António Mendonça é bastonário da Ordem dos Economistas e promoveu nesta semana o Congresso Nacional dos profissionais, no qual participaram o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o ministro das Finanças, Fernando Medina.

Em vésperas da discussão do OE para o próximo ano, que avaliação faz da proposta?
Em primeiro lugar, penso que a proposta de OE, tal como está enformada, é uma proposta de continuidade relativamente ao orçamento anterior. Há aqui uma continuidade de posições de princípio e que tem a ver com o facto de o Orçamento anterior ter resultado bem; há aqui a preocupação de continuar com a mesma política. Por outro lado, julgo que é um Orçamento que privilegia a precaução. Ou seja, há incerteza, os riscos são imensos; provavelmente, todo o quadro macroeconómico pode vir a ser alterado – aliás, o próprio ministro chamou a atenção para isso. Depois há a preocupação de atender às situações consideradas mais vulneráveis, do ponto de vista das pessoas, do ponto de vista das empresas. Um instrumento orçamental é sempre um instrumento de política de aplicação de curto prazo, tem um horizonte temporal de um ano, portanto, não pode ser considerado um instrumento de política estrutural, tem de estar articulado com outros documentos, outras visões.

A política estrutural devia estar nas grandes opções, mesmo tendo nós a particularidade de serem anuais.
Sim, temos também as grandes opções, embora eu tenha sempre uma grande dificuldade em perceber exatamente como elas se concretizam. Portanto, julgo que faltará ao Orçamento esse enquadramento, essa perceção de que aquilo que está a ser feito hoje é para projetar em termos futuros. A sensação que dá é que é um instrumento muito preocupado com o curto prazo e com aquilo que está a acontecer. Agora, tem medidas interessantes: a questão dos jovens, a preocupação com a redução do IRS nos primeiros anos da sua vida profissional ativa, penso que são medidas importantes; a preocupação com investimento, etc. Vamos ver como isto se concretiza porque, muitas vezes, uma coisa são as intenções e o que lá está, e, depois, outra é a capacidade de concretização.

Na questão da carga fiscal, que foi um tema profusamente abordado antes do OE e se tornou dominante, vemos uma redução do IRS, mas também o aumento dos impostos indiretos, de tal forma que a receita fiscal acaba por crescer acima do ritmo de expansão da economia. Pagamos demasiados impostos em Portugal?
O debate relativamente à carga fiscal, na minha opinião, está um pouco enviesado, porque eu vejo poucas pessoas a referirem que os impostos existem para organizar e para dar respostas coletivas numa sociedade. Vivemos em sociedade, precisamos de escolas, precisamos de saúde, de infraestruturas, e precisamos de investimento público para coisas em que o investimento privado não vai lá, não tem interesse, não quer chegar. O que nós devemos fazer é saber em que medida é que os serviços que são prestados estão de acordo com a carga fiscal que nós temos. A carga fiscal não é alta ou baixa, em abstrato; as sociedades complexas necessitam também de intervenções complexas que só podem ser feitas pelo Estado para dar coerência a tudo. Portanto, eu quero pôr o debate nesses termos.

E que avaliação faz do que recebemos em troca dos impostos?
Julgo que há aqui um défice de benefícios relativamente aos impostos que são pagos, e isso tem a ver com várias razões, por exemplo, com a ineficiência e, cá está, com a necessidade de dar atenção a problemas de natureza estrutural. Por exemplo, aquilo que se está a passar na saúde, neste momento, é incrível, e eu sou daqueles até que têm a melhor opinião sobre o Serviço Nacional de Saúde [SNS]; nunca tive, felizmente, nenhum problema, sempre fui atendido, não tenho razões de queixa fundamental, mas conheço muitas outras pessoas que têm muitas queixas. É incontestável que, de facto, o SNS precisa de uma resposta, e quando eu digo SNS, também a educação precisa de uma resposta; portanto, há que repensar as coisas também de natureza estratégica. Penso que este Orçamento, já agora, também tem de procurar dar resposta a situações que, neste momento, correm o risco de cair em extremos, particularmente no caso da saúde.

Mas falta o planeamento.
Falta pensar. Eu tenho sérias dúvidas quando, de todos os problemas [na saúde], a grande medida estrutural foi criar um diretor do SNS. Quer dizer, é importante, mas é secundário, porque existe um ministério, existem responsáveis. Há uma certa sensação de que agora vai resolver os problemas todos – não resolve. É evidente que pode ser uma pessoa ótima, e espero que seja – tem pelo menos currículo e tem provas dadas -, mas há aqui um problema seríssimo que é preciso resolver do ponto de vista estrutural. E há aqui um problema de que as pessoas não gostam de falar, que tem a ver com as condições de trabalho, designadamente com o nível de remunerações. São sectores altamente especializados; os médicos trabalham, efetivamente, muito, e a nossa vida está muito na dependência deles. Julgo que não tem havido a capacidade de pensar, de uma forma integrada, a valorização das carreiras profissionais; isso é um problema que remete para o problema das classes médias, não é só dos médicos. O que aconteceu às classes médias e mesmo às classes médias até com remunerações mais elevadas, que são normalmente sectores que têm um papel fundamental na sociedade em termos de introdução de dinâmicas, de inovação, de dinâmicas económicas gerais, etc., é que têm, do ponto de vista do seu poder de compra, sido muito maltratadas. Isso é mau e tem consequências muito negativas para a própria economia. Portanto, quando falamos do OE e da diminuição de taxas marginais do IRS, eu não sei se não se podia ter ido um pouco mais além, porque isso pode ter um efeito positivo na dimensão da economia. Há aqui, penso eu, uma timidez em atacar esses problemas que eu tenho sérias dúvidas de que seja correta.

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