O último mês foi constituiu provavelmente uma das maiores evidências da importância que tem para este mandato a capacidade dos dois maiores partidos portugueses do centro político dialogarem e se entenderem para que o país não fique ingovernável e possa progredir, numa fase em que Portugal se encontra numa importante encruzilhada. Por um lado, o país enfrenta sérios desequilíbrios estruturais próprios, que precisam de ser enfrentados com reformas há muito adiadas, e que permitam que o país possa crescer de forma a manter o estado social tal como o conhecemos. Por outro lado, o mundo também está a mudar em termos geopolíticos, é mais protecionista do que algumas décadas atrás, e também a europa precisa de se posicionar e reinventar. Mario Draghi já deu o alerta, e dentro desta mudança, Portugal também precisa agir para reencontrar o seu espaço. E isto tem assim tanto que ver com o orçamento? Mais do que percecionamos à primeira vista.
O planeamento orçamental deve ser consentâneo com uma estratégia política para os próximos anos – idealmente até deveria ser para dois mandatos, de forma a enfrentar a próxima década. E Portugal precisa acima de tudo, de construir uma estratégia política de país que permita enfrentar os desafios estruturais perante os quais de depara em várias vertentes, com destaque para: i) Demografia (envelhecimento da população, fuga de talento jovem para o estrangeiro e excesso de dependência de imigração para suprir falhas do mercado trabalho), ii) Economia (transformação e transição digital e custos sobre emprego e indústria tradicional, atratividade fiscal e impostos , educação e retenção de capital humano, produtividade); iii) Coesão social e garante do sistema de respostas publicas (credibilizar segurança e proteção civil, habitação acessível, sistema saúde publica sustentável, segurança social e pensões, e educação capaz de produzir mobilidade e equidade social, diminuindo as desigualdades). Tudo isto se passa numa enorme mudança na europa e no mundo em termos geopolíticos que obrigará também a que o país possa ter que se reposicionar face a uma União Europeia mais virada para o centro e leste europeu, e para um mundo mais polarizado entre China e Estados Unidos.
Hoje o centro político português não tem a mesma capacidade que tinha antes de garantir maiorias estáveis ao centro-direita, ou ao centro-esquerda. Ou seja, a capacidade de o governo do PSD fazer passar um programa de reformas sem negociar com a oposição, é menor. E Portugal precisa de reformas para enfrentar os desafios estruturais enunciados acima. Sem essa discussão, e em virtude de ambos os partidos (PS e PSD) estarem já imbuídos na convicção que haverá lugar a eleições antecipadas, é natural que exista menor espaço para cedências de parte a parte, no que em termos de resposta de políticas publicas para temas estruturais diz respeito. Mas é um orçamento que será capaz de responder a algumas dificuldades no espaço dos jovens e habitação, no que diz respeito a educação e à retenção dos professores, e também no reforço da segurança. A competitividade fiscal também terá alguns sinais positivos, mas não suficientes para tirar Portugal de uma espécie de estrangulamento de impostos onde se encontra. É por isso um orçamento necessário, mas onde a arte do possível ainda teve muita influência decorrente da necessidade de negociação para ser aprovado. Seria importante que esta espécie de arte, possa ser replicada ao nível de uma construção de uma estratégia para o país para os próximos 4-8 anos. O tempo urge, e a alternativa poderá vir a ser uma crise de sistema do qual o centro político reformista e pró-europeu não sairá a ganhar. Bem pelo contrário.