Isso tem levado a que, desde que estamos na União Europeia, em média 70% dos fundos comunitários tinham ido para o Estado. E achamos que chegou a hora de ser ao contrário, 70% para as empresas, alisando as regras entre empresas e Estado. Dito isto, devíamos deixar o mercado procurar as melhores soluções, em vez de escolher sectores, tecnologias e dimensões a beneficiar de impulso.

As contas certas são fundamentais para a economia saudável, mas têm sido conseguidas também à custa de investimento que não se fez. E ainda esta semana saíram números do INE que mostram que 81% da redução na dívida pública – que está pela primeira vez abaixo dos 100% – se fez à boleia da inflação. Até que ponto é que as contas certas são sustentáveis?
A inflação é um imposto muito interessante – com problemas de equidade, etc., mas o único que impacta os emissores de dívida e, portanto, terá ajudado, mas uma parte significativa disso veio do crescimento real da economia. Agora, se é sustentável… O subinvestimento também é dívida futura. Se não fizemos investimentos que eram necessários e urgentes eles vão ter de acontecer mais à frente – e isso pode resultar em investimentos mais avultados porque não se fez a manutenção preventiva. Nós vemos isso na saúde: temos um sistema que está vocacionado para a doença aguda, em vez de se focar na saúde e tratar as doenças crónicas preventivamente, que é muito mais barato e eficaz. Isso é um dos aspetos que também nos leva a esta sensação de inquietude, este sentido de urgência para a mudança. E nestas duas décadas em que pouco crescemos, a educação também é um aspecto fundamental.

O elevador social está estragado?
O ensino público é o fator mais importante para isso. Em 2002, tínhamos nove escolas públicas no top 20 das melhores secundárias do país. Em 2023, a primeira pública estava em 46.º. O elevador social está destruído. E a justiça é outro pilar fundamental para o funcionamento da democracia e da economia. Temos 847 dias para uma decisão em primeira instância num tribunal administrativo – que resolve os conflitos entre o Estado e o resto da sociedade, pessoas ou empresas –: é mais do dobro de Espanha (403 dias). Enquanto a justiça se medir em anos e não em meses ou em dias, temos um problema. Pior quando há sete dos 27 membros da União Europeia que levam menos de 200 dias, portanto, levam um quarto do tempo que nós demoramos para resolver estas coisas.

E soma-se a um peso fiscal que também desequilibra a balança.
O nosso sistema de impostos penaliza o sucesso, é o primeiro pecado capital do nosso sistema fiscal. Vou dar um exemplo que é brutal. Alguém que receba o salário mínimo nacional e que se esforça porque quer mais, aprendeu, foi mais longe e o patrão reconhece o esforço e quer premiá-lo. Ele ganha 820 euros e quer dar-lhe mais 150, um aumento significativo (18%) mas que ainda o deixa abaixo do salário médio nacional. Para pagar , o Estado fica com dois terços do valor. Como é que nós vamos dizer às pessoas que compensa esforçarem-se?

Mas as pessoas têm noção esses números?
Não, porque não veem o número todo – normalmente ficam frustradas com o patrão. E por isso é que depois temos toda esta emigração.

Quais são as três medidas que considera imprescindíveis no OE2025 para se conseguir resolver todos estes problemas?
Em primeiro lugar, há vida além do Orçamento… Mas seja onde for, o primeiro aspeto é reconhecer que é um imperativo nacional e um bem público a criação de riqueza. Nós, o Estado, o governo, queremos todos mais criação de riqueza e é importante que os funcionários públicos saibam que uma parte do seu trabalho é ajudar a que haja mais criação de riqueza no país. O segundo aspeto é devolver à sociedade esta vontade de continuar a crescer. Em nome da progressividade do IRS, nós temos esta voracidade, este problema que vimos até no salário mínimo e que é resultado de 50 anos de pequenas alterações. É altura, até por termos finalmente equilíbrio nas contas públicas, de olhar isto de forma estruturada e perceber o que queremos do nosso sistema. Queremos progressividade? OK. Mas não queremos um sistema que desencoraje o esforço e o sucesso das pessoas. Então, temos de redesenhar todo o sistema para que ele possa ser progressivo, sem penalizar o sucesso para a maioria da população. E depois há o tax wedge: não podemos ter este nível de descompetitividade fiscal sobre o trabalho face a outros países. Não há bom trabalho sem capital e nós precisamos de ter ambos, precisamos de crescer o capital e de valorizar esse trabalho; e a forma de termos trabalho mais produtivo e mais capital por trabalhador leva à necessidade de termos mais escala nas empresas, portanto também não podemos ter um sistema de IRC progressivo

Porquê?
Porque progressividade nos impostos sobre os lucros é mesmo dizer que só queremos ter microempresas. O último OE até agravou a diferença porque baixou a taxa para microempresas para os 12,5%. Portanto, a nossa taxa é de 12,5%, mas depois passa logo para 21%, depois para 24%, depois entram as derramas e vai galopando até ser a taxa mais elevada da OCDE. A AT diz-nos que a taxa efetiva são apenas 18,6%, porque depois há benefícios e tal, mas então porque não se simplifica e se define nos 18,6%, tirando toda a complexidade que afasta os investidores estrangeiros? Até porque esta complexidade tem imensos custos – há uma quantidade de gente que em vez de estar a produzir riqueza está atolada a tentar reduzir esses custos nas empresas; e do lado do Estado uma máquina pesadíssima a correr atrás de eventuais prevaricadores. E depois temos 11 a 17 mil milhões de euros parados nos tribunais fiscais, num país com falta de capital.

Pedro Soares dos Santos dizia há dias que temos de escolher se queremos ser a Califórnia da Europa ou a Cuba da Europa. É o risco que corremos se não endereçarmos estas questões?
Nós acreditamos na ABRP que Portugal pode e deve ser muito melhor e que isso começa em cada um de nós. Em exigirmos maior ambição para o país, pôr Portugal a crescer pelo menos 3,9% ao ano e num logo período. E isso passa por aquilo que cada um de nós faz na sua vida, enquanto empregado, empreendedor ou empresa, nas nossas escolhas e no que exigimos também de quem elegemos.

Artigo publicado na edição do NOVO de dia 9 de março