Economista, gestor e administrador de empresas, António Nogueira Leite foi secretário de Estado do Tesouro e das Finanças de Pina Moura, presidente da Bolsa e vice-presidente da CGD. Membro do Conselho Nacional do PSD de 2008 a 2011, é professor catedrático da NOVA e faz parte da administração da Hipoges e da EDP Renováveis.

O governo caiu. E agora?
Agora, vamos ver. Havia duas hipóteses: havendo maioria absoluta, pedir ao PS que indicasse outra pessoa dado que aceitou a demissão do primeiro-ministro (PM), ou ir para eleições antecipadas – ou um governo de iniciativa presidencial, mas conhecendo a situação e os protagonistas, incluindo o PR, não o veria tomar esse risco nem seria compreensível porque os que tivemos nos anos 70 tinham que ver com uma situação pós-Revolução que tinha particularidades, o sistema constitucional não era uma verdadeira democracia, havia órgãos com imenso poder como o Conselho da Revolução… e tudo isso foi ultrapassado. A decisão foi convocar novas eleições – e bem, a meu ver – dando ao PS tempo para se recompor e refazer a sua lista de possíveis eleitos, como fez com o PSD quando há tempos teve Rui Rio em disputa com Paulo Rangel. É uma preocupação para que não se possa dizer que não lhe foi dado tempo para preparar eleições, programas, propostas.

Esta instabilidade nacional em cima do quadro de incerteza europeu e mundial (ainda inflação, estagnação económica, subida do preço do petróleo, guerra, os juros do BCE…) pode significar o quê para Portugal?
Já estamos num ambiente de enorme incerteza, porque há uma guerra na Ucrânia, pela invasão de um país que tem revelado que talvez não tenha apenas aí as suas ambições de expansão – e desde 1945 não tínhamos projetos tão declaradamente expansionistas na Europa, o risco não acaba na Ucrânia. Temos o Médio Oriente, uma questão com muitos anos mas que está num momento de particular perturbação e com implicações nos países europeus como não tivemos antes. O conflito do Médio Oriente nunca teve esta repercussão em muitas capitais e nas principais cidades europeias e dos EUA. E do ponto de vista da preservação da estabilidade e da paz na Europa, os especialistas em Segurança deviam olhar isto com atenção. Sei que são temas que estamos proibidos pela extrema-esquerda de referir, mas deve estudar-se.

Porquê?
Porque não é normal que, por exemplo, apoiantes da Palestina e alguns declaradamente do Hamas interfiram, como se viu em Londres, com cidadãos britânicos que têm outras preferências. Estamos a atingir um nível de agressividade nas ruas e a trazer para dentro de nós um conflito que é preocupante até pela dimensão humanitária mas que não é europeu – ao contrário da Ucrânia. Devíamos refletir sobre isso libertados de toda a xenofobia, de preocupações menos positivas e olhando os factos objetivamente: a Europa para continuar a ser atraente tem de ser um sítio seguro, não pode ser o sítio para onde se faz a translação de todos os conflitos que lhe estão na proximidade. A Europa tem de ajudar a mitigar esses conflitos, garantindo a paz que é o grande projeto comum desde 1945. Devíamos estudar como ter uma Europa coesa na sua diversidade.

E Portugal?
Quanto a Portugal, estou mais preocupado – e os analistas que conhecem o país também – com as soluções que podem sair das eleições do que com a instabilidade atual. Este é um período com governo ainda em funções e que não vai destruir nestes meses o seu principal feito na perspetiva dessas pessoas, que é uma política orçamental sobre a qual eu tenho algumas críticas mas que tem a preocupação de contas equilibradas e redução da dívida. Essas pessoas estão lá e não têm mandato político para alterar a sua posição. A maior preocupação é em relação a soluções que possam vir a seguir – é a minha também enquanto cidadão e investidor. Outros temas, como o que preocupa o comissário europeu da Justiça, Didier Reynders em relação a Espanha, não se põem aqui – não temos uma questão de subversão do Estado de Direito, como Madrid, de total controlo do principal agente fiscalizador do Direito, a Fiscalía – vago equivalente à nossa PGR -, que está claramente politizada. Portugal está longe disso.

