A Habitação foi, há cinco anos, a entrada de leão e a saída de sendeiro de Ricardo Robles – o então vereador do Bloco de Esquerda que incendiava Lisboa em nome do direito à Habitação… até se descobrir que era mestre no negócio imobiliário (comprara um prédio à Segurança Social por 347 mil euros, recuperara-o e vendera-o por uns módicos 5,7 milhões). Mas o PCP também não escapa à acusação de praticar aquilo a que o partido chama de “especulação imobiliária”. Nesta semana, voltou às notícias e a ser tema no Parlamento a sede do partido em