Vindos de um mundo definido pela escassez literária há apenas algumas décadas, com poucos livros disponíveis em escassas livrarias de rua ou bibliotecas, agora o cenário é diferente. Hoje, estamos imersos num oceano de histórias, de conhecimento, de experiências e da mais palpável (e bem-vinda) abundância de letras.

Além disso, hoje em dia, temos também uma abundância de quantidade: temos hoje, anualmente, cerca de quatro milhões de livros publicados, anualmente, a nível mundial. Há apenas 15 anos, este número não ultrapassava os 500 mil novos livros.

Uma abundância em termos de oportunidade: destes quatro milhões de novos livros, 75% são autopublicados, a maioria gratuitamente através de plataformas online que garantem entregas em formato digital e impresso, este último através de tecnologias de impressão sob procura.

Temos, também, uma abundância ao nível da influência literária: a hashtag #booktok, usada por utilizadores do TikTok para recomendar livros, tomou uma proporção tão grande que, hoje, segundo a Wordsrated, responde por 3% de todas as vendas de livros do mundo. São pessoas comuns a recomendar histórias a outras pessoas comuns, criando uma teia de colaboração literária e de incentivo à leitura – principalmente entre os mais jovens – como nunca antes visto na História.

E, finalmente, uma abundância de formatos. É verdade que o ebook, quando surgiu com mais força a partir do lançamento do Kindle, veio como uma promessa de aniquilar o livro impresso, de substitui-lo por completo. Isso nunca aconteceu: hoje, anos depois de o primeiro Kindle ser vendido, os livros impressos continuam a representar, de acordo com a Booklinker, uma grande fatia do mercado global (75% um número que não mostra sinais de arrefecimento). Os ebooks, por sua vez, representam respeitáveis 17%. Os audiolivros, uma das grandes “novidades” do setor, já ultrapassam os 6%, um número que, de facto, tem crescido consideravelmente mês após mês.

Para muitos editores, pouco importa o canal de leitura, desde que se leia – ou, no caso dos audiolivros, se ouça – histórias. Tecnicamente, é um raciocínio correto, mas deixa de lado um dos principais efeitos colaterais desta abundância de formatos: a multiplicação de oportunidades de leitura e o seu consequente impacto nos próprios hábitos dos leitores.

Se o livro impresso, dominante, continua a ser lido em casas, praças e cafés das cidades, o ebook tornou possível, através da conveniência física e financeira, a figura do leitor ávido, aquele que lê um (ou mais) livros por semana. É mais fácil (e mais barato), afinal, consumir dezenas de livros por ano quando se pode contar com dispositivos como o Kindle, o Kobo ou tantos outros, todos portáteis, fáceis de ler e que armaenam milhares de títulos.

E o audiolivro? Este presenteia o leitor com um bem valiosíssimo: o tempo. Segundo a Publisher’s Weekly, aproximadamente 30% dos audiolivros são ouvidos nos carros. Faz sentido: há melhor maneira, afinal, de “aproveitar” o trânsito do que ouvir histórias fantásticas de Saramago ou lirismos incomparáveis de Mia Couto? Outros 15% dos ouvintes de audiolivros relatam momentos diversos de consumo, como durante a prática de atividade física ou a execução de tarefas domésticas. São momentos em que dificilmente alguém conseguiria ler, seja em formato impresso ou digital.

Essa multiplicidade de formatos, portanto, garante que se possa ler mais e em mais momentos. Basta querer. Qual o efeito de toda esta abundância seja de conteúdo, influência ou meios de consumo? O crescimento sem precedentes nas taxas de leitura, principalmente entre os mais jovens, em todo o mundo.

Lê-se mais porque há mais oportunidades e meios de leitura. Simples. Todos ganhamos, tanto como leitores quanto como sociedade. Ou alguém duvida que uma sociedade mais informada é também uma sociedade mais preparada para construir o seu futuro?

Fundador e CEO do Clube de Autores