O que é então preocupante?
O que pode acontecer a Portugal mais à frente é uma preocupação legítima. E se ficar claro em determinado momento que será uma solução com risco adicional… o capital é móvel, portanto o que estava para vir pode não vir, algum que está pode sair, o fator trabalho – todo, sobretudo o qualificado – é crescentemente móvel… Por isso vejo com alguma preocupação o que pode sair desta crise. Não partilho a priori, até porque não sou tremendamente otimista (nem irritante), da alegria de algumas pessoas que conheço relativamente à possibilidade de irmos de novo escolher governo. Porque tenho receio de que o que sair seja bastante pior do que o que temos tido até agora.

Uma nova geringonça?
Não é só a questão ideológica – e a Europa não quer saber disso, podíamos ter um governo de extrema-direita ou extrema-esquerda, que apenas se determinadas coisas acontecessem se preocupava; e na questão financeira só querem saber quando se ultrapassou o ponto de podermos resolver o problema sozinhos e com custos gigantescos. Há quem diga: estamos na Europa, não há problema; não há se estivermos dispostos a sofrer sucessivos apertos da Europa. É completamente diferente de uma situação em que sejamos senhores do nosso destino.

E há risco?
Se os portugueses quiserem um governo da ala esquerda do PS com neo-comunistas do Bloco e os comunistas ortodoxos do PCP, dificilmente eles deixarão de impor a sua agenda – e têm toda a legitimidade para tal, se ganharem as eleições e tiverem maioria. Ora do meu ponto de vista, essa agenda é contrária aos interesses de Portugal e da economia portuguesa. E muita gente pensa como eu pela Europa e pelo mundo fora, muitos investidores, muitos dos criadores de emprego. Se posso criar emprego na Grécia ou em Itália, para que é que vou correr o risco de uma apropriação do resultado dos meus investimentos e do meu trabalho num regime que nem sei bem onde vai desembocar? Essas coisas acontecem. Por alguma razão, a economia espanhola, que era muito mais pujante e onde há muito mais capital do que em Portugal – aqui há a liquidez da dívida, lá há capital a sério – é o último país da zona euro a chegar aos níveis de 2019. Porque é que Espanha tem uma performance económica tão má apesar de ter tanto capital disponível de investidores espanhóis? É exatamente porque as condições de funcionamento da economia e as perspetivas quanto à segurança dos investimentos são bastante piores do que têm sido em Portugal. É completamente diferente um governo de maioria do PS presidido por António Costa ou um dos que já não são tão jovens mas foram chamados de jovens turcos com apoio dos neo-maxistas do Bloco e dos comunistas ortodoxos do PCP. Talvez tenhamos experimentado coisas parecidas, mesmo assim atenuadas, entre o 11 de Março e o 25 de Novembro. Ter isso institucionalizado por escolha dos portugueses seria uma estreia. Mas admito que não é impossível.

Fala de Pedro Nuno Santos.
Obviamente. Que é uma pessoa encantadora, mas um político perigosíssimo.

Este OE2024 recém-aprovado na generalidade tem alguma esperança de vida?
O país não morria sem aprovação do OE… e é evidente que estamos a falar de alguns meses, porque qualquer governo eleito, mais à esquerda ou da direita, não vai querer concretizá-lo.

Exceto o PS sozinho.
Mesmo sendo um PS sozinho, com Pedro Nuno Santos não vai. Vai querer ser consistente com a sua visão da sociedade e do papel do Estado. A solução posterior não será de centro-esquerda, a não ser que ganhe José Luís Carneiro no PS. Mas pelo que me dizem ser a vontade da militância socialista e dos órgãos intermédios do partido, é altamente improvável. Ora um governo de centro-direita ou de esquerda com extrema-esquerda não quererá certamente este OE. Onde vejo problemas é no PRR, porque a execução financeira está muito atrasada, há grandes problemas nos órgãos intermédios da administração pública e tem sido muito o impulso de ministros setoriais que tem ajudado a desbloquear situações para se cumprir o que foi acordado. Estou a falar de concretizar coisas já aprovadas, não de negociar pacotes. Há hoje muita gente a praticar o que o meu pai chamava de processos ativos de não decisão e isso repercute-se nas empresas.

