Segundo François Asher, “os laços fortes, muito densos, tradicionais, que ligavam (uniam) antigamente nas comunidades aldeãs e medievais indivíduos pouco diferentes, eram muito sólidos, multifuncionais, e quase não tinham necessidade de leis e de aparelhos estatais para os codificar e preservar”. Com a transição para a “sociedade urbana industrial, os laços entre indivíduos mais diferentes entre si diversificaram-se, multiplicaram-se e começaram a especializar-se”.
Durante o século XIX, apesar do crescimento das sociedades urbanas, permaneceram laços de afinidade no interior dos diferentes extratos sociais, que se traduziu na comunhão de aspirações coletivas, permitindo, na fundação da administração urbana contemporânea, uma maior perceção dos conflitos de interesses dos diferentes grupos sociais e a formulação das correspondentes respostas políticas.
O crescimento explosivo das cidades e consequente formação das metrópoles metropolitanas, durante o Século XX, o advento dos serviços e o processo de desindustrilização no Ocidente, que se aprofundou com a digitalização e mundialização da economia, que se acentuou desde o início do Século XXI, potenciaram ainda mais o processo de especialização, gerando segregação e desagregação física das comunidades urbanas.
Assim, ao contrário do operário que, até meados do Século XX, partilhava com os seus colegas um mesmo bairro de residência, uma mesma escola em que os filhos frequentavam, a devoção pelo mesmo clube desportivo, uma ocupação de tempos livres semelhante e, por vezes, a mesma militância política, o atual trabalhador dos serviços, não comunga necessariamente os mesmos interesses que os colegas de profissão, ou a mesma área e residência.
O habitante urbano passou a assumir uma heterogeneidade de papeis e de relações sociais ao longo do dia, que se desenrolam em espaços diferenciados da cidade, como um “zapping” urbano, que se complementam com as que este experencia quando mergulha no espaço digital.
A complexidade que emerge das relações urbanas atuais cria um desafio acrescido à identificação do interesse coletivo, colocando em crise a democracia representativa, base poder autárquico contemporâneo.
Neste contexto, o papel da participação cidadã tornou-se um instrumento fundamental para a formulação de políticas locais, assumido no quadro de referência internacional, no âmbito das agendas para a sustentabilidade, e reafirmada na Nova Carta de Leipzing, firmada em 2020, no âmbito da presidência alemã da União Europeia, onde se afirma a participação e cocriação como um dos princípios chaves da boa governança urbana.
A participação é hoje um potente instrumento de formulação de boas políticas urbanas, quer no âmbito do desenvolvimento de instrumentos de planeamento territorial, quer em ações de regeneração urbana que afetem um setor urbano ou mesmo em processos mais localizados de transformação dos espaços públicos.
A ligação entre as intervenções urbanas e a sociologia, começaram a expressar-se nos anos 60 do Século XX, em que Jane Jacobs e William H. Whyte advogaram um planeamento urbano centrado na comunidade, constituindo-se como percursores do movimento de “Placemaking”, que se desenvolveu desde finais dos anos 90 do Século XX, adotando processos participativos e de cocriação para gerar uma visão integradora na transformação dos espaços públicos.
Ao nível local, o sucesso dos processos participativos depende de uma genuína capacidade de liderança política, focada no interesse público, equidistante de grupos de pressão, apoiada por equipas técnicas capacitadas.
No planeamento urbano, é crucial a participação, a montante, na definição das estratégias de desenvolvimento territorial e, a jusante, no desenho de soluções. É preponderante a visão e a capacidade transformadora do decisor político, de modo a tornar credível o processo de planeamento e efetivo o processo de transformação territorial que lhe sucede.
Nos processos de regeneração urbana de génese participativa, a falta de liderança ou de capacitação técnica de apoio, pode originar a sua captura por grupos de pressão e por novos “especialistas” ao serviço destes, que enviesam os resultados obtidos, normalmente com prejuízo das comunidades mais desprotegidas.
Ao nível da requalificação do espaço público, a pluralidade dos interesses dos moradores e dos utilizadores da cidade, dita, no âmbito dos processos participativos, a expressão de perspetivas e abordagens, muitas vezes, divergentes. Nestes casos, os decisores, reafirmando os propósitos estratégicos de enquadramento, devem assumir o papel de facilitadores da necessária concertação a realizar no interior das comunidades, de modo a extrair-se uma visão integradora e coesa a concretizar.