Fala-se muito de como poucos americanos queriam ver Joe Biden e Donald Trump, dois octogenários, como os únicos candidatos realistas à presidência dos Estados Unidos. Mas, quase que inevitavelmente, aconteceu de novo. Assumindo que quem quer que ganhe a 5 de novembro cumpre o mandato até ao fim, os EUA de janeiro de 2017 até janeiro de 2029 terão sido liderados por estes dois homens.

Porque é estes dois homens, apesar de todos os seus defeitos, tornaram-se presidentes do país mais poderoso do mundo? O seu carisma e instinto político são as principais razões.

Comecemos por rever a história de vida destes candidatos e como isso moldou o seu carisma.

Ambos nasceram na década de 1940, e com ascendência da Europa Ocidental (Biden tem ascendência sobretudo irlandesa, em menor medida inglesa e francesa, Trump tem raízes alemãs pelo lado do pai e uma mãe imigrante escocesa). Biden é católico e Trump é presbiteriano (uma espécie de protestante calvinista) pouco praticante. Os dois abstêm-se de beber álcool, por terem visto demasiados alcoólicos na família, como o caso do irmão mais velho de Trump, Freddy Jr, que morreu jovem devido à bebida. A ligação que cada um tem com a família é essencial para os compreender. Trump seguiu a profissão do pai, e teve a ajuda deste para se tornar um dos maiores magnatas do imobiliário de Nova Iorque e não só. Trump casou-se três vezes com diferentes modelos e uma atriz, duas delas, como Melania Trump, oriundas da Europa de Leste, gerando uma larga descendência, três filhos e duas filhas, dos 46 aos 18 anos, todos muito ligados e leais ao pai, ajudando-o no mundo dos negócios, do entretenimento e também na política.

Biden também teve mais do que uma mulher, mas não foi por se ter divorciado, foi por que ficou viúvo em 1972, quando estava prestes a entrar no Senado, aos 30 anos. Num acidente de carro, morreu a mulher, Neilia, e a filha, Naomi, os dois filhos, Hunter e Beau, ficaram gravemente feridos. Apesar da tragédia, o jovem Joe Biden não desistiu da política. Criou os filhos como pai solteiro, e em 1977 casou-se com a atual primeira-dama, Jill, e teve uma filha, Ashley. Ao longo das décadas tornou-se dos membros mais influentes do Senado, e candidatou-se a presidente em 1988 e novamente em 2008, sem sucesso nas primárias democratas, embora na última vez tenha-se tornado o candidato a vice-presidente de Barack Obama, algo que foi crucial para na sua terceira tentativa, em 2020, conseguir derrotar Trump e tornar-se de vez presidente. A empatia, reforçada em grande medida pelas experiências de perda que teve ao longo da vida, como a do filho Beau Biden para um cancro, justamente quando ponderava se devia enfrentar a secretária de Estado e ex-primeira dama Hillary Clinton na luta pela sucessão a Obama, e pelas dificuldades financeiras e a gaguez que teve durante a infância. Até para muitos críticos, Biden é visto como um homem profundamente genuíno, empático e bom. Nesta versão mais idosa, Biden e a sua campanha têm apostado em mostrá-lo como um avô competente, sábio, bem-disposto e sobretudo, boa-pessoa, capaz de ouvir os seus constituintes, e dar-lhes conselhos de como, por exemplo, superar a gaguez ou a perda dum ente querido. Desde que a equipa de Biden o pôs no Tik-Tok, as parcerias com influencers têm disparado para mostrar os vários lados do carinhosamente apelidado Uncle Joe. Ganhar a campanha nas redes sociais é uma prioridade para a equipa de Biden. No X, antigo Twitter, até tem a vantagem de Trump continuar sem o usar, embora os seus tweets, cuidadosamente feitos pela sua equipa de online, raramente terem o humor e originalidade dos tweets de Trump. Porém a equipa de Biden tem sabido aproveitar memes sobre si, como o Dark Brandon, um alter-ego de Joe Biden baseado em imagens de propaganda chinesa e da frase “Let’s Go Brandon”, usada para ofender o presidente, e o seu amor por óculos de sol Ray-Ban e gelados, para mostrar uma imagem de Biden fixe, com sentido de humor, poderoso e jovial.

Por sua vez, Trump, é um mestre do entretenimento, dos jornais e revistas-cor-de rosa à televisão e às redes sociais, Trump não era das pessoas mais famosas do mundo bem antes de ser presidente, já nos anos 80 e 90, por nada. Enquanto Biden estava no Senado, Trump tornava-se bilionário do imobiliário, vendia livros de negócios, aparecia nos tabloides devido a sua extravagante vida amorosa, e sobretudo a partir dos anos 2000 com o seu reality-show The Apprentice, aparições na WWE, programas de comédia, etc, Trump tornou-se dos homens mais populares e amados da América, por muito controverso que já fosse, em camadas tão diferentes da população como americanos rurais, minorias étnicas (muito fãs do programa The Apprentice), e até liberais que hoje o detestam. Até que se decidiu assumir como conservador e republicano e foi-se tornando uma figura mais divisiva.

Mas mesmo divisivo, sobretudo após começar a questionar o local de nascimento de Obama e ter-se candidatado à presidência numa lógica populista, reacionária e anti-imigração, tem de se reconhecer um enorme sentido de humor e criatividade em Trump, com os seus discursos a parecerem espetáculos de stand-up, e os seus posts irreverentes nas redes a gerarem expressões icónicas como “many such cases” “covfefe” e “so sad”. Quando contacta com o povo americano, sobretudo em pessoa e com as classes trabalhadoras, Trump consegue mostrar uma empatia e uma aura de figura mais interessante da sala únicas. A sua experiência a lidar com pessoas muito diferentes, do jet-set liberal nova-iorquino ou de Hollywood, às pessoas de origens muito variadas que trabalharam ou se cruzaram com ele, à sua imagem do rico alfa, com mulheres, grandes casas, gostos comuns, que os pobres e menos instruídos gostariam de imitar, para os americanos que se sentem esquecidos no interior, no campo e nas cidades desindustrializadas, tudo isto o ajudou a derrotar os establishments republicanos e democratas e ter já ganhado mais votos para presidente ao todo do que qualquer outra pessoa (mais de 137 milhões de votos.

Biden conseguiu ganhar a Trump por ter mais carisma e popularidade do que Hillary Clinton, e por Trump ter gerido mal a Covid. Mas em 2024, os americanos parecem ter esquecido o caótico e terrível 2020 pandémico e lembram-se mais do bom dos anos Trump do que do mau, e os anos 2017-2019 foram bons para a América, enquanto Biden é impopular, visto como incapaz de controlar a inflação e a situação internacional. Enquanto Trump continuar a ser perdoado e mais bem visto por cada vez mais americanos, incluindo muitos que votaram em Biden, e são de minorias étnicas ou jovens, Biden continuará numa posição difícil. Trump que não foi presidente nestes últimos anos pode voltar a parecer o que os diferentes votantes quiserem, ser o mais pró-Israel ou pro-Palestina, por exemplo. Os carismas e instintos políticos são tão ou mais importantes que as ideologias ou o que se fez enquanto se governou. Vamos ver qual dos tipos de carisma ganhará as eleições de novembro.