A pandemia de covid-19, a crise económica, a seguir a guerra provocada pela invasão russa da Ucrânia e a crise inflacionista, combatida com o mais rápido agravamento das taxas de juro em 40 anos, condicionaram as propostas políticas iniciais da anterior legislatura. O mundo mudou muito e os desafios que agora se colocam também se alteraram ou exigem uma resposta mais efetiva da União Europeia (UE), numa legislatura que se acredita decisiva.

“A UE encontra-se numa verdadeira encruzilhada cheia de desafios e obstáculos, mas também com oportunidades para atingir os seus objetivos”, diz Carlos Morgado Braz, coordenador da licenciatura em Relações Internacionais da Universidade Europeia. “A situação atual tem muitas semelhanças com o que a Europa vivia há exatamente um século, incluindo a guerra, uma pandemia e um mundo em mudança”, acrescenta.

São diversas aprovas a enfrentar, da competitividade da economia europeia à autonomia da produção, à promoção a investigação e às transições digital e energética. Entre os desafios que se colocam, destacamos quatro, que estão interligados, que traduzem, em alguns casos, o aprofundamento de situações que já vivemos, que vão marcar a próxima legislatura europeia e, também, moldar o futuro da experiência comum europeia.

 

Segurança e Defesa

A guerra na Ucrânia levou a Europa a um acordar sobressaltado para a necessidade de ter ferramentas para garantir a sua integridade e proteger os seus interesses. “A UE habituou-se à ideia de que dispunha de uma fronteira de segurança, a NATO, e que o chapéu protetor dos Estados Unidos era suficiente para garantir a segurança europeia, com o consequente desinvestimento na defesa por parte da maioria dos estados-membros”, afirma José Filipe Pinto, professor catedrático da Universidade Lusófona e especialista em relações internacionais. “Este é o maior desafio que se coloca à comunidade”, enfatiza.

A questão é saber como vai ser concretizada esta mudança no sentido de uma aposta na segurança e defesa. Com a guerra, a Alemanha mudou de paradigma, comprometendo-se com um investimento de 100 mil milhões de euros para a modernização das forças armadas, que Berlim pretende que estejam prontas para entrar em combate. Foi um sinal, mas não está definido, em termos europeus o que acontecerá. “Não existe uma posição consensual sobre a questão, com [Emmanuel] Macron a insistir na formação de um exército comum europeu e outros líderes europeus a defenderem à criação de uma força de intervenção rápida”, diz José Filipe Pinto.

Morgado Braz acrescenta que a autonomia e a segurança contra as ameaças “híbridas, cibernéticas e FIMI [manipulação e interferência externas]”, nomeadamente as relacionadas com os ciclos eleitorais, também estarão na agenda.

A promessa de investimento em defesa passa, também, por ser satisfeito o compromisso de destinar 2% do produto interno bruto à defesa, no quadro da NATO, ainda que parte do desafio seja saber como se articula a renovada posição europeia com a Aliança Atlântica. “É detetável a indefinição na forma de articulação desses elementos com a NATO”, diz Pinto.

E mantém-se a guerra na Ucrânia como pano de fundo, cuja abordagem constituirá um teste para a União. “Será um assunto particularmente contencioso em duas dimensões: custo económico da guerra vai ser um assunto politicamente delicado e que criará fissuras na próxima legislatura e não será igualmente simples manter o apoio inabalável ao regime de sanções que têm tido um impacto grande nas economias de países como Grécia, Bulgária, Roménia, Finlândia, Bélgica ou Países Baixos”, alerta Tiago André Lopes, professor de Diplomacia da Universidade Portucalense.

Alargamento

O desafio do alargamento da UE, um processo em que estarão envolvidos nove países e que é visto, como disse recentemente o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, como a “pedra angular” da “estratégia de soberania” europeia, e, com alguma consistência, como uma questão de segurança e defesa.

Albânia, Bósnia-Herzegovina, Macedónia do Norte, Montenegro, Sérvia, Turquia, Moldova e Geórgia são oficialmente candidatos à adesão. A Ucrânia, em guerra, também. E um décimo país, o Kosovo, quer ser elegível, mas não é reconhecido por cinco estados-membros. O grande alargamento – com 10 entradas – foi há 20 anos e este quer-se concluído até 2030, ou seja, será construído na próxima legislatura.

“Face ao elevado número de países já com o estatuto de candidatos ou que já manifestaram vontade nesse sentido, a UE pode ver crescer não apenas os seus limites geográficos, mas também as suas fraturas internas”, alerta, no entanto, José Filipe Pinto. “Entre o aprofundamento, passível de conduzir a um melhor conhecimento recíproco e à consolidação de uma identidade europeia, e o alargamento a novos membros, a opção tem ido no sentido de aumentar a dimensão demográfica e territorial da União Europeia. Porém, há que ter em conta que a unidade na diversidade não vai ser fácil, face às enormes assimetrias a vários níveis – político, económico, cultural e social – entre vários desses candidatos e as realidades da UE”, acrescenta.

Cada um dos países será um caso concreto, a começar pela Ucrânia invadida pela Rússia. Depois, Estrasburgo e Bruxelas terão de decidir se Macedónia do Norte e Albânia podem avançar antes da Ucrânia estar em condições, o que fazer em relação ao processo da Turquia qual a matriz negocial com a Moldova ou com a Bósnia-Herzegovina ou, ainda, qual a abordagem à Geórgia.

Dentro deste acresce o outro desafio, que é a reforma da própria UE para que possa acomodar mais membros sem se afundar na paralisia, ficar refém de estados ou da tecnocracia europeia. “O alargamento deverá acontecer após um processo de reformas institucionais que levarão a discussões políticas e ideológicas que oporão as três visões: os eurocéticos; os federalistas e os soberanistas comunitários”, diz Tiago André Lopes.

Imigração

O desafio da imigração, a que a UE tem tido dificuldades em dar resposta, como demonstra o caos humanitário nas fronteiras mediterrânicas e, também, o crescimento do populismo extremista, está interligado com outro desafio premente, o da resposta ao inverno demográfico, que constitui “uma ameaça para a manutenção do nível de vida [europeu], face à redução da força de trabalho devido ao envelhecimento da população, por conta do aumento da esperança de vida e da redução das taxas de natalidade e fecundidade”, como aponta o professor da Lusófona.

A UE endureceu agora as regras de acesso ao espaço da União, mas Tiago André Lopes aponta que o novo Parlamento Europeu ainda terá um papel a desempenhar. “Terá de optar entre uma matriz mais humanista e cosmopolita, ou uma lente mais protecionista e exclusivista”, diz, antevendo um embate por causa fluxos migratórios vindos do Norte de África, da Ásia do Sul e do Médio Oriente, pelas “questões identitárias que levantam”.

Geopolítica

Interligando todos os desafios elencados, incluindo os da competitividade da economia europeia e das transições digital e energética, está a questão do papel que a UE pode desempenhar no palco internacional.

O quadro geopolítico mudou com a pandemia de covid-19 e a invasão da Ucrânia pela Rússia, que ambiciona recuperar relevância internacional, e com a China, que pretende afirmar politicamente o seu poder político, depois de ver reconhecido o económico, e está a reforçar a capacidade militar.

“A UE tem assumido um papel subalterno enquanto membro da Ordem Liberal, aceitando a hegemonia norte-americana, algo que vem desde o fim da II Guerra Mundial. No entanto, a afirmação de duas outras ordens – a Ordem Eurasiana, liderada pela Rússia, e a Ordem da Rota da Seda, comandada pela China – e o previsível surgimento de uma Ordem Islâmica, bem como a crescente aposta dos EUA no Pacífico como seu destino manifesto, obrigarão a UE a uma alteração estratégica se quiser vir a desempenhar um papel relevante na nova ordem mundial”, avisa Pinto.

Claro que a resposta a isto terá de ser articulada, primeiro, internamente, ao nível político, o que não é fácil, tendo em conta os diferentes interesses externos de cada um dos estados-membros, mas também em termos institucionais, para que os processos possam ser eficazes.

“Vão exigir à futura liderança uma atenção acrescida – e habilidade! – para saber conduzir os destinos da UE”, reforça Carlos Morgado Braz.