Com as atenções internacionais a virarem-se para conflito Irão-Israel, a crise sem precedentes em Gaza prossegue e as atividades das agências humanitárias estão em risco, face aos entraves impostos pelas autoridades israelitas, alertam responsáveis da ONU no terreno.

No total, segundo as Nações Unidas, mais de 33 mil pessoas morreram em seis meses de conflito, 1,7 milhões estão deslocadas e 1,1 milhões – metade da população de Gaza – em risco imediato de morrer à fome.

“Esta é uma crise sem precedentes e é uma situação completamente criada pelo homem, isto não é uma catástrofe natural”, diz à Lusa Jonathan Fowler, porta-voz da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos (ACNUR).

Em Gaza, praticamente todas as infraestruturas que permitiam as condições básicas de vida foram destruídas por bombardeamentos israelitas: não há supermercados, farmácias e quase todos os hospitais foram destruídos; os campos agrícolas foram destruídos ou abandonados à força; poços de água e armazéns com mantimentos foram também bombardeados ou estão fora de alcance da população.

Mais de 1,7 milhões de pessoas foram deslocadas e a maior parte encontra-se concentrada em campos de refugiados improvisados em Rafah, no sul da Faixa de Gaza. A maior parte das famílias vê-se limitada a apenas uma refeição por dia à base da farinha, pouca água, filas de horas para instalações sanitárias e condições insalubres que, a par da inexistência de cuidados médicos disponíveis, estão a causar o aumento de doenças como a difteria.

“Eu já trabalhei em desastres naturais, em que a ONU não consegue fazer a destruição de alimentos por causa de furacões ou estradas destruídas, mas neste caso, isto é literalmente o resultado do cerco apertado à Faixa de Gaza que faz com que a quantidade de ajuda humanitária que consegue entrar é absolutamente insuficiente para colmatar as necessidades das populações”, diz Fowler.

As Nações Unidas estimam que sejam necessários 500 camiões de ajuda humanitária por dia para ajudar a colmatar a situação catastrófica em Gaza. Atualmente, a média é de 161 por dia, diz à Lusa o representante da ACNUR.

A ACNUR, tal como as restantes organizações humanitárias no terreno, falam de restrições e impedimentos impostos pelas autoridades israelitas que impedem a ajuda de chegar a quem precisa.

Em março, Israel rejeitou a entrada de 420 camiões de ajuda, por vezes sem justificação. Entre alguns dos itens proibidos por Israel para entrar contam-se analgésicos, tendas, insulina, painéis solares ou brinquedos de criança.

As autoridades israelitas também têm impedido a entrada de equipas da Organização Mundial de Saúde, que têm como missão não só prestar serviços médicos, mas também analisar os danos nos hospitais e centros de saúde. A ONU acabou por abortar uma missão com membros da OMS para visitar o hospital de Al-Shifa, o maior do enclave, após o cerco israelita, devido a entraves impostos por Israel que incluíram a detenção de membros da equipa durante várias horas.

Jonathan Fowler descreve ainda que Israel criou uma situação de perigo e insegurança para as equipas humanitárias no terreno, antes consideradas protegidas.

No dia 01 de abril, sete voluntários foram mortos por um bombardeamento israelita. Apesar do exército israelita ter dito que se tratou de um erro, a comunidade internacional acusou Israel de um ataque propositado tendo em conta que a equipa viajava identificada, numa estrada indicada pelas forças israelitas enquanto comunicavam o seu paradeiro ao exército.

O ataque gerou uma onda de críticas e levou até a um ultimato dos Estados Unidos, após o qual Israel anunciou que iria abrir a passagem de Erez e o porto de Ashdod para permitir a entrada de mais ajuda. Mais de dez dias, depois as passagens continuam fechadas e a situação no terreno continua a piorar.

As próprias Nações Unidas contam 178 funcionários mortos durante a investida israelita, o número mais alto de sempre em qualquer conflito.

“Tudo isto reduz ainda mais o abastecimento de comida a uma população já tradicionalmente dependente de ajuda. Portanto não é preciso ser um génio para perceber porque é que isto é uma crise criada pelo homem”, diz Fowler.

Ao fim de mais de seis meses de guerra a UNRWA diz estar em risco de sobrevivência: “As autoridades israelitas dizem que não querem a UNRWA em Gaza, a agência também está sob pressão para cessar atividades na Cisjordânia”, disse o secretário-geral da agência, Phillippe Lazzarini.

No dia 12 de abril, Lazzarini disse que a UNRWA pode ter que fechar portas em apenas 30 dias. “É uma corrida contra o tempo”, disse na plataforma X.

Sem a presença da maior e mais antiga agência de apoio aos refugiados palestinianos estima-se que a fome se abata completamente sobre Gaza no espaço de um mês.

“Com vontade política, podemos aumentar a ajuda humanitária, e com vontade política podemos evitar uma fome criada pelo homem”, escreveu Lazzarini.