Daniela Martins, mãe das duas gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinhal (AME) – uma doença rara e degenerativa – que obtiveram tratamento, em 2020, com o medicamento Zolgensma no Hospital de Santa Maria, será ouvida esta tarde presencialmente na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). É a segunda pessoa a ser ouvida pela CPI e uma testemunha-chave sobre o caso. Em declarações ao programa Prova dos Factos, na RTP1, a mãe das gémeas que estão no centro das suspeitas de um caso de favorecimento pela forma como obtiveram o tratamento médico que tem um custo aproximado de 4 milhões de euros, disse que tinha “mais a perguntar do que a responder” aos deputados e lamentou ter sido envolvida numa “história totalmente política”. Reiterou que não fez “nada de errado” e, por isso, não tem receio de ser constituída arguida no processo. Ainda não o foi, mas a casa onde viveu com a família, em Oeiras, durante este tratamento, foi alvo de buscas da Polícia Judiciária (PJ) e do DIAP de Lisboa, que ali procuravam documentos importantes para o processo. O filho do presidente da República Nuno Rebelo de Sousa, o ex-secretário de Estado da Saúde, Lacerda Sales, e Luís Pinheiro, ex-diretor clínico do Santa Maria, já foram constituídos arguidos. A IGAS concluiu que a marcação da consulta de neuropediatria das crianças foi feita de forma ilegal.
Estas são algumas das questões que deverão ser feitas pelos deputados e a que Daniela Martins terá de responder.
Teve algum contacto direto ou indireto com a ministra da Saúde para a resolução do caso das suas filhas? Se não teve, porque disse à médica Teresa Morena que tinha todas as garantias “até à ministra da Saúde”?
Teresa Moreno foi médica pediatra das crianças no Hospital de Santa Maria e foi ouvida no âmbito da auditoria da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), em dezembro do ano passado. Neste contexto, contou que trocou emails com frequência com a mãe das gémeas e que a dada altura Daniela Martins lhe terá dito: “A certa altura, arrogantemente – e habitualmente é muito simpática, diz que só precisa da minha assinatura, pois tem todas as outras garantidas até à ministra da Saúde.”
Quando a IGAS a confrontou com aquela declaração, Daniela Martins disse ter trocado emails com frequência com a pediatra mas disse não se recordar daquela afirmação. Os deputados deverão voltar a insistir no tema, de forma a esclarecer se houve ou não alguma intervenção por parte da ex-ministra da Saúde. Recorde-se que Marta Temido sempre negou ter tido qualquer interferência no caso.
No fim de uma entrevista à TVI, e depois de negar qualquer interferência de Marcelo Rebelo Sousa, sem saber que as câmaras continuavam ligadas, Daniela Martins disse: “Eu fui lá e dei de cara com a médica. Ela falou para mim que não ia dar [o remédio], que não tinha mandado eu ir lá. Aí a gente usou nossos contatos, né? Aí entrou o pistolão [cunha] que você falou. Conheci a nora do presidente, que conhecia o ministro da Saúde [ministra, na época], que mandou e-mail para o hospital e disse: ‘E o caso das meninas? Começaram a receber ordens superiores”.
Como chegou a Nuno Rebelo de Sousa, porque o contactou, sabia ou não que era filho de Marcelo Rebelo de Sousa, que diligências sabe que Nuno Rebelo de Sousa tomou para a ajudar?
De acordo com o que já é público sobre o caso, Nuno Rebelo de Sousa enviou um email ao pai, Marcelo Rebelo de Sousa, sobre o caso clínico das gémeas. O Presidente da República sempre negou qualquer intervenção. Agora, depois de ter sido constituído arguido no processo, Nuno Rebelo de Sousa – que ainda não se sabe se prestará ou não declarações no Parlamento – enviou ao documento ao Ministério Público no qual explica que teve conhecimento do caso das gémeas luso-brasileiras “na qualidade de presidente da Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo e da Federação das Câmaras de Comércio Portuguesas” mas reiterou que esses contactos não tiveram em vista “qualquer influência deste junto do Governo de Portugal ou dos hospitais públicos portugueses”, diz a sua defesa, a cargo do advogado Rui Patrício.
Como foi o processo para obter a nacionalidade portuguesa? Em que momento começou, quando terminou, com que ajudas contou? Por que razão procurou Portugal para obter os tratamentos para as suas filhas?
Ainda não está esclarecido porque razão os pais das gémeas procuraram Portugal para obter o tratamento inovador. Subsistem ainda dúvidas sobre se terá havido tratamento de favor também na obtenção da nacionalidade portuguesa, já que o mesma lhes terá sido atribuída em apenas 14 dias, e a mesma era essencial para que tivessem acesso ao tratamento no Serviço Nacional de Saúde (SNS). A adensar as dúvidas, recorde-se que, sobre este caso, a ex-ministro da Justiça Catarina Sarmento e Castro confirmou que o processo de concessão de nacionalidade foi tratado com “prioridade”. Porquê e a pedido de quem?