A frase de Pedro Passos Coelho foi providencial. “Quando se perde a memória, somos todos iguais e isso na política é uma coisa terrível – e na economia também.” E continuou: “Se tudo é igual, não há diferença. Não se apura coisa nenhuma, não há razão para a competição, para apurar mais eficiência, mais bem-estar. Na política, é fatal sermos todos iguais, porque tanto faz lá estarem uns como outros.”

Nesta altura, passavam poucas horas desde que Miguel Albuquerque, investigado e constituído arguido por suspeitas de corrupção, prevaricação, abuso de poder e atentado contra o Estado de Direito, segundo o despacho do Ministério Público, se afirmara inabalável na intenção de permanecer à frente do Governo Regional da Madeira. “Não vou demitir-me, porque estou de consciência tranquila e a colaborar com a justiça”, disse. E no continente, Luís Montenegro tomou por boas as intenções daquele que escolhera para presidente da Mesa do Congresso na estrutura regional do partido e recusou retirar-lhe a confiança política.

Apesar de o caso envolver também (além dos dois empresários do grupo AFA detidos e trazidos a Lisboa para serem presentes a juiz) o presidente da câmara do Funchal, Pedro Calado, seu cabeça-de-lista ao Conselho Nacional na Madeira, arguido e detido logo na quarta-feira, o presidente do PSD manteve-se firme. O inquérito na Madeira “não tem impacto direto na campanha” da AD, afirmou o líder social-democrata, vincando que “ninguém está acima da lei”, mas salvaguardando a posição de Albuquerque. “Com a informação de que dispomos, do ponto de vista político nada se alterou” e a “confiança política no líder do PSD-Madeira não está em causa”.

Governo regional renovado
Apenas 48 horas depois, o cenário era radicalmente diferente. Com Pedro Calado nos calabouços da PJ de Lisboa, à espera de ser ouvido (a diligência foi adiada pela greve dos funcionários judiciários), o parceiro de governo regional, PAN/M, a retirar-lhe a confiança, Chega e PS/Madeira a avançar com moções de censura (a dos socialistas, agendada para 7 de fevereiro, já com apoio garantido de PCP e BE), a bolha rebentou. E já sem apoio também de Luís Montenegro, que não chegou a falar até à hora de fecho desta edição mas, sabe o NOVO, estaria a gerir o afastamento nos bastidores, Albuquerque foi do “não saio” à renúncia.

Mas com condições. “Os objetivos da governação não podem ser postos em causa”, disse Miguel Albuquerque, numa declaração em que elencou as conquistas do PSD/M na região e só depois admitiu que se afastaria, mas sem prescindir, “em nenhuma circunstância, dos direitos pessoais” e mantendo-se “disponível” para ajudar a encontrar uma solução.

A solução deverá passar, tudo indica, pela proposta do PSD/M ao representante da República na Região Autónoma da Madeira de um novo governo liderado pelo partido, com José Lino Tranquada Gomes à frente – um nome que cumpre a suposta exigência de Marcelo, que mesmo impedido de agir no governo regional e sobretudo num momento em que não passaram os seis meses sobre a eleição, fez saber que não aceitaria ninguém que tivesse governado a Madeira nos últimos anos ou que tivesse ligações aos grandes grupos económicos no centro desta investigação. A solução é bem vista pelo PAN/M, até porque ir agora a eleições seria “extremamente perigoso”, afirmou Mónica Freitas, a deputada que garante a maioria parlamentar madeirense ao PSD.

O insustentável silêncio de Montenegro
Foram 48 horas de inferno para Albuquerque, mas sobretudo para Luís Montenegro. E que fragilizaram brutalmente o líder da coligação que vai às legislativas de 10 de março, com acusações de usar dois pesos e duas medidas na sua reação ao caso que fez cair o governo de António Costa e ao que agora deixa por um fio o governo regional. E sobre o qual não tornou a pronunciar-se, mesmo depois de o presidente do governo regional anunciar a sua renúncia.

“Pedro Calado é o delfim de Miguel Albuquerque, é o Vítor Escária de Albuquerque”, concluiu Sebastião Bugalho na SIC. “A realidade é que o presidente de uma câmara escolhido pelo presidente de um governo regional foi detido, este é também arguido e a sua imunidade vai ser levantada. Se isto não conta para nada politicamente, então vivemos na república das bananas”, afirmou ainda o analista político.

“Montenegro agiu demasiado tarde”, criticou também Rui Calafate, na CNN, antecipando a “perda de milhares de votos à hora” pela demora de Albuquerque em sair e de Montenegro em se afastar do processo.

“Este caso, naturalmente, perturba o esclarecimento que estamos empenhados em fazer com os portugueses”, disse apenas o líder do PSD, na véspera de Albuquerque deixar o governo regional, pedindo celeridade à justiça e desviando-se de mais questões sobre o caso. E nada mais disse, nem o líder do PSD nem outros sociais-democratas, que se fecharam a comentários ou reações, tal como os centristas parceiros de coligação – no Continente e na região autónoma.

O silêncio de Montenegro não o poupou a críticas, nomeadamente dos restantes partidos à direita, com Rui Rocha, da IL, a acusá-lo de ter “duplos critérios face a situações semelhantes” e a criticar o rosto da AD por não ter “poupado o país a esta turbulência”. Do lado do PS, a oposição coube ao líder do partido na Madeira, Paulo Cafôfo, que continua a pedir eleições regionais, com Pedro Nuno Santos a conseguir manter-se mais ou menos à parte do caso, ainda que sem evitar a mesma crítica: “Não quero misturar justiça com política. Já o fiz noutros casos, nos quais o meu partido esteve direta ou indiretamente envolvido, e faço o mesmo com os que envolvem outros partidos. Quando somos incoerentes, há quebra de confiança”, afirmou.

Chega capitaliza
Quem mais ganhou? Provavelmente André Ventura. O homem que mais brada contra a corrupção em Portugal e segue de dedo apontado ora ao PS ora ao PSD não deixou passar o caso da Madeira em branco.

“Luís Montenegro não tem razão quando distingue este caso da Operação Influencer (que derrubou o governo de Costa), são aliás muito parecidos e o que se sabe da Madeira até é pior”, vincou o líder do Chega, recomendando ao PSD que tomasse uma posição de afastamento. E num paralelo com as declarações antes feitas por Passos Coelho, concluiu: “Montenegro tem de dar um sinal político e retirar a confiança política” a Albuquerque e a Pedro Calado, exigindo a sua saída. “Se os partidos perderem a exigência, perdem a moral e a ética” e deixam de poder acusar os outros, defendeu ainda André Ventura.

E se bem o disse, melhor o fez: enquanto se esperava a saída de Albuquerque, Ventura anunciava que retirara das listas do Chega o ex-deputado do PSD que há dias recebera, Maló de Abreu, por suspeitas de acesso indevido a 75 mil euros em ajudas de custo. “Qualquer pessoa que beneficie indevidamente de fundos do Estado, tentando ludibriar ou criar fraude à lei, não pode ser candidato pelo Chega”, justificou.

Artigo publicado na edição do NOVO de sábado, dia 27 de janeiro