“Homem idoso, simpático e bem-intencionado, com má memória” – foi assim que o procurador especial Robert Hur descreveu o presidente octogenário Joe Biden no seu relatório lançado a 8 de fevereiro. Hur, um republicano nomeado por Trump, liderou uma investigação ao presidente pela gestão de documentos confidenciais que estavam em sua casa no Delaware, mesmo depois de já não ser vice-presidente (saiu em 2017). Biden, 81 anos, foi ilibado por ter cooperado e também por na visão de Hur, dar essa perceção de fraqueza e boas intenções que dificultariam acusá-lo criminalmente. Não ser acusado é um claro alívio para Biden, enquanto a investigação ao ex-presidente Donald Trump pelo mesmo ato de guardar documentos confidenciais continua. Porém, ser alvo duma descrição assim não o favorece. Biden colaborou com a investigação, sobretudo através duma entrevista que deu ao procurador no fim-de-semana imediatamente a seguir aos ataques do Hamas em Israel, na qual  pareceu ter dificuldades em lembrar-se de quando tinha sido vice-presidente, e até, segundo o procurador, de quando o filho Beau morrera. Uma afirmação que ofendeu o presidente democrata fortemente. “Como é que raio ele se atreve a afirmar isso?” “Eu não preciso de ninguém para me lembrar quando ele faleceu.” disse o presidente, visivelmente irritado, em declarações numa conferência de imprensa na Casa Branca após o lançamento do relatório.

Com vivacidade, sentido de humor, e falando com coerência e clareza, Biden defendeu a sua boa memória, e o seu trabalho como presidente, das perguntas duras dos jornalistas. Quando lhe perguntaram porque é que não poderia ser substituído por outro líder democrata, Biden respondeu que não, pois “sou a pessoa mais qualificada neste país para ser presidente.” No que foi em geral uma boa prestação de autodefesa das suas capacidades, a única gafe foi dizer que Abdel Sisi, o presidente do Egito, era o presidente do México. Claro que os políticos republicanos não perdoaram, incluindo Trump que partilhou “um mapa do Médio Oriente segundo Joe Biden” que incluía o México. Trump, o criador da alcunha Sleepy Joe para Biden, tem gozado com as gafes e confusões do presidente.

Mas, tal como Biden, Trump, 77 anos, também já se confundiu, como dizer que  o húngaro Viktor Orbán era o líder da Turquia ou chamar Nikki Haley a Nancy Pelosi. Confusões que a campanha de Biden tem aproveitado para ripostar.

Por enquanto a posição de Biden para ser o candidato democrata às presidenciais continua forte, Biden ganhou todas as primárias até agora por margens esmagadoras, e tem tido o apoio dos grandes líderes democratas, que o defenderam após este último relatório. Trump também tem ganhado confortavelmente as várias primárias até agora. Nikki Haley, a única outra candidata que resta nas primárias republicanas, ainda deverá resistir até 24 de fevereiro para as primárias na Carolina do Sul, o estado onde foi governadora, mas terá de surpreender muito para ter alguma chance de dar a volta à corrida. Haley, com os seus 52 anos, bem tenta realçar a idade e as fraquezas que daí derivam dos seus opositores aos eleitores, mas sem sucesso.

O que é estranho dado grandes maiorias dos americanos estarem preocupados com a idade dos candidatos, 76% preocupados com a de Biden, incluindo muitos democratas, e 48% com a de Trump. Segundo esta sondagem da NBC, essa preocupação com a idade de Biden até supera a com os desafios legais de Trump (61%).

Tendo em conta o calendário que se aperta, a invencibilidade nas primárias de ambos, a impopularidade de possíveis alternativas a Biden como a vice-presidente Kamala Harris, indicam que a eleição de novembro vai ser mesmo uma repetição do confronto de 2020. Com a sua saúde a ser um risco para ambos os seniores não chegarem a 5 de novembro como candidatos, acusações criminais são um risco muito maior para Trump, que até tem arriscado ficar fora de alguns boletins de voto em estados como o Colorado ou o Maine, embora pareça que o Supremo Tribunal o vai deixar ficar. Nos democratas, não diria que a chance de Biden se retirar por si mesmo ou por pressão de grandes e ambiciosos nomes do partido como o governador da Califórnia Gavin Newsom sejam nulas, mas neste momento o mais provável é que Biden e a sua equipa se esforcem ao máximo para projetar uma imagem de vitalidade e competência contra o enérgico, mas frequentemente caótico e irresponsável nas afirmações, Donald Trump, que ainda sábado afirmou que “encorajaria” a Rússia caso esta atacasse algum membro da NATO que não estivesse a cumprir as obrigações com a Aliança. Biden por mais deslizes que faça, nunca diz coisas assim.

Daniel Reis Ferreira, licenciado em História pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e finalista no Mestrado em Estudos Internacionais do ISCTE