E piora sem governo?
Deixando de haver governo, isso dura mais tempo e parte dos executantes do PRR são IPSS e associações onde estão empresas, universidades, etc. E esses atrasos podem estrangular essas organizações. Preocupa-me que os adiantamentos que privados e IPSS e até associativos fizeram ao Estado demorem agora a reembolsar. Se demorar ainda mais, pode pôr-se importantes problemas de liquidez e limitar a oportunidade de aplicar a totalidade do pacote, que terminará em 2026.

O governo da maioria absoluta, que se fez em nome da estabilidade, foi marcado por casos e casinhos, por profunda instabilidade e incapacidade de concretização de reformas ou tomada de decisões… Isto descredibiliza mais o PS ou a governação?
O problema vai além do PS, ainda que tenha estado no PS nos últimos anos porque o PS é que tem governado. Mas faço esse apelo às outras forças políticas: que tenham a certeza que os seus candidatos não vêm a ser surpreendidos da mesma maneira que foi o governo do PS. As pessoas não estão a começar a vida política e profissional agora, portanto que se faça verdadeiros exames de consciência. O escrutínio acrescido a que as pessoas estão sujeitas não vai desaparecer. E não estou certo de que este seja um problema exclusivo de algumas pessoas do PS, acho que é transversal. Há uma clara descredibilização da classe política, o que é muito negativo, mas embora os piores casos sejam do PS eu nunca tomei posição clubística nesta matéria. Todos devem examinar se estão em condições de poder candidatar-se ou ser governo. Porque o que aconteceu é muito grave e o nível de confiança da população para com os políticos já é baixo. Embora importante, na minha observação subjetiva, individual, este caso não me parece tão grave como o caso em que circulavam milhões entre empresários e amigos titulares de cargos políticos. Será muito grave a confirmar-se tudo o que se tem sabido e bombástico do ponto de vista político – e o PM tomou a atitude digna, do ponto de vista de alguém de responsabilidade -, mas se voltarmos a ter casos destes, será preciso reconstruir muita coisa.

É a falência do sistema.
Pode ser a falência do sistema.

O governo de maioria absoluta cai por um caso de corrupção. O país vai penalizar o PS por isso ou pesa mais a carga fiscal e as dificuldades que famílias e empresas vivem?
Temos de ter várias coisas em conta. Temos um país com gerações mais velhas muito pouco letradas, e isso tem consequências na sua capacidade de discernir. Temos gerações mais novas muito iletradas financeiramente e isso tem consequências nas decisões dos mais velhos e dos mais novos. Temos uma fuga dos mais capazes, que já tem uns dez anos e se tem reforçado, o que faz que o perfil sociológico dos mais novos, dos que vão e dos que ficam, também tenha consequências a nível eleitoral. Portanto, vai depender muito da capacidade de convencer os portugueses não só dos diferentes projetos como dos deméritos das alternativas. As pessoas de direita estão muito satisfeitas, mas eu depois de ver a forma como o PSD foi incapaz de lidar com os erros do ministro Pedro Nuno Santos na comissão de inquérito à TAP, que foi um passeio político para ele, estou aberto à possibilidade de tudo.

O PSD não tem conseguido chegar às pessoas?
O PSD tem uma obrigação – e a IL e outros partidos, o próprio PS – de falar claro, mas com a população que temos será muito difícil. Eu nos últimos dias tive pessoas a perguntarem-me se perderiam a pensão caso a direita ganhasse. Num país que pensa assim, em que temos este nível de desconhecimento da realidade política e do que os partidos podem e não podem fazer e estão ou não dispostos a fazer, não estou certo que possa acontecer o que seria normal – um governo cai por corrupção, é substituído por pessoas que não têm nada que ver com o governo. É preciso que o centro-direita trabalhe muito para isso acontecer. Até porque o centro-direita vai estar ensanduichado entre a esquerda toda – sobretudo com coligação com a extrema-esquerda, vai atacar o centro, ainda que tenha um discurso mais moderado e não o tremendista dos jovens turcos, que muita gente pode não estar disponível a seguir – e o Chega. O PSD e a IL vão ter de fazer um discurso que seja verdadeira alternativa e seque o mais possível o discurso radical, que é muitas vezes inconstante mas tem tido bastante adesão popular (do meu ponto de vista, infelizmente), da extrema-direita. Que tem crescido também por inépcia do centro-direita. Se se achar que, porque o PS caiu por corrupção, os outros vão ganhar de certeza, vamos ter uma desilusão – vão eles e nós, os que não gostariam de ter um governo radical à frente do país no cenário do mundo atual.

