A democracia regrediu pelo 20.º ano consecutivo na Europa Central e Ásia Central, segundo um relatório hoje divulgado pela organização Freedom House, que destaca o agravamento do autoritarismo na Rússia e Cazaquistão e progressos na Ucrânia e Polónia.

De acordo com o relatório “Nações em Trânsito 2024: Uma Região Reordenada pela Autocracia e pela Democracia”, dez dos 29 países das regiões centrais da Europa e da Ásia em análise tiveram descidas na sua pontuação de democracia, e apenas cinco registaram melhorias, refletindo uma bipolarização de tendências em dois blocos opostos: “Os que estão comprometidos com uma ordem liberal e democrática e os que a rejeitam violentamente”.

Dos oito países classificados pela Freedom House como “regimes autoritários consolidados – ambientes onde os autocratas impedem a competição política e o pluralismo através de violações generalizadas dos direitos básicos” –, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão e Uzbequistão “sofreram quedas nas suas já péssimas pontuações de democracia” acumuladas ao longo dos últimos 20 anos nos estudos da organização não-governamental sediada em Washington.

“À medida que tais regimes fecharam o espaço restante para a dissidência e criaram condições para prolongar o seu domínio indefinidamente, também apoiaram ativamente os esforços uns dos outros para evitar sanções, esmagar a oposição interna e atenuar qualquer responsabilização por agressões militares e outras violações do Direito Internacional”, explica a Freedom House.

As pontuações dos restantes quatro países na categoria de regimes autoritários – as ditaduras da Bielorrússia, do Azerbaijão, do Tajiquistão e do Turquemenistão – não sofreram alterações, mas “já se situavam no fundo”, dizendo todos respeito à Ásia Central.

A organização assinala a continuação da invasão russa, iniciada em fevereiro de 2022, para “destruir a Ucrânia” e também a conquista militar e a “limpeza étnica” no enclave de Nagorno-Karabakh pelo regime do Azerbaijão como dois dos fatores negativos que em 2023 “aceleraram uma reordenação geopolítica nos 29 países que se estendem da Europa Central à Ásia Central”.

Para Michael J. Abramowitz, presidente da Freedom House, “os regimes autoritários estão a intensificar os seus ataques e a minar a governação democrática em toda a região”, avisando que, se as democracias não agirem com “urgência e consistência para defender os seus próprios interesses e valores” nos casos da invasão da Ucrânia e em Nagorno-Karabakh, “mais território será perdido para a ditadura e a repressão”

À lista dos dez países onde a governação democrática esteve em regressão em 2023 juntam-se também a Arménia, quatro Estados balcânicos – Sérvia, Bósnia Herzegovina, Macedónia do Norte e Montenegro – e ainda Polónia, embora seja um caso à parte.

Os autores do estudo consideram que, ainda que permaneça em território negativo, a Polónia inverteu uma trajetória de “manipulação eleitoral sem precedentes” por parte do partido que estava há oito anos no poder, o populista ultraconservador Lei e Justiça, mas que, apesar disso, perdeu as legislativas realizadas em 15 de outubro para uma coligação de oposição que fez campanha sobre “o respeito pelo Estado de Direito e pelos direitos individuais”.

A capacidade da Polónia para recuperar do retrocesso democrático “será crucial para o futuro de toda a região”, comenta o documento, que, em oposição, destaca a Sérvia, país candidato à integração na União Europeia (UE), e que regista a maior queda na pontuação deste ano.

“O declínio foi resultado de eleições fraudulentas, da captura estatal dos meios de comunicação, do enfraquecimento da autoridade dos governos municipais e de anos de diminuição da independência judicial”, justifica a Freedom House.

O relatório deste ano realça a evolução da Ucrânia, que obteve a maior melhoria na pontuação deste ano, em reconhecimento do “progresso do Governo na construção de instituições judiciais e anticorrupção e na investigação ativa da corrupção, inclusive nas forças armadas”.

Os outros quatro países com melhorias na análise global de 2023 são os três Estados bálticos – Estónia (6, numa escala de 1 a 7), Letónia (5,79) e Lituânia (5,71) –, que têm igualmente a maior pontuação na região abrangida pelo documento, e também a Eslovénia (5,79), enquanto o pior desempenho do relatório compreende o Turquemenistão (1), o Tajiquistão (1,04), o Azerbaijão (1,07) e a Rússia (1,07).

A Ucrânia é ainda o único dos 11 Estados que registou uma melhoria na categoria de países híbridos, definidos como aqueles “onde as instituições democráticas são especialmente vulneráveis, ficaram presos entre os blocos democráticos e autocráticos, com alguns numa trajetória claramente antidemocrática”.

São os casos da Hungria, Bósnia Herzegovina, Sérvia, Macedónia do Norte, Albânia, Montenegro, Kosovo, Moldova, Geórgia e Arménia, além da já citada Ucrânia.

No mapa regional da Freedom House, do total de 29 países, apenas seis entram na classificação de “democracias consolidadas” (Estónia, Letónia, Lituânia, República Checa, Eslováquia e Eslovénia) e quatro no nível de “democracias semi-consolidadas” (Polónia, Roménia, Bulgária e Croácia). Todos eles são Estados-membros da UE.

O bloco comunitário está de resto no centro das recomendações da Freedom House, no sentido do apoio a reformas consistentes com o Estado de Direito democrático.

“Os decisores políticos e os doadores devem reconhecer que muitos potenciais reformadores estão a lutar para promover mudanças significativas através de um quadro jurídico e institucional que foi fortemente danificado por anteriores governos não liberais”, afirma a organização, que sugere aos 27 a transformação desses esforços numa “prioridade estratégica”.

Outra linha forte das recomendações é dirigida aos governos democráticos sobre a situação na Ucrânia, de modo a ”sustentar e aumentar a tão necessária ajuda militar, humanitária e orçamental” a Kiev, ao mesmo tempo que “devem apreender e reaproveitar os bens russos congelados” e destiná-los à reconstrução do país e apoiar os esforços ucranianos para construir uma democracia duradoura.

Para isso, é preciso “garantir que a Ucrânia vença, nos termos da Ucrânia”, frisa o documento da Freedom Hose que publica desde 1995 o relatório “Nações em Trânsito”, avaliando o estado da democracia na região que se estende da Europa Central à Ásia Central e categoriza cada país pelo seu tipo de regime.