José Pedro Aguiar-Branco defende, em entrevista ao Jornal de Notícias e à TSF, que a próxima pessoa a liderar a Procuradoria Geral da República devia ser ouvida na Assembleia da República.

“Acho que era saudável. Sou favorável a que haja esse espaço de poder haver essas audiências, porque muitas vezes até são injustos os juízos que se fazem em relação a uma pessoa ou a uma determinada função, porque eles resultam ou do desconhecimento ou de menor compreensão da forma como as coisas têm de acontecer”, considera o presidente da Assembleia da República.

Para Aguiar-Branco, seria positivo que o procurador geral da República prestasse contas periodicamente, no parlamento, naquilo que considera que “é natural, é muito saudável e será muito clarificador e pacificador”.

“Vejo como um sinal positivo, periodicamente, isso acontecer”, considera Aguiar-Branco, ressalvando, no entanto, que tem de haver uma separação dos poderes: “Não é para prestar contas no sentido de responder perante o Parlamento, o quadro é um quadro diferente, é um quadro em que os representantes podem colocar estas perguntas, ‘porque é que acontece aquilo, porque é que não aconteceu’, perceber qual é a política criminal que deseja seguir, porque é que houve alteração disto, acho que é natural, é muito saudável e será muito clarificador e pacificador”.

Para o presidente da Assembleia da República, “tudo o que seja favorável a haver mais comunicação numa sociedade que hoje vive desta comunicação, acho que é favorável”. Sobre o estado da Justiça, Aguiar-Branco acredita que uma melhor comunicação pode contribuir para um melhor esclarecimento dos cidadãos, adotando uma política de “pedagogia permanente”.

“Todos nós temos metodologias, deontologias e espaços diferentes. Quando isso não era tão, digamos, objeto de mediatização, os mundos iam convivendo, eu como advogado sei muito bem, ou muito melhor do que um cidadão normal, que a constituição de arguido é uma coisa positiva para a defesa de cada um de nós, se estiver numa situação dessas”, considera. “Mas no espaço público, o conceito é arguido, logo já é culpado, fez qualquer coisa. Se nós podemos ter uma pedagogia permanente no que diz respeito à melhor compreensão disto, é evidente que estamos a trabalhar para um melhor exercício cívico. Mas não se faz isso com pessoas caladas. Não se faz isso com pessoas que não tenham capacidade de comunicação. Hoje tem de ser uma competência de quem está em cargos que se expõe publicamente. A capacidade de comunicar e a capacidade de poder transmitir bem no espaço público elimina muitas suspeitas de promiscuidade que não têm razão de ser”.

Aguiar-Branco recusa ainda a ideia de haver uma campanha orquestrada contra o Ministério Público, que Lucília Gago, procuradora geral da República, denunciou haver, na recente entrevista que deu à RTP.

“Eu acho que não… Se existe, eu não sou parte dela, portanto, acho que nós devemos conviver com a diferença, conviver com a crítica, conviver com quem pensa diferente de nós, é um exercício maior da democracia”, defende Aguiar-Branco. “Qualquer um de nós, como é óbvio, testa a sua cultura democrática quando está numa posição em que alguém está a dizer que o que está a fazer é errado, ‘O que está a fazer não está certo, devia fazer por ali e até errou aqui’, e nós temos a capacidade de aceitar essa crítica, essa diferença e ver isso como um exercício maior da democracia. O momento de democracia maior é eu aceitar essa diferença, contraditá-la e, por isso, não estar a ver sempre, diria, teorias de conspiração em tudo”, acrescenta.

O ex-ministro da Justiça defende que deve haver não só uma “liderança política”, mas também uma “visão integrada” para a Justiça, que inclua os “operadores judiciários, nomeadamente a Procuradoria, advogados e magistrados judiciais”, com o “alto magistério do Presidente da República”, o que permitiria abordar esta questão “acima da mera lógica interpartidária”, ao mesmo tempo que permitiria “exercer uma influência positiva nos outros operadores”.

“Ter uma figura equidistante como a Presidência da República a dar o seu alto patrocínio para o efeito é importante. E falo por experiência própria, porquem quando eu fui Ministro da Justiça, beneficiei da colaboração a esse nível do então Presidente Jorge Sampaio, com atos que, sendo simbólicos, foram muito marcantes, como, por exemplo, ter ido à tomada de posse da primeira diretora do Centro de Estudos Judiciários, que não era magistrada”, exemplifica.

“Foi uma situação, à época, com alguma tensão, polémica, porque era sempre um procurador da República ou um magistrado que fazia a orientação da formação dos magistrados e aquilo foi um romper com o que era a cultura até então. E o Presidente da República foi à tomada de posse para marcar que a Presidência da República via aquilo com bons olhos”, prossegue. “Isto ajuda a criar uma atmosfera de se perceber que não é o Partido A, nem o Partido B, é uma dimensão de Estado. Ora, eu acho que essa parte tem faltado, é sempre muito interpartidário, e esse consenso, que não é um consenso para não fazer nada, é um consenso para se conseguir avançar, acho que é a parte que tem faltado”.