Parece quase um contrassenso quando Portugal, assim como outros países, passa por um período de crise em que as famílias têm problemas de habitação ou simplesmente em pagar mensalmente os bens essenciais, mas o mercado do luxo no nosso país está em franco crescimento.
Não há um estudo que permita aferir da influência do luxo na economia nacional, muito embora Francisco Carvalheira, secretário-geral da Associação Portuguesa de Marcas de Excelência (Laurel), estime que ande “entre os 5% e os 7%” do produto interno bruto, o que dá um intervalo de 5 a 7 mil milhões de euros.

O que se sabe é que é um mercado em expansão e para isso tem contribuído a forma como se adaptou ao digital. “As marcas de excelência são um exemplo a seguir na forma como se adaptaram ao digital. O sector do luxo percebeu melhor do que ninguém o que tinha de fazer para chegar às novas gerações, muito bem mesmo. O luxo está muito à frente de qualquer outro sector nesse capítulo, até para minha surpresa. Percebeu que tinha capacidade de investimento e que era um segmento em que quem o aprendesse a trabalhar bem ganhava vantagem. Soube fazê-lo bem feito. As melhores práticas, os melhores exemplos de sucesso no digital vêm exatamente do sector do luxo”, adianta Francisco Carvalheira.

Budget dividido
Francisco Faria é um dos rostos do luxo em Portugal. Em 2013 encontraram o seu perfil “via Facebook” e convidaram-no a participar como modelo. “Como já gostava de moda, fui”, assinala. Filho de um ex-internacional português de futebol, Chico Faria, Francisco garante que o luxo entrou na sua vida “pela sensibilidade” com que olhava para o segmento. Trabalhou com várias marcas como Fendi, Valentino, JW Anderson, Axel Arigato, Paco Rabanne, Givenchy Beauty, Farfetch, Dolce & Gabbana, entre outras, e o digital surgiu como um prolongamento da sua vida de modelo.

“Comecei a olhar para este mercado de uma forma diferente ou, pelo menos, comecei a olhar mais para ele. Acho que foi isso que despertou em mim a entrada neste mundo”, confessa.

Hoje em dia é influencer numa associação com marcas de luxo que traz benefício para todas as partes. “O luxo é arte, é exclusividade e sofisticação, elegância. É uma série de valores que eu comecei a comunicar naturalmente pelo meu sentido estético, pela minha forma de estar, de falar, comunicar nas redes sociais as marcas. Criou-se uma sinergia e as marcas identificaram-se com isso”, revela, ainda que ressalve que as marcas não o procuraram por ter um grande lastro digital: “Quando comecei a trabalhar com marcas do segmento de luxo não tinha assim tantos seguidores e eu ia. Ainda hoje, não tenho um perfil ‘macro macro’. Nem 100 mil seguidores tenho. Sou muito grato por haver marcas com as quais sou o único português a trabalhar, e isso, se calhar, não é pelos meus números, é pelos valores e atributos com que as marcas acabam por identificar-se também.”

Tal como Francisco Carvalheira, Francisco Faria considera que o segmento do luxo soube adaptar-se da melhor maneira aos novos tempos. “Cada vez mais as marcas apostam em canais para chegarem às novas gerações, sobretudo no TikTok. Eu cada vez tenho mais trabalho no TikTok. Agora, as marcas já dividem o budget que teriam para gastar no Instagram com o TikTok porque sabem que também há público nesses meios”, salienta.

Cada vez mais ricos
Francisco Carvalheira sustenta o “crescimento do mercado do luxo” com a vinda para Portugal “de pessoas com grande capacidade económica”. Mas, para melhor se perceber, explica tripartindo os três consumidores-tipo das marcas de excelência: “Temos os turistas que vêm a Portugal e consomem em Portugal, temos os estrangeiros que residem em Portugal e compram em Portugal e os portugueses que compram em Portugal. É óbvio que o turismo e os residentes estrangeiros têm um peso significativo. É difícil dizer percentagens, mas o mercado dos portugueses continua a crescer muito. E os outros dois mercados, o dos turistas e o dos residentes estrangeiros, são um fator importante. Com a pandemia, tivemos dois anos em que as pessoas deixaram de poder comprar e pouparam. Depois houve um pico de aquisições de vendas das marcas generalistas em todo o mundo. O mercado do luxo também continua a crescer porque cada vez há pessoas mais ricas em vários países. O número de milionários e bilionários aumentou, inclusivamente em Portugal.”

Francisco Faria não tem dúvidas de que este é um mercado em expansão: “Basta vermos a quantidade de turistas na Avenida da Liberdade. Há uma percentagem que são massas. Há outras que procuram outro tipo de experiências.”

Internacionalizar
O próximo passo do segmento de luxo em Portugal passa por internacionalizar, o que é bem diferente de exportar. “Nós somos um país com uma capacidade de produção muito boa. Trabalhamos muito para marcas, ou seja, somos subcontratados, mas não temos marcas. A internacionalização é um processo que obriga a que primeiro se tenha marca e, depois, que se vá lá para fora com a mochila fazer o trabalhinho. Se o quisermos fazer de uma maneira global, tem de ser o sector privado a dar um passo em frente, não podemos pensar que é o Estado que vai fazer isso. Se houver essa vontade do privado, juntando os apoios estatais que todos os países têm para estes projetos, melhor ainda. O Estado pode ter um papel importante, mas o papel de rei é do empresário. A Laurel está a trabalhar com os privados e com as instituições do Estado no sentido de começarmos a desenhar estratégias e programas-piloto que mostrem que é possível fazer. Imagine que eu lanço um projeto-piloto para internacionalizar dez marcas e, destas dez, quatro têm sucesso: quando lançarmos o próximo programa, as pessoas vão dizer ‘se há ali quatro marcas que tiveram sucesso, eu não sou capaz?’. Então, no próximo programa, já temos oito marcas a terem sucesso. É assim que se começa”, explica Francisco Carvalheira, que revela que a Laurel vai levar em novembro “12 marcas portuguesas a visitar marcas de excelência na Alemanha”.

Francisco Faria já é um oásis no deserto. Criou duas marcas, a Hurricane e a Blue Avenue. A primeira dedica-se à chapelaria artesanal, e a segunda a calções de banho. “Noventa e cinco por cento do meu público é internacional, e das minhas vendas também”, garante o influencer, que pretende tentar em breve “o acting”.

Hotelaria e vinhos
Francisco Carvalheira diz que falta um estudo que consubstancie a influência do mercado de luxo na economia nacional. “A primeira vez é muito difícil. Estamos a preparar as bases que ficarão prontas até final do ano. Já temos os parceiros. Em 2024 vamos ter o primeiro estudo sobre o mercado da excelência em Portugal”, promete o secretário-geral da Laurel, que dá a conhecer as áreas mais fortes do nosso país no segmento. “Somos um país muito turístico. Depois temos expressão na joalharia, nos têxteis, nas peles, e começamos a ter também na cerâmica. Produzimos muito e bem, mas produzimos para os outros, que ficam com a grande percentagem do lucro, e nós com pouca. Se construirmos uma marca em Portugal muito forte, estaremos a deixar maior riqueza em Portugal”, sublinha.

Francisco Faria, por seu turno, “vê Portugal muito forte no mercado do luxo ao nível da hotelaria e dos vinhos”. Destaca marcas como a “Vista Alegre e a Topázio, no caso da joalharia”. Contudo, se pensar em luxo em Portugal, o que lhe vem realmente à cabeça são “a “hotelaria e os vinhos”.

Luxo igual a felicidade
Luxo, luxo, luxo. A palavra vem a acompanhar o texto todo mas, afinal, do que falamos? “O luxo, no geral, podem ser várias coisas: arte, exclusividade, sofisticação, elegância. O luxo é dinheiro, sem dúvida, mas quando as pessoas têm uma experiência de luxo – seja um jantar ou uma compra – é, sobretudo, felicidade. Mais do que poder, é felicidade. É uma experiência prazerosa”, define ao NOVO Francisco Faria, que não rejeita a possibilidade de as pessoas serem felizes sem dinheiro, mas rebate com uma frase de Coco Chanel: “As melhores coisas da vida são de graça. A segunda melhor coisa é muito, muito cara.”