O fim da vergonha é o título do livro de Vicente Valentim, hoje apresentado em Lisboa, que defende que o rápido crescimento da direita radical na Europa assenta num processo de mudança das normas sociais vigentes.
Na obra, o cientista político na Universidade de Oxford sustenta que muitas pessoas que já se reviam naquela ideologia, mas não estavam dispostas a expressá-lo, por receio da censura social, estão a sentir-se cada vez mais à vontade em agir com base nessas ideias, quer eleitoralmente, quer na rua.
A “teoria da normalização” que o autor propõe baseia-se na ideia de que crescimento eleitoral da direita radical, incluindo a extrema-direita) resulta em grande parte da redução do estigma político sobre uma ideologia e não numa mudança de preferências políticas.
Sem se debruçar sobre a origem da apetência pelas ideias de direita radical, o autor avança com uma explicação para o estigma social e político contra aquelas ideias, citando estudos que mostram que nas democracias ocidentais do pós-guerra essas ideias ficaram associadas aos “efeitos catastróficos” dos regimes autoritários de direita.
A aparente invisibilidade de um eleitorado de direita radical – que existia, mas não se mostrava – levou ainda a que, durante muitos anos, a classe política subestimasse o potencial de atração destes partidos.
Diz Vicente Valentim que, existindo na sociedade, apesar de em modo silencioso, as ideias de direita radical “podem ser ativadas por um político competente”, que foi o que aconteceu em Portugal, que durante algum tempo parecia imune ao aparecimento desses fenómenos, defende.
O sucesso do Chega deveu-se em grande medida “ao seu líder André Ventura, que percebeu que uma retórica xenófoba dirigida inicialmente contra a minoria cigana ecoava junto dos votantes e lhe permitia mobilizar secções do eleitorado que anteriormente se tinham abstido ou votado em partidos tradicionais”.
Depois de criar o partido, Ventura deu “sinais claros ao eleitorado de que reconhecia haver pressão social” contra a manifestação de ideias como as do Chega, mostrou que não concordava com a existência dessas normas sociais e argumentou que o país estaria melhor sem elas.
Por exemplo, continua o autor, atacou na campanha eleitoral de 2019 a ideia do “politicamente correto” que, segundo ele, impedia as pessoas de dizerem o que pensavam honestamente.
O caráter “intencionalmente provocador” de algumas posições públicas do líder partidário mostra também o “seu desejo de quebrar essas normas”, numa estratégia que visava ativar ideias de direita radical que se encontravam latentes na sociedade.
“E, de facto, esta retórica viria a revelar-se novamente bem sucedida” em eleições legislativas, refere. De 1,3% nas eleições de 2019, que lhe permitiu a entrada no parlamento, o Chega cresceu para 7,2% nas eleições antecipadas de janeiro de 2022 e para 18% nas eleições de 10 de março deste ano, sublinha.
Para Vicente Valentim, o caso português “ilustra muitas das características do empreendedor político que se junta à direita radical, levando um país para a fase de ativação” das ideias da direita radical e colocando em marcha o processo de normalização.
André Ventura é descrito como um “político hábil (e mais hábil do que anteriores políticos de direita radical no país) que intuiu que as ideias de direita radical estavam, provavelmente, mais difundidas na sociedade portuguesa do que se pensava”.
Ao analisar o fenómeno na Alemanha, no Reino Unido e em Espanha, Vicente Valentim salienta que o caso português não é excecional, considerando que existem elementos idênticos na estratégia usada mas também na “habilidade” dos líderes: em Espanha, Santiago Abascal, líder do Vox; Frauke Petry, na AfD; e Nigel Farage no Reino Unido, que levaria o UKIP a tornar-se o primeiro partido desta ideologia no parlamento britânico.
Na conclusão, Vicente Valentim sugere ser “improvável que seja possível reverter o processo de normalização” da direita radical e propõe formas de melhorar a resiliência das democracias.
Para o autor, uma das principais implicações da teoria da normalização é que o desenho de políticas para promover a resiliência democrática e reduzir comportamentos intolerantes deve, idealmente, ser feito de forma a promover uma mudança real das ideias políticas das pessoas, um processo “lento e difícil”.
Estudos anteriores no domínio das Ciências Sociais mostram que o desenvolvimento de ideias de direita radical resulta de sentimentos de ansiedade em relação a minorias étnicas, linguísticas ou nacionais, refere.
Assim, uma forma promissora de combater o avanço desta ideologia seria a utilização de programas que enfatizam as semelhanças entre a situação de uma determinada pessoa e a dessas minorias e que são bastante eficazes como forma de combater o desenvolvimento de atitudes negativas em relação a esses grupos, propõe.
Editado em Portugal pela Gradiva, “O fim da vergonha – Como a direita radical se normalizou”, é uma adaptação da versão inglesa, mais técnica, intitulada “The normalization of the Radical Right: A norms theory os Polítical Supply and Demand”, editado pela Oxford University Press.