O número de migrantes irregulares que chegaram à União Europeia (UE) cresceu 67,2% no ano passado, face a 2022, para 255,33 mil, de acordo com os dados compilados pela Frontex, a agência europeia responsável pela gestão da cooperação nas fronteiras externas, e do Ministério do Interior de Espanha. Os dados da Organização Internacional das Migrações, que incluem os Balcãs, atiram o número de chegadas para 281,43 mil. Nos dois casos é a contabilização mais elevada desde 2016, o ano a seguir ao pico da migração para a Europa, em 2015, quando ultrapassou o milhão de pessoas, na sua maioria em fuga da guerra na Síria.

Os dados dos serviços da UE indicam que foram emitidas 3,7 milhões de novas autorizações de residência nos 27 Estados-membros em 2022, último ano para o qual há registos públicos, um aumento de 27,5% face a 2021, excluindo o afluxo de deslocados em consequência da guerra provocada pela invasão russa da Ucrânia, que se julga serem mais de 6 milhões. Em 2019 foram emitidas 3 milhões de autorizações.

Os pedidos de asilo aumentaram 52%, para 875 mil, também em 2022 face a 2021.

Ainda segundo os dados do Eurostat, a 1 de janeiro de 2022 residiam 23,8 milhões de cidadãos de países terceiros na UE, representando 5,3% dos 447 milhões de habitantes. Incluindo os que já têm cidadania de um dos 27 Estados-membros, residem na UE 38 milhões de pessoas nascidas em países terceiros, representando 8,5% da população.

Três quartos dos migrantes vivem na Alemanha, Espanha, França e Itália, os quatro países mais populosos da UE.

É este quadro que faz com que o tema da imigração seja incontornável na política europeia, porque cria focos de tensão, internamente, nos Estados, pela pressão nas sociedades para acomodar os migrantes que chegam, mas também entre os diferentes países, por causa da exposição diversa que têm aos fluxos migratórios.

A tensão foi visível na negociação do novo Pacto de Migração e Asilo da UE, que durou três anos, até o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia terem chegado a um acordo, em dezembro, que se traduzirá em cinco atos legislativos interligados que redefinem as regras para receber, gerir e relocalizar coletivamente a chegada irregular de migrantes.

Finalmente, um pacto

O pacto tem ainda de ser ratificado por cada um dos Estados-membros, mas já foi alvo de críticas de organizações humanitárias, que apontam o risco de normalização das detenções em larga escala e de reenvio dos migrantes de volta para países onde enfrentam violência e perseguição.

“O recente Pacto de Migração e Asilo da UE evidencia, além de uma vontade da Comissão Von der Leyen e da presidência espanhola do Conselho da UE de mostrar serviço, uma necessidade das lideranças europeias de combater a crescente popularidade das plataformas anti-imigração em toda a Europa”, diz ao NOVO Jorge Botelho Moniz, diretor de Estudos Europeus na Universidade Lusófona.

Aos períodos eleitorais, em que as questões relacionadas com a imigração se tornam mais visíveis, acresce a tensão entre países, numa linha que divide o sul europeu, mais expostos às rotas migratórias, e o norte, afetado enquanto destino final.

“Tensão existe e tem sido uma constante nas relações entre Estados-membros e entre eles e a UE. Há espaço para que a tensão escale, especialmente em contexto de campanha eleitoral europeia, mas não acredito que possa haver uma fratura total. Recordo que as políticas sobre imigração, asilo e controlo de fronteiras são uma competência partilhada entre os Estados-membros e a União. Por isso, será sempre necessária cooperação e coordenação mínima”, refere Botelho Moniz. “A aprovação do Pacto Europeu para a Migração e o Asilo é, pelo menos, uma forma comum de institucionalizar o conflito e tensão permanente entre os Estados-membros. Os países do sul da Europa ganham um procedimento de asilo mais rigoroso nas suas fronteiras externas e somam mais poderes para deportar os requerentes de asilo rejeitados. Os restantes Estados-membros que não se encontram na linha da frente têm a possibilidade de escolher entre aceitar um determinado número de migrantes ou contribuir para um fundo comum da UE”, acrescenta.

A necessidade que os Estados sentem de responder às questões colocadas pelos fluxos migratórios está patente também no facto de 11 dos 26 países europeus que integram o espaço Schengen, de livre circulação de pessoas, terem decidido reinstaurar o controlo fronteiriço, o que só seria permitido em casos de urgência e com autorização prévia da Comissão Europeia, como foi o caso da resposta à pandemia de covid-19.

Um dos países que tomaram esta decisão foi a França, onde o governo procura endurecer a legislação sobre imigração, que passa a distinguir entre os imigrantes que trabalham e aqueles que não o fazem e que terão mais restrições no acesso a prestações sociais.

“Há um problema de imigração neste país”, declarou o presidente francês, Emmanuel Macron, defendendo a lei, que provocou fortes protestos dos partidos de esquerda no parlamento e dividiu os seus próprios apoiantes, mas contou com o apoio da União Nacional, de extrema-direita. Em Itália, o governo de Giorgia Meloni, de extrema-direita, juntou-se ao Reino Unido e à Albânia para um combate conjunto ao “flagelo” da imigração.

“As migrações são um fenómeno que potencia discursos nacionalistas e xenófobos, pois vários partidos políticos utilizam, de forma oportunista, a presença de estrangeiros – do ‘outro’ – nas comunidades, securitizando artificialmente este assunto e hiperbolizando impactos no quotidiano dos cidadãos, impactos esses que raramente acontecem e ainda de forma menos frequente na dimensão com que os apresentam”, defende André Matos, professor e coordenador da licenciatura em Relações Internacionais da Universidade Portucalense. “Como, tendencialmente, estes partidos têm um fraco apoio em ideologias sólidas, estão dependentes de um discurso simplista que corresponde apenas a uma tentativa de angariar mais votos através de uma também ilusória resposta às inquietações que os próprios criam junto do eleitorado”, acrescenta.

Nos Países Baixos, a vitória do Partido da Liberdade (PVV, na sigla em neerlandês), populista, anti-islâmico, de extrema-direita, nas eleições legislativas antecipadas é visto como um exemplo de como as questões da imigração estão a influenciar a política. Já antes, a manutenção de Viktor Orbán como primeiro-ministro da Hungria; a vitória do Partido Lei e Justiça na Polónia, ainda que tenha deixado o poder por força de uma geringonça; o segundo lugar dos Democratas da Suécia, de extrema-direita, que apoiam o governo em funções; ou a ascensão dos nacionalistas alemães da AfD, que se assumiram como segunda força política nas regionais de outubro, sublinham esta tendência.

Eleições em 2024

“As eleições na Europa têm sido e as futuras eleições para o Parlamento Europeu de 2024 serão contagiadas pela perda de confiança na capacidade de Bruxelas para gerir a questão das migrações, particularmente sentida desde a crise dos refugiados e migrantes de 2015”, diz Jorge Botelho Moniz.

“Quando tivermos eleições europeias, em 2024, poderá haver um reforço das prioridades estratégicas da UE. Por exemplo, com um Parlamento Europeu preocupado, do alto de todo o seu atual poder legislativo e orçamental, sobretudo com muros, migrações e segurança nas fronteiras da União”, aponta, acrescentando que, “para já, o centro político europeu, com a aprovação do pacto, aproximou-se da agenda da extrema-direita sem ter de negociar com ela em Bruxelas”, mas que “não sabemos o que terá de fazer no Parlamento Europeu se as famílias políticas que se aproximam do populismo de direita, nacionalismo e euroceticismo ganharem um terço dos votos no hemiciclo e se assumirem como parte incontornável do processo de tomada de decisão na UE”.

“Apesar de notícias recentes que partilhavam o contributo económico líquido e inquestionável que os migrantes dão ao sistema de segurança social, já para não falar de questões de natalidade, que aliviam a pressão de uma sociedade extremamente envelhecida, é previsível que a migração seja um tema recorrente e importante nas campanhas eleitorais”, sinaliza André Matos. “A expectativa reside na forma como (e se) os partidos centristas e moderados conseguirão mobilizar os eleitores contra a desinformação e a xenofobia do discurso dos partidos nacionalistas e radicais”, acrescenta.

Em Portugal, em 2022, os imigrantes contribuíram com 1.861 milhões de euros para a Segurança Social, sete vezes mais do que beneficiaram, referem dados do Ministério do Trabalho e da Segurança Social.

Este ano, além das eleições para o Parlamento Europeu e das legislativas em Portugal, haverá também eleições para escolher o parlamento em mais cinco países – Áustria, Bélgica, Croácia, Lituânia e Roménia –, assim como regionais em três estados na Alemanha.

Além das tensões existentes, a ratificação do Pacto de Migração e Asilo da UE pelos Estados-membros e a regulamentação da legislação a que este obriga farão com que as questões relacionadas como a imigração sejam abordadas nas campanhas eleitorais, continuando a ser um desafio óbvio a que será necessário responder.

“É óbvio que os líderes políticos não conseguem antever, no médio e longo prazo, as consequências e eficácia destas medidas mais restritivas [do Pacto de Migração e Asilo da UE]”, diz Botelho Moniz. “Recorde-se que, embora tenha dito recentemente que este acordo não refletia as propostas da extrema-direita, a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, há meses que defendia que o novo pacto era crucial para afastar o populismo de direita antes das eleições [europeias]. Não se consegue dizer ainda se serão suficientes para esvaziar os argumentos dos partidos eurocéticos e anti-imigração; se a solidariedade efetiva entre países fronteiriços do bloco aumentará; se se vai alcançar um nível de dissuasão suficiente para que os fluxos de migrantes diminuam; e se se apaziguarão as relações com os países de trânsito. É tudo uma incógnita, para já. Mas uma coisa é certa: este pacto, política ou metaforicamente, aponta para distanciamento em vez de acolhimento e para criminalização ao invés de integração”, acrescenta. “É mais uma expressão da ideia da Europa-fortaleza”, sublinha.

 

Artigo publicado na edição do NOVO de 6 de janeiro