Crê que o PSD de Montenegro consegue chegar ao poder?
Eu gostaria. Dependerá da capacidade de fazer duas coisas: explicar exatamente o que pretende fazer e lutar contra a contrainformação que existe no mercado. A máquina de comunicação do PS já está a falar dos papões habituais, dos reformados, do fim dos apoios sociais, e vai criar uma narrativa. O PSD tem de criar a sua própria narrativa, capaz de anular a negativa que já está a ser feita sobre o que significa um governo PSD – que eu julgo impossível ser apenas PSD, terá de envolver pelo menos também a IL.

E com Montenegro o não a André Ventura é mesmo não?
Quando uma pessoa diz não com aquela veemência… Só alguém do PS teria o beneplácito dos comentadores para dizer não e depois que sim. Montenegro está amarrado ao que disse, porque a maioria das pessoas que fazem política comentando não lhe perdoariam. Também não vejo como é possível – e isto só me vincula a mim – ter acordos para governar com alguém que tem opiniões tão distintas ao longo do dia como o líder do Chega. É certamente uma pessoa brilhante, muito inteligente, mas que sofre de grande instabilidade opinativa. Governar nas condições difíceis em que estamos implica ter linhas mestras e segui-las, seja qual for o vento. Achando eu que vamos longe demais ao não discutir os assuntos, uma coisa é não debater, outra é ter uma opinião xenófoba das realidades que possam preocupar-me. E o Chega não tem sido capaz de ter uma opinião aceite por alguém que seja moderado como eu.

Nestes oito anos, cavou-se mais fundo o fosso na saúde, na educação, na habitação, bandeiras que o PS de Costa agitou em 2015, então com a geringonça. Pode haver alguma desilusão e acabar por se forçar uma solução em que PS e PSD tenham de se sentar à mesa e desenhar uma solução?
Não tenho nada contra. Quando houve o “tenebroso” governo de bloco central – ainda estou para saber que casos tenebrosos de corrupção tinha que não se tenham repetido depois – eu era muito novo e em parte do tempo nem estava cá. Mas ficou sempre este anátema de que os partidos ao centro não podem falar e não podem coligar-se. Podem fazer pactos de regime – que não servem para nada mas fica bem aos comentadores propor – mas a classe dos analistas políticos já liquidou essa solução. Que não acho que seja necessariamente má: depende das pessoas, da situação. Num governo do PS liderado pelo tipo de pessoas que o tem liderado (não estou a falar de qualidades mas de visão política), e num PSD, há até uma intercessão grande de políticas, o desacordo é mais fictício do que real. Isso podia ajudar a que estivessem alinhados em coisas que são importantes para o país.

Como a saúde?
Para a saúde ter paz, tem de se falar e chegar a uma solução que funcione. Se nos acantonamos uns para a esquerda outros para a direita e esvaziamos o centro, caímos no erro dos EUA, em que as alternativas de um lado e do outro são péssimas. Era bom que não matássemos o centro em Portugal, porque é de lá que vêm as políticas mais interessantes. Quando eu digo isto nas redes sociais, sou imediatamente atacado por extrema-esquerda e extrema-direita – é o centrão, são os negócio… como se eles não os tivessem, como temos visto na extrema-esquerda, ou não tivessem propensão para tal, como acredito que será o caso na extrema-direita. O país não está mal por causa do centro mas por causa de más políticas. Porque é que a Alemanha é um país tão desenvolvido? Ou a Suíça, ou os nórdicos? Foram conduzidos ao centro. Pôr o anátema do pântano nos moderados porque alguns criaram situações pantanosas, é fácil de fazer mas também de desmontar. Por isso, era bom haver diálogo, mesmo com as pessoas a trabalhar isoladamente. E isso é muito mais possível com alguém com a personalidade de Pedro Nuno Santos do que com os seus compagnons da extrema-esquerda, que têm uma visão confrontacionista com o resto do país, que não gostam das instituições europeias, que conseguem ter em simultâneo um discurso pró e contra UE, que questionam o nosso papel na NATO… Sánchez tem dito tudo e o seu contrário sobre o papel de Espanha na NATO mas o que vai ser cá com a extrema-esquerda no governo?

Mas tendo em conta os temas que preocupam as pessoas – saúde, habitação, educação – é possível resolver os problemas mantendo a dependência que temos dos OE, em que nada se decide a longo prazo, e a incapacidade de criar uma maioria ao centro?
Por isso é que tenho medo e não estou eufórico com isto. Os problemas vão agravar-se, a demografia joga contra nós. O SNS, se o mantivermos sem reformas importantes, não se resolve com aumentos aos médicos, que obviamente é importante para o funcionamento a curto prazo mas não resolve o fundamental… E não há o gestor mágico – uma coisa é o São João, outra gerir um sistema complexo e gigantesco, é incomparável. E a demografia vai prejudicar-nos e criar um problema adicional do ponto de vista social, que não tem sido resolvido apesar de não estar muito visível, que é o que fazer com as gerações mais velhas, que sofrem em silêncio porque não temos apoio à terceira idade, nomeadamente aos superséniores. Aqui as pessoas não têm todas acesso a lares dignos…

A maioria não tem.
A maioria não tem, as famílias têm dificuldade em cuidar delas, os preços são muito caros para as pessoas, o Estado não tem resolvido nem tem ajudado a resolver e muitas vezes as instituições também não são capazes. Não podemos achar que todas as IPSS – que ajudam, e muito – são paradigmas de boa gestão. A isto acrescenta-se as baixas reformas que quem se vai aposentar vai ter por comparação com os que se reformaram até agora. O enquadramento é muito difícil, de degradação, e não se resolve só com dinheiro. Basta ver o SNS, que se aplicarmos o OE em vigor vai crescer 70% na despesa entre 2015 e 2024. E está melhor? Não, até está pior. O SNS não é sustentável, e tem de ser um pilar central e não acabar – que é o que vai acontecer se nada se fizer – como o sistema a que só acede quem é pobre e ficar doente passa a ser a forma mais rápida, até para quem tem dinheiro, de se descapitalizar. Precisamos de uma solução integrada, mas é preciso discuti-la e não vejo ninguém falar disso de forma credível, com projeções a médio e longo prazo consistentes; andamos sempre em análises parciais. Eu não posso gastar mais 70% a cada oito anos e para ficar pior. Depois – e aqui todos os governos têm culpa -, o Estado tem de ser reformado. Não podemos ter as escolas geridas como são, ter os professores a comprar luzes para os projetores sob pena de terem de esperar três meses porque a escola não tem dinheiro. O dinheiro que gastamos na educação pública tinha de dar origem a professores mais satisfeitos e a instituições a funcionar melhor. Mas para isso era preciso fazer uma gestão de carreiras muito mais aproximada do desempenho e do interesse e menos da simples passagem do tempo. Nós temos um regime militar: a idade é um posto e as pessoas vão sendo promovidas porque ficam mais velhas. Há pessoas muito novas muito boas que devem poder avançar mais depressa e outras mais velhas que não devem. E temos de acabar com o que não é útil e reforçar o que é preciso – não é o Estado fazer menos, mas melhor. Se continuarmos a empurrar com a barriga, vamos ter níveis de impostos altíssimos e serviços públicos baixíssimos. Isso não se resolve com ideologia.

A discussão tem estado limitada.
Eu vejo muita ideologia e pouca análise técnica, estratégica e prospetiva sobre o que há a fazer. E isso implica diálogo com a sociedade civil, com aqueles que não dizem ao governo o que ele quer ouvir – alguns consultores até conseguem dizer uma coisa aos governos de direita e outra aos de esquerda (seria uma indelicadeza citar nomes…). E depois, muitas das forças vivas em Portugal dependem do Estado, o que também é um problema. Que associação ou IPSS é totalmente independente do Estado? Talvez a Misericórdia de Lisboa pudesse, mas não é – oxalá o consiga agora, sendo bem gerida. Há algum progresso porque o PS de Costa percebeu que sem Finanças responsavelmente geridas não temos sequer hipótese de gerir o curto prazo, mas falta o longo prazo, as reformas que ninguém tem querido fazer.

O que vai acontecer a dossiers como a TAP e o novo aeroporto?
Eu gostava que a TAP deixasse de ser uma preocupação; vejo com bons olhos a privatização e se tivermos um governo de centro-direita acho que vai acontecer. Mas alguma vez um governo de extrema-esquerda vai privatizar a TAP? Tinha de dar uma enorme cambalhota. O destino da TAP depende de quem ganhar o PS – e eu acho que vai ser a via mais à esquerda. E a direita também tem de rever o discurso, porque esta ideia de que eu vendo uma empresa definindo a estratégia com quem comprar não existe, não haveria interessados. A TAP tem de ser vendida pelos seus aspetos positivos, sabendo-se que tem outros menos positivos. O hub de Lisboa é importante para Portugal, mas vendendo a TAP ele só importa para quem a comprar, essa análise não depende de quem vende. Quanto ao aeroporto, gostaria que se fizesse num sítio central – expandindo este ou com um conjunto de aeroportos que assegurasse que não se perde a vantagem competitiva que temos, estando no extremo da Europa, de ter um aeroporto perto do centro da cidade. Isso é importante para quem vem trabalhar e fazer investimentos do centro da Europa, e para o turismo. Sobre como se faz, sou agnóstico, desde que não se gaste imenso num elefante branco. Mas eu tinha 6 anos quando se lançou o primeiro projeto; não sei se, mesmo vivendo tanto como a minha mãe, que é nonagenária, verei o novo aeroporto.

Olhando para a inflação, como analisa os apoios do governo?
Estão bem quando focados, são menos apropriados quando generalizados. Por exemplo, não sou fã do IVA zero porque beneficia muita gente que não precisava – percebo, num país em que há pessoas muito pobres, que se faça uma política focada em quem mais precisam, como o adiamento de juros, algum apoio a famílias mais pobres para que tenham um mínimo de dignidade. A partir do momento em que passamos daí, estamos a avançar em sentido contrário à política monetária e a desperdiçar dinheiro em quem não precisa.

Como viu a última decisão do BCE, de não aumentar as taxas de juro?
Era esperada. Depois da redução do crescimento da Alemanha e da situação internacional, há que esperar para ver se ainda é preciso aumentar taxas de juro. Eu espero que não, mas até agora o BCE tem estado a fazer o que tem de ser, porque para travar a inflação há que reduzir a procura agregada. E fazê-lo com medidas de politica económica é sempre doloroso para alguém. Neste momento é-o para nós, mas ter uma inflação descontrolada e vir a resolvê-la mais à frente seria muito mais duro, como sabemos dos livros e do passado. Por isso não estou em desacordo com o BCE – acho que começou um bocadinho tarde… depois acelerou, por isso dói tanto.

Muitos criticam – mesmo dentro do governo e no Banco de Portugal – as subidas da taxa de juro. Como estaria a inflação se não tivessem sido tomadas essas decisões?
Não é possível calcular. Podemos ter uns palpites, estaria necessariamente mais alta, mas não se deve perder tempo com isso. O modelo do BdP é ótimo mas também dizia em janeiro do ano passado que não havia nenhuma perspetiva de um surto inflacionista… e é de facto um bom modelo. Mas é óbvio para qualquer economista que esteja a falar de economia, não política, que uma procura agregada a crescer mais, com menos restrições do que as criadas pela política monetária, tínhamos necessariamente mais inflação. E o problema seria não conseguirmos controlá-la sem medidas drásticas. Esta não é uma medida drástica – é dolorosa apenas…