Assinalando os 50 anos do 25 de Abril, a Ordem dos Advogados (OA) prestou homenagem a todos os políticos presos pelo antigo regime. A bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro, na parte da manhã desta terça-feira, esteve no Estabelecimento Prisional de Caxias, em Oeiras, onde depositou uma coroa de flores em memória dos que foram perseguidos por pretenderem exercer o direito a oporem-se ao regime político vigente entre 1932 e 1974. Na parte da tarde, já na sede da instituição, em Lisboa, a OA homenageou a título póstumo a mulher-advogada que mais políticos defendeu em tribunal: Maria Lucília Miranda Santos. A homenagem estendeu-se a outros que também passaram muitas horas nos Tribunais Plenários a defenderem as vozes da “oposição”.

Tratou-se de um reconhecimento público aos advogados que, no período de vigência do Estado Novo, defenderam presos políticos em Tribunal Plenário, estando também eles privados do “direito essencial de expressão”, num “regime que não salvaguardava as liberdades”. Acontece, agora, passados 50 anos, sabendo-se da importância histórica que tiveram os licenciados em direito na luta pela democracia – Mário Soares, Manuel João da Palma Carlos, Salgado Zenha, entre outros.  Sem eles, a Operação Viragem Histórica, no que significou de revolução política, económica e social, não teria sido possível.

“A festa vai continuar”, declarou esta quarta-feira, ao NOVO, a bastonária da OA, Fernanda de Almeida Pinheiro, esclarecendo que alguns recusaram receber a condecoração por considerarem que apenas cumpriam o dever deontológico que os comprometia. “É verdade, mas cumprir naquele tempo, em que punham em risco a própria liberdade, a perda da vida, a ofensa à integridade física, incluindo a de familiares e amigos, revela uma enorme coragem que não é atributo de todos”, disse, sublinhando: “Quem tem a coragem, de forma altruística e despojada, de lutar pela liberdade é digno de homenagem e de todas as honras”.

Segundo Fernanda de Almeida Pinheiro, “se hoje exercemos uma advocacia livre e temos assegurados os direitos, liberdades e garantias das pessoas – não totalmente observados, mas de uma forma completamente diferente do que era há 50 anos -, também o devemos principalmente aos advogados porque não calam, porque recorrem, porque interpõem ações, porque lutam pelos interesses dos cidadãos e das empresas deste país”.

A Bastonária felicitou também a presença de jovens na tarde de terça-feira, na sede da OA,  os quais se revelaram muito curiosos com as histórias contadas pelos advogados ali homenageados. Uma jovem de 16 anos agradeceu o testemunho de um dos antigos casuísticos e manifestou a alegria de ouvir ao vivo, da boca dos próprios protagonistas, aquilo que tem lido apenas nos livros. “A jovem estava mesmo comovida”, disse Fernanda de Almeida Pinheiro.

No entanto, a advocacia, hoje, não se sente propriamente privilegiada, sobretudo depois da aprovação do novo Estatuto profissional, na legislatura anterior, com a retirada,  na prática, da maioria dos atos próprios que lhe eram reconhecidos.

“A luta vai continuar”, assegurou a Bastonária,  esclarecendo que apenas aguarda a reunião já solicitada à Ministra da Justiça, Rita Júdice, para que dois temas sejam resolvidos o mais rapidamente possível: a atualização da tabela dos honorários dos advogados que se mantém inalterada há já 20 anos – “o que revela a indiferença a que tem sido sujeita uma classe que  presta todos os dias um serviço absolutamente fundamental para o cumprimento do estado de direito”, disse ao NOVO.

O segundo tema é a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) porque, sublinhou, “todos os dias morrem advogados sem qualquer apoio, há mulheres que não conseguem ser mães, pessoas que perdem os seus rendimentos de forma abrupta, pessoas que têm doenças prolongadas e ficam sem trabalhar, morrendo na maior das indigências”. “Os advogados não têm o apoio que deveriam ter”, acrescentou, com um aviso: “Se isto não for resolvido, a OA irá demandar o Estado português junto das instâncias europeias. É um problema político que tem de ser resolvido.”

Para a CPAS, a Bastonária admite três cenários: um deles é acabar com a entidade e integrar todos os beneficiários na Segurança Social; o segundo é criar-se uma modelo opcional: ou CPAS ou Segurança Social; um terceiro seria um modelo misto que tem ainda de ser estudado. Para já, é necessário criar o grupo de trabalho previsto na lei, interministerial, faltando apenas nomear as pessoas de reconhecido mérito. Fernanda de Almeida Pinheiro conta que, com o novo governo, a advocacia volte a ser tratada com honra e valor como sempre foi.

 

Recordar o que foram os Tribunais Plenários

(Texto retirado de elementos bibliográficos da OA)

Em 1932, por força do decreto-lei nº 21.942, de 5 de Dezembro, foram criados os Tribunais Militares Especiais, em Lisboa e no Porto, para punição dos crimes políticos. No ano seguinte ficou apenas um único tribunal sediado na capital Após a Segunda Guerra Mundial, o decreto-lei nº 35.044, de 20 de Outubro de 1945, extinguiu aquele tribunal substituindo-o pelos Tribunais Plenários, sediados em Lisboa e no Porto e constituídos por um juiz desembargador e por dois vogais, os juízes mais antigos dos juízos, de nomeação governamental, com competência para os crimes contra a segurança do Estado.

Os Tribunais Plenários deram cobertura à arbitrariedade e à violência do Estado Novo, e deram “corpo àquilo a que alguém chamou o fascismo de toga”, “o comportamento dos juízes do Tribunal Plenário era particularmente complacente para com os agentes da PIDE, permitindo que ocupassem a sala de audiências à vontade, de modo a impossibilitar a presença de assistentes, ao mesmo tempo que impediam que os réus denunciassem as condições preparatórias do processo sob prisão ou que afirmassem as suas convicções. Diz Alexandre Babo, Advogado e testemunha de defesa: “No Plenário de Lisboa muitas vezes os réus eram espancados pelos agentes da PIDE, durante os julgamentos e arrancados dali à força, quando exigiam apresentar as suas razões. E isto com a aquiescência dos juízes que constituíam o Tribunal”. Os juízes do Plenário foram ainda frequentemente grosseiros e prepotentes em relação aos Advogados de defesa, condicionando a sua actuação, multando-os e chegando mesmo a determinar o seu julgamento sumaríssimo, como aconteceu com Manuel João da Palma Carlos em 23.04.1957, foi preso em pleno tribunal e condenado por responder aos juízes nos seguintes termos: “Julguem Vossas Excelências como quiserem, com ou sem prova, mas o que não podem é deixar de consignar em acta tudo quanto na audiência se passar”. Estas palavras valeram-lhe sete meses de prisão e um ano de privação dos direitos políticos. A última sessão de julgamento do Tribunal Plenário, adiada por impossibilidade de comparência dos réus, teve lugar na manhã de 25 de Abril de 1974. A democratização provocou alterações profundas na estrutura orgânica da Justiça. Os Advogados e Advogadas mantiveram-se sempre fiéis aos seus princípios a defesa dos direitos, liberdades e garantias, pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas.

A Ordem dos Advogados, sempre na primeira linha na defesa dos seus advogados e na defesa dos presos político, sempre que esteve em causa a liberdade de advogados presos pela PIDE. E a luta contra as medidas de segurança, que tornavam as penas indeterminadas e sem limite, situação bem expressa, nomeadamente nas conclusões do Instituto da Conferência da OA, de 17 de Março de 1958, documento assinado pelos prestigiados e históricos advogados, Azeredo Perdigão, Tito Arantes, Domingos Pinto Coelho, Carlos Mourisca, e Almeida Ribeiro. E ainda a exposição aprovada por unanimidade pelo Conselho Geral da OA e remetida ao Ministro da Justiça, em 19 de Fevereiro de 1965.

Em Abril de 1993, integrada nas celebrações dos 150 anos do Tribunal da Boa-Hora, teve lugar uma sessão evocativa dos Tribunais Plenários, presidida pelo Dr. Mário Soares, Presidente da República. Nessa sessão, o acto Morais e Castro, também Advogado, leu um trecho do romance Quando os Lobos Uivam, de Aquilino Ribeiro, alusivo aos referidos Tribunais.

Mais recentemente, em 28 de Janeiro de 2014, o Movimento Cívico “Não Apaguem a Memória”, em colaboração com a Assembleia da República e a Ordem dos Advogados, realizou uma homenagem aos advogados que defenderam presos políticos, nos Tribunais Plenários, durante o Estado Novo. A iniciativa pretendeu preservar a memória colectiva da resistência à ditadura e dignificar a luta pela Liberdade e pela Democracia.