A 6 de março de 2023, numa muito mediática comunicação ao país, o ministro das Finanças, Fernando Medina, demitiu Christine Ourmières-Widener de CEO da TAP, em direto, na sequência da indemnização de meio milhão paga à administradora que o próprio Medina tinha chamado a secretária de Estado do Tesouro (e que se demitiu ao fim de 25 dias, quando foi conhecida a compensação recebida da transportadora pública em reestruturação).

“Recebi o relatório final da IGF relativo à avaliação do processo de cessação de funções de Alexandra Reis”, que “conclui pela nulidade do acordo celebrado em fevereiro de 2022”, afirmava então Fernando Medina, considerando ter “justa causa” para demitir a CEO da TAP, de imediato e sem direito a compensação.

Uma indemnização que, veio a confirmar-se, foi validada por whatsapp pelo então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, agora secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro. E um facto que agora é mero detalhe nos argumentos invocados pela defesa para rebater a compensação que a ex-CEO reclama, de 6 milhões, por não aceitar a “justa causa”, a forma e os termos do seu afastamento.

Os argumentos

Diz a defesa que a TAP não tem de indemnizar Christine porque a ex-CEO decidiu demitir Alexandra Reis por “animosidade pessoal” e que a sua saída foi escondida.

Alega também que a gestora violou o regime de exclusividade porque “nunca informou ou sequer solicitou autorização” à TAP e acionistas para ser administradora da O&W Partners e exercer cargos de administração na ZeroAvia e MetOffice. E que a sua posição de CEO nem era legal, “nunca foi trabalhadora” das empresas porque “nunca foi assinado contrato de gestão” com as tutelas da TAP, podendo por isso o seu vínculo “cessar a qualquer momento”.

Os advogados questionam também o salário de 504 mil euros anuais, acima do que ganhava o interino, Ramiro Sequeira (490 mil), que a antecedeu.

E invocam que os resultados positivos da transportadora se devem à recuperação do sector, não ao trabalho da ex-CEO, cujo currículo até é “tumultuoso” e não “imaculado”, como diz a própria.

Os factos

O tema é que os argumentos usados dizem mais da atitude errática do governo do que de erros da CEO.

Em primeiro lugar, apenas um mês depois de negar saber da indemnização paga a Alexandra Reis, Pedro Nuno Santos veio admitir que sabia, mas se tinha “esquecido” que lhe fora comunicado o facto e “o valor final do acordo a que as partes tinham chegado”, tendo “dado a anuência política para fechar o processo”, convicto de que “não era possível reduzir mais o valor da compensação”. Reconheceu-o há precisamente um ano, no comunicado emitido aquando da sua demissão de ministro.

Quanto a não informar a tutela (representante do acionista Estado) de outras atividades, é falso que as tenha escondido: não só essas funções estavam no seu currículo e no perfil público da rede LinkedIn da gestora como ela terá informado o então ministro Pedro Nuno Santos, tendo sido inscrita no seu contrato uma cláusula que excecionava essas funções do dever de exclusividade, conforme adiantaram ontem o Sol e o Negócios.

No que respeita ao contrato por assinar, a falha será imputável a ambas as partes – mesmo porque o governo recorreu a um concurso público internacional para escolher a gestora e deu conhecimento de todo o processo a Bruxelas. E mesmo o tema do salário levanta dúvidas, uma vez que Christine não foi substituir um CEO interino mas o anterior presidente executivo, Antonoaldo Neves. E conforme foi amplamente noticiado então, a CEO iria ganhar “534 mil euros brutos (com benefícios), uma remuneração 31,7% mais baixa do que a do anterior presidente” (781,5 mil).

Por fim, o papel da ex-CEO foi reconhecido pelo próprio governo. Em entrevista ao ECO, a 23 de dezembro de 2021, Pedro Nuno Santos não deixava margem para dúvidas: “Nós temos uma CEO excelente na TAP (…) posso dizer que a comissária Margrethe Vestager também está muito contente e bem impressionada com a CEO. Pela primeira vez, na TAP, fizemos um processo de recrutamento como qualquer grande empresa faz, nomeadamente num sector onde há poucos gestores especializados. É um universo muito reduzido e precisávamos de ter alguém que soubesse do negócio.” E concluía, em resposta a António Costa e André Veríssimo: “Estou muito satisfeito com a escolha e estamos a ter sucesso. A prova é que estamos já a superar as metas, ao fim de um ano de plano de reestruturação.”

Artigo publicado na edição do NOVO de 20 de janeiro