O lobbying não se confunde com o tráfico de influências. Mas em países que insistem em manter as águas turvas, em lugar de clarificar quem o pratica, em que circunstâncias pode fazê-lo e que tipo de relações estabelece com os órgãos decisores, continua a ser tomado como uma atividade obscura. 

A lei de lobbying está prometida nos programas eleitorais desde pelo menos 2015. Mas quase uma década passada, essa regulamentação “continua pendurada no Parlamento desde 2019”, vinca a Transparência Internacional Portugal, apontando que há sempre “novas desculpas para manter o diploma na gaveta”. “Andamos há anos nisto e se não se regulamenta é mesmo por falta de vontade política”, garante ao NOVO Maria Domingas Carvalhosa, presidente da APECOM – Associação Portuguesa das Empresas de Conselho em Comunicação e Relações Públicas.

Sendo uma das pessoas que em Portugal tem assumido a dianteira nesta luta, a responsável é mesmo capaz de traçar uma linha cronológica de engulhos que têm vindo a impedir os avanços necessários. “Sempre que alguns tinham vontade de avançar, outros impediam-no.”

Foi assim quando José Sócrates travou o ímpeto do PSD então liderado por Passos Coelho, mas também quando o PS de António Costa queria avançar e foi travado pelo PSD de Rui Rio, conta ao NOVO. “E quando, em 2021, parecia finalmente haver uma conjugação de vontades para avançar com a regulamentação, houve uma viragem de última hora e os socialistas acabaram por nem sequer votar a lei.” Até o Presidente da República tem nisto responsabilidades, uma vez que travou a regulamentação que lhe chegou em 2019 e que vetou sobretudo por “não prever a sua aplicação ao Presidente da República”.

Para Domingas Carvalhosa, a Operação Influencer é bem ilustrativa das razões que têm levado os deputados a adiar uma decisão de regulamentação. “Se ela existisse, Lacerda Machado nunca poderia registar-se como lobista, porque o seu trabalho com gabinetes do governo constituiria uma incompatibilidade”, explica ao NOVO. É uma questão de transparência. E que toca com particular relevo os advogados. Ironicamente, esses profissionais têm sido sempre deixados à margem das tentativas de regulamentação ensaiadas. “Em Bruxelas, as coisas são claras: os advogados que exercem advocacia não têm de registar-se, os que trabalham em atos de influência têm. É fundamental que seja assim e gostava de ver a bastonária dos advogados pronunciar-se sobre este tema”, desafia.

Ainda assim, para a especialista, talvez a Operação Influencer, que acabou por levar à queda o governo, tenha sido a gota de água que fez transbordar o copo e vai finalmente forçar a regulamentação da representação de interesses. Mesmo porque eles existem, públicos e privados, e o Estado nem sequer pode legislar bem se não conhecer os interesses que estão em causa.

“Em todos os processos existem trocas de informações que podem existir em transparência” mas, sem regulamentação que as balize e identifique os seus agentes, “tudo é visto com estranheza”, admite a especialista. É essencial regulamentar para que se possa ver exatamente que relacionamentos existem, que trocas de informação houve e que interesses estão identificados, para que não restem dúvidas quanto à ética e seriedade das decisões tomadas. “Só tendo o enquadramento dos interesses privados pode o Estado legislar e tomar decisões informadas e boas”, resume Domingas Carvalhosa, entendendo que a clarificação constitui uma defesa quer para as entidades públicas quer para os representantes políticos, cuja credibilidade está mais em causa do que nunca.

Mas não basta criar a lei. “É preciso ter capacidade para a pôr a funcionar e fiscalizar o seu cumprimento”, adverte a especialista. Entendendo porém que, a partir do momento em que a lei do lóbi exista, será muito fácil identificar quem estiver a trabalhar à margem dela. “E desculpas como ‘foi só um almoço de amigos’ deixarão de colher”, vinca.

Artigo publicado na edição do NOVO de dia 18 de novembro