De acordo com os dados mais atuais, o sector da Saúde em Portugal representa qualquer coisa como 6% do PIB nacional e tem quase 9% de peso no emprego, sendo a maioria dos 400 mil trabalhadores da área muito qualificados. Mas “infelizmente, por cá persistimos em não olhar a Saúde como sector económico gerador de riqueza”, lamenta, em entrevista ao novo, Joaquim Cunha. Com o caos no SNS a marcar tremendamente todo o debate que é feito a nível nacional sobre esta área, perde-se uma visão integrada que verdadeiramente poderia trazer uma aposta valor acrescentado ao país, diz o líder do Health Cluster Portugal. O que, defende, não só faz perder uma oportunidade de luxo para desenvolver uma área económica de alto relevo, tornando Portugal numa referência a nível europeu, como tem consequências negativas para todo o sistema de saúde. “Há uma relação de dependência entre a sobrevivência do SNS e o sucesso do health cluster”, resume o responsável. “Dificilmente teremos SNS bom se tudo à volta for um desastre.”
No ano passado, segundo os números do Health Cluster Portugal, estavam registadas no país mais de 105 mil empresas e instituições com personalidade jurídica da área da Saúde – são produtores, distribuidores e prestadores de serviços que garantiram, nesse ano, exportações de 2463 milhões de euros, um crescimento de 35% em relação ao ano anterior. Este patamar “é fortemente alicerçado nas preparações farmacêuticas, que aumentaram 48%, mas também conta com a contribuição dos segmentos dos instrumentos médicos e fornecimentos associados e dos produtos farmacêuticos de base”, que no último ano cresceram, respetivamente, 11% e 10% nas exportações.
“As exportações têm vindo sempre a crescer acentuadamente, mas ainda temos só 40% na taxa de cobertura de importações e era preciso que o país apostasse em políticas ativas de atração de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) para assegurar que chegavamos à equivalência desejada”, diz ao NOVO Joaquim Cunha.
O Health Cluster tem trazido essa preocupação à mesa dos decisores políticos, mesmo porque acredita haver aqui condições para se criar “uma espécie de incubadora da Europa” neste sector. “Quando falamos com os governantes, eles mostram que estão de acordo com este desígnio, mas depois há algo que falha e nunca se avança”, lamenta o responsável.
Visão alargada para o sector
A ideia que a organização defende para o país seria projetar Portugal a um patamar que pusesse qualquer startup ou cientista europeu que se preparasse para fazer uma empresa ou desenvolver um produto ou serviço a pensar em Portugal como destino ideal para dar vida ao seu investimento.
Mas para isso acontecer, era preciso criar condições que beneficiassem os empreendedores e empresas portuguesas e quem escolhesse vir para cá, passando a desenvolver aqui e a exportar a partir daqui. E Joaquim Cunha não vê que haja uma vaga de fundo, como existe já noutros países, como Espanha, Bélgica ou Irlanda. Mas tem fatores de base que podem tornar-nos competitivos.
“O Health Cluster Portugal tem procurado trazer à discussão esta visão mais alargada, assente em três ou quatro pontos. Mas antes há que resolver problemas estruturais como a máquina infernal que quem tem de lidar com a gestão pública é obrigado a enfrentar”, diz Joaquim Cunha ao NOVO. Mas também a dificuldade em criar-se um movimento de fundo, que envolva e convoque toda a sociedade: quem governa e quem é governado. É a ideia de um verdadeiro pacto de regime, não só envolvendo PSD e PS mas toda a comunidade, as universidades, as empresas, etc.
Do lado das vantagens, o líder do Health Cluster enumera argumentos de peso para o país: desde logo, o nosso enorme potencial nas universidades, nos hospitais, etc., que não está a ser totalmente usado. E o momento tem de ser agora, frisa, lembrando que temos à porta o tema da digitalização e dados à porta e que a saúde daqui a cinco anos será radicalmente diferente daquilo que temos hoje, sendo necessário dar gás ao PRR para conseguir resultados. “Somando as verbas da digitalização e dados públicas com as das Agendas Mobilizadoras dos projetos privados, estamos a falar de qualquer coisa como 500 milhões de euros. É dinheiro que tem de ser usado para termos algo completamente diferente em 2026 ou 2027”, defende.
Atratividade fiscal é chave
E que medidas poderia o país adotar para poder abraçar a ambição de atrair projetos qualificados em saúde a Portugal? Joaquim Cunha não tem grandes dúvidas e até reparte as soluções em duas divisões: a das grandes empresas e a das pequenas. “Para grandes investimentos, a nossa política fiscal não é atrativa. Quando essas empresas fazem análises, nós chegamos facilmente à shortlist, mas depois não passamos daí porque os impostos que temos são penalizadores. E a legislação laboral também não ajuda. No fim de contas, temos o ecossistema, temos a imensa qualidade de Recursos Humanos e até no SNS comparamos bem. Mas a parte fiscal mata-nos.”
Quanto a projetos mais pequenos, o responsável aponta que o país devia apostar em políticas ativas que permitam encontrar meios de apoiar startups e scaleups com programas específicos. “Isto custa algum dinheiro, mas depois compensa, até porque tem um efeito bola de neve na economia.”
“Portugal está na moda e nós temos de aproveitar isso. Mas precisa de uma visão de conjunto e de medidas mais ousadas”, defende Joaquim Cunha, lembrando que, coletivamente, se investiu muito em saúde. “Temos um conjunto de institutos, de cientistas, de profissionais que se distinguem entre os melhores da Europa. Mas vivemos debaixo desta nuvem negra do investimento público, que tem vindo a cair a pique na área científica”, lamenta o responsável do Health Cluster. E avisa que as instituições já estão a acender luzes vermelhas por causa dessa falta de fôlego financeiro acumulada ao longo dos últimos anos.
Aposta séria e de futuro
“A Saúde é um caminho de exportação e de criação de valor e de mais-valia óbvio para o país”, conclui Joaquim Cunha, lamentando que não se lhe dedique a devida atenção. Com prejuízo para todos. “O sector da Saúde em Portugal é um exemplo claro de pujança e desenvolvimento sustentado, como evidenciam os diversos indicadores económicos e sociais que dele derivam”, diz ainda. E elenca exemplos, que passam não apenas pelo peso da área na riqueza nacional e no emprego, mas pela qualificação, com 57% dos recursos humanos do sector a ter formação superior (licenciatura, mestrado ou doutoramento).
Destaca ainda, o responsável do Health Cluster, o compromisso crescente que o sector privado tem revelado com este compromisso, representando já praticamente um terço da despesa em Investigação e Desenvolvimento. “A I&D na Saúde em 2021 (dados definitivos mais atuais) foi de 698 milhões de euros, dos quais 286 milhões correspondem ao sector empresarial.”
A Saúde representa, ainda de acordo com aquela organização, um volume de negócios anual na ordem dos 34 mil milhões de euros e um valor acrescentado bruto (VAB) de cerca de 12 mil milhões.
Artigo publicado na edição impressa do NOVO, dia 4 de novembro.