O tema da crónica de hoje parte de uma experiência profundamente pessoal, mas, em desabafos íntimos, cheguei à conclusão que é um problema com raízes mais profundas do que a psique e que urge falarmos sobre.

Desde que me lembro que a grande fonte das minhas angústias e ansiedade é o sucesso académico e profissional. Nunca consegui levar o percurso escolar, e recentemente o profissional, com ligeireza. Associava – associo, não quero enganar ninguém – sucesso escolar com o meu sucesso enquanto ser humano. O método quantitativo resultava para mim: dava-me paz à noite saber que a minha abdicação constante, quase estóica, da minha imprudência jovem trazia um resultado que conseguia ver, prova palpável de que essa renúncia trar-me-ia uma vida despreocupada num futuro não muito distante. Perdida num mar de ambição, caí num quadro de transtorno de ansiedade.

A minha história confunde-se com a de milhares de colegas meus. Já sabemos. Somos a geração com mais transtornos mentais, houve uma banalização importante a fazer sobre os quadros sintomáticos. Ter um transtorno mental no século XXI é um infortúnio, mas, acima de tudo, uma oportunidade fantástica de caracterizarmo-nos como hiperconscientes, uma figura relatable por ser falível, mas apenas na medida do estrito necessário, que não se interponha entre nós e a sociedade. Foi quando senti a minha ansiedade a interpor-se entre mim e a sociedade que percebi o quão manipulado é o discurso da saúde mental, ao colocarem o enfoque no indivíduo e não nas condições sociais que o atiram para esse lugar escuro.

Num clima político e económico agreste – e é objetivamente mais agreste, mesmo que a geração passada não concorde –, as esperanças de ter sucesso são mais reduzidas e é maior a pressão no indivíduo. Não bastam já as qualificações, é necessário um pitch. Até eu a escrever estas crónicas sinto que falho em ser facilmente marketizável, sendo o meu pitch um aglomerado difuso dos temas que inevitavelmente me afligem enquanto jovem de 21 anos (I am large, I contain multitudes).

Afligem-se então que somos uma geração com muitos transtornos mentais, mas já ninguém fala do problema de fundo: não conseguimos libertar-nos da ansiedade que o Ensino Superior nos traz, porque o elevador social da educação é a única coisa que nos resta, quando o mercado de trabalho é tão absurdamente competitivo e um qualquer trabalho já não paga as contas. Temos de ter um trabalho a sério e ser uma pessoa a sério. Sinto que não nos dão muito mais possibilidades de modos de vida considerados igualmente dignos.

É aqui que entra o conceito do “jovem prodígio”. Um jovem ser considerado prodígio implica necessariamente que os outros não são, por não terem algo que o outro tem. A questão que deixamos de fora na equação – quando debatemos os “jovens prodígios” e a “geração do futuro” – é que a representatividade jovem já é inevitavelmente enviesada.

Aqueles que têm o luxo do ócio são os que mais rapidamente produzem algo que eventualmente se repercute na sua exposição mediática. Quem tem o luxo do ócio é quem pode dar-se ao luxo de reprovar um ano na faculdade para se focar num projeto pessoal, porque a propina não dói no final do mês e desde cedo teve horizontes mais largos que a educação como única escapatória possível da sua condição existencial.

Não há condições para ser “jovem prodígio” e refletir sobre as grandes questões da humanidade quando se tem uma família disfuncional aos gritos na divisão ao lado. Se alguém parece ter tudo – a relação amorosa, os resultados académicos, um projeto pessoal a levantar asas –, provavelmente é porque, mais do que ter um it factor fora de série, tem um sistema de apoio que muitos não têm o luxo de ter.

Esta é uma reflexão necessária para reavaliar a forma como olhamos para nossa geração, em vez de ignorar as nossas chamadas de atenção com o clássico “tens é inveja”. Dizer que se trata, pelo menos exclusivamente, de inveja é fazer uma leitura errada da raiva sobre um problema sistémico. Libertem-nos da competição do “jovem prodígio” e tudo o resto, como se tratasse de mérito óbvio, quando esse provavelmente nem será o fator mais importante no sucesso do “jovem prodígio” e no insucesso dos outros.

Apesar de em abstrato ser fácil dizê-lo, em concreto é difícil não nos libertarmos da culpa que já todos sentimos por estarmos de algum modo atrasados nesta corrida que é a vida, quando comparados aos nossos pares. Mas, se fizermos algo sobre isso, os sintomas que andam a grassar a minha geração – a ansiedade e a depressão – diminuirão consideravelmente, não tenho dúvidas. O único problema é que, para resolver a raiz do problema, seria preciso questionar todos os axiomas da sociedade do séc. XXI: a meritocracia e o capitalismo. Não é então surpreendente que se ponham remendos nos sintomas, porque atacar o problema de fundo seria demasiado perigoso, demasiado existencial.

Estudante de Direito na Faculdade de Direito da Universidade do Porto