O Metro Mondego, projeto que conta com 30 anos de avanços e recuos, custou, até ao momento, pelo menos 327 milhões de euros, entre estudos, gastos administrativos e empreitadas, de acordo com documentos consultados pela agência Lusa.

O projeto começou a ganhar forma em março de 1994, num diploma do último executivo de Cavaco Silva, e pretendia assegurar uma ligação em metro ligeiro de superfície servindo os concelhos de Coimbra, Lousã e Miranda do Corvo. No entanto, ao longo de 30 anos, conheceu vários projetos, estudos e modalidades de operação, assim como avanços e recuos.

Segundo relatórios e contas da própria Metro Mondego, a auditoria do Tribunal de Contas ao projeto em 2011 e informações prestadas pelas entidades responsáveis à agência Lusa, o investimento, que se espera poder estar concluído no final de 2025, contabiliza um total de 327 milhões de euros, 200 milhões de euros dos quais na atual empreitada que está a ser executada, que abandonou a ideia de metro ligeiro e a substituiu por uma solução de autocarros elétricos em via dedicada.

A atual empreitada, que foi lançada pelo Governo liderado por António Costa, abandonou em definitivo a ideia de um metro ligeiro de superfície, e avançou com o metrobus, projeto que deveria custar 90 milhões de euros, de acordo com o estudo que suportou a decisão do Governo em 2017.

No entanto, em 2020, aquando da consignação de várias empreitadas, a estimativa já era de 130 milhões de euros, com a conclusão do traçado suburbano perspetivado para o final do ano seguinte.

No entanto, não foram só os prazos que foram revistos, mas também o investimento global no atual projeto, que é, agora, de 200 milhões de euros, afirmou à Lusa fonte oficial da Metro Mondego, referindo que, do valor total, 117 milhões de euros são em infraestruturas de base, 34 milhões de euros em autocarros elétricos e 15 milhões de euros noutras componentes, como as oficinas ou a bilhética.

A estes 200 milhões de euros da empreitada atual, acrescem 104 milhões de euros gastos até novembro de 2010, quando foram suspensas as obras do projeto inicial, por alegada falta de capacidade financeira do Governo, numa altura de crise financeira.

Segundo uma auditoria do Tribunal de Contas feita em 2011 à Metro Mondego, dos 104 milhões de euros gastos no projeto, desde a sua conceção, dez milhões de euros foram investidos em estudos e projetos, sem que houvesse qualquer operação de um metro ligeiro de superfície no terreno.

A auditoria dá ainda conta de que, entre 1997 e 2010, a Metro Mondego, enquanto empresa, gastou 3,4 milhões de euros no seu conselho de administração, num relatório que dava ainda conta de supostos gastos pessoais com o cartão de crédito da empresa por parte de dois membros dos órgãos sociais (que foram absolvidos em tribunal, um por prescrição do crime de prevaricação).

Depois de 2011, numa altura em que chegou a ser pensada pelo Governo a extinção da Metro Mondego, os custos no projeto resumiram-se, durante largos anos, ao pagamento de gastos com pessoal por parte da empresa, que foi reduzindo o seu efetivo até 2019, altura em que o projeto voltou a ganhar força.

Entre 2011 e 2023, de acordo com relatórios e contas da Metro Mondego consultados pela Lusa, foram gastos quase dez milhões de euros em salários, estudos e outros gastos operacionais e administrativos.

A partir de 2019, os gastos voltaram a aumentar, para dar à empresa capacidade de resposta a um projeto que começava a materializar-se e no qual está responsável por alguns dos investimentos (passou de nove trabalhadores para 19, em 2023).

Para além de todos estes gastos, acrescem ainda 12,9 milhões de euros em 14 anos de serviços rodoviários em alternativa ao Ramal da Lousã, que deixou de circular em janeiro de 2010, à espera de um projeto que se espera que em menos de dois anos possa estar concluído, três décadas e mais de 300 milhões de euros depois.

Uma viagem ainda longe do fim

O processo para instalar um sistema de mobilidade ligeira em Coimbra e no ramal ferroviário da Lousã atravessou 13 governos, desde 1994, mas está ainda longe de chegar ao fim.

Com três anos de atraso, o troço suburbano, entre Coimbra e Serpins, concelho da Lousã, deverá encetar o serviço no fim deste ano, segundo estimativas atualizadas da Metro Mondego, embora estivesse inicialmente previsto para finais de 2021.

Também as obras na área urbana de Coimbra ultrapassaram os prazos contratuais, antevendo agora a Metro Mondego ser possível que o metrobus venha a circular na cidade em fins de 2025.

O diploma que estabeleceu o “regime de exploração do metropolitano ligeiro de superfície” nos municípios de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã é o decreto-lei 70/94, de 03 de março, e remonta ao último executivo de Cavaco Silva. Todavia, desde pelo menos 1989, houve outras iniciativas políticas a tentar manter o Ramal da Lousã no modo ferroviário, apostando na sua modernização e na ligação à Linha do Norte, em Coimbra B.

Durante mais de 100 anos, desde 1906, a ferrovia aproximou o interior do distrito à cidade de Coimbra, transportando pessoas e mercadorias.

Aquele diploma, há 30 anos, sublinhava que a opção pelo metro sobre carris mereceu a concordância das Câmaras de Coimbra, Miranda e Lousã, à época presididas, respetivamente, por Manuel Machado, Jorge Cosme e Horácio Antunes, todos do PS. Ficou igualmente consagrada a futura transferência do ramal da CP para uma sociedade de capitais públicos a criar pelos municípios, com a CP e o Metro de Lisboa.

As obras, então ainda projetadas para o metropolitano de superfície, ou elétrico rápido, só começariam 15 anos mais tarde, em 2009, após múltiplas vicissitudes legais e políticas.

A Metro Mondego nasceu em 1996, com António Guterres na chefia do Governo, sendo o capital detido em 66% pelas autarquias. Em 2000, o capital foi reforçado com a entrada da REFER, passando o Estado a ser o acionista maioritário, com 53%.

Em 1993, com a CP a dar sinais de querer abandonar a exploração do Ramal da Lousã, os autarcas já tinham decidido por unanimidade apoiar a criação da Metro Mondego.

O governo do PSD, liderado por Cavaco Silva, previu que o empreendimento custaria 11 milhões de contos (55 milhões de euros), a preços da época.

Em 2001, foi criada a Comissão de Utentes do Ramal da Lousã, que defendia a modernização e a eletrificação da via, exigia a qualidade do serviço prestado pela CP e questionava sucessivos atrasos do processo do metro. No ano seguinte, com idênticas reivindicações, surgiu o Movimento Cívico de Lousã e Miranda do Corvo.

O governo do PS anunciou o lançamento do concurso público e o início das obras em 2002, prometendo o então governador civil de Coimbra, Horácio Antunes, que seria a tempo de funcionar durante o Euro’2004.

Segundo uma auditoria do Tribunal de Contas, em 2005, durante o governo de Pedro Santana Lopes, as três câmaras envolvidas “impediram o prosseguimento do concurso público”, lançado pela Metro Mondego, por “se oporem à possibilidade” de o transporte entre Serpins e Lousã ser realizado em modo rodoviário.

Em 2006, o ministro dos Transportes, Mário Lino, informou que o agora designado Sistema de Mobilidade do Mondego estaria operacional em 2011. O governante disse que o financiamento estava assegurado. Em 2009, a seguir às eleições autárquicas e com os principais acessos às estações já construídos, arrancaram algumas empreitadas sem apoios europeus.

O troço ferroviário entre Serpins (Lousã) e Alto de São João (Coimbra) foi desmantelado, por decisão do Governo de José Sócrates, passando a funcionar um sistema provisório de transportes alternativos, baseado em autocarros, que se manteve nestes 15 anos.

Em 2011, pararam as obras por alegados problemas financeiros, quando, de acordo com diferentes estimativas, pelo menos 150 milhões de euros estavam gastos em mais de 100 estudos e projetos, além de empreitadas e funcionamento da Metro Mondego desde 1996.

Com a chegada de Pedro Passos Coelho ao poder, em 2011, ganhou força a ideia de que o metro sobre carris não sairia mesmo do papel, devendo ceder a marcha a um sistema de autocarros elétricos, mais tarde apresentado como metrobus.

Em 2014, a presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, Ana Abrunhosa, mais tarde ministra da Coesão Territorial dos governos de António Costa, defendeu que as obras seriam retomadas com fundos europeus, tendo admitido que a solução não seria o metro.

Nesse ano, nasceu o Lousã pelo Ramal, convergindo com o Movimento de Defesa do Ramal da Lousã, criado uns anos antes para também defender a modernização e a eletrificação da ferrovia. Em 2016, por iniciativa do jornal Trevim, da Lousã, foi entregue na Assembleia da República uma petição com 8.300 assinaturas pela “urgente reposição do serviço ferroviário”.

Em 2020, o então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, presidiu à consignação de duas empreitadas, uma para acolher o metrobus entre Serpins e Alto de São João, outra para abrir o canal na Baixa de Coimbra. Estava previsto que o investimento global no SMM rondaria 130 milhões de euros, sendo 85 milhões para a infraestrutura e o restante para 35 autocarros do tipo ‘metrobus’ e sistema de bilhética.

“Se algum dia tivermos um volume de passageiros que justifique um meio de transporte mais pesado, nós todos teremos de trabalhar nesse sentido”, sugeriu Pedro Nuno Santos na cerimónia.

Em fevereiro deste ano, o então primeiro-ministro demissionário, António Costa, visitou as obras e disse que o metrobus é a “melhor solução” para as populações. Entretanto, os trabalhos, que em 2023 redobraram em várias zonas, têm sofrido diferentes atrasos. O mesmo tem acontecido com a chegada dos autocarros, fabricados na China. O primeiro destes veículos iniciou em fins de abril a fase de testes no troço suburbano. Em Coimbra, o início da operação do SMM foi igualmente adiado para 2025.