Newt Gingrich disse recentemente que a função de Speaker da Câmara dos Representantes é atualmente impossível e que os Estados Unidos atravessam o período mais perigoso desde a Guerra Civil norte-americana. Mike Johnson, o atual Speaker, argumentou, por sua vez, que nos encontramos numa era em que a sociedade americana, sobretudo a esfera política, está cada vez mais fragmentada. Este fenómeno é exacerbado pela era das redes sociais e pela incessante cobertura noticiosa de 24 horas, onde cada indivíduo expressa a sua opinião a qualquer momento do dia, exigindo ser ouvido pelos seus líderes no imediato.

Tal realidade torna praticamente impossível a governação do país. Este diagnóstico, embora acertado, omite as responsabilidades individuais dos intervenientes, sobretudo Gingrich, que iniciou, na década de 1990, uma mudança fundamental no relacionamento entre os dois partidos e contribuiu significativamente para a radicalização da vida política norte-americana nas últimas décadas. Esta realidade explica, no entanto, porque Johnson tem atuado de forma tão receosa.

Após meses de adiamento, o Speaker assumiu esta semana a liderança da sua bancada num assunto crucial para o futuro dos Estados Unidos. Num discurso reaganesco, distanciando-se da linha atual do Partido Republicano, defendeu o apoio aos aliados ucranianos e a urgência de impedir que a Rússia conquiste a Ucrânia e expanda a sua influência sobre o resto da Europa. Ao apresentar um pacote de ajuda externa, que inclui apoio para a Ucrânia, Israel e Taiwan, o líder republicano finalmente cumpriu com a promessa feita desde que o Senado aprovou, em fevereiro, um fundo de 95 mil milhões de dólares para os aliados americanos. Desde então, Johnson tem-se recusado a permitir uma votação devido à pressão de outros republicanos, alinhados com Trump, que têm demonstrado simpatia pelas teses de Putin.

A congressista Marjorie Taylor Greene, conhecida por disseminar teorias de conspiração russas contra a Ucrânia, anunciou na semana passada que apresentaria uma moção para destituir Johnson caso este permitisse esta votação. Apesar da oposição tanto republicana como democrata na Câmara, espera-se que o pacote seja aprovado com apoio bipartidário, tal como sucedeu no Senado. Contudo, a grande incógnita reside na sobrevivência política de Mike Johnson. Com uma maioria estreita, necessitará do apoio dos democratas para se manter no cargo. Depois de o seu antecessor ter durado apenas 270 dias na liderança da Câmara, Johnson, com apenas 177 dias no cargo, corre o risco de se tornar o segundo a ser destituído por cumprir a sua função primordial: governar.

Entretanto, caso a moção da congressista Greene avance – contando já com o apoio de outro colega –, a maioria republicana provavelmente não será suficiente para manter Johnson no cargo. A ala mais radical está disposta a mudar de liderança, mesmo que isso resulte no caos para a bancada republicana, a pouco mais de seis meses das eleições. A verdadeira questão reside no posicionamento de Trump, o verdadeiro líder do partido e que controla uma grande parte dos eleitos na Câmara. Johnson afirmou ter o apoio incondicional de Trump e revelou ter conversas frequentes com ele. Contudo, quando questionado sobre o seu apoio ao Speaker, o ex-presidente respondeu de forma evasiva.

É inegável que todos os acontecimentos no Partido Republicano têm a marca de Trump. Ao desafiar o candidato presidencial, Johnson está ciente de que o seu lugar está em risco. Resta saber se Trump ficará satisfeito por ter conseguido adiar vários meses a aprovação da ajuda à Ucrânia. A ala trumpista, próxima das posições de Vladimir Putin, poderá não perder a oportunidade de semear o caos novamente. Em termos políticos seria um erro, mas, por alguma razão, há vários ciclos eleitorais que os republicanos têm perdido as eleições.

Especialista em política norte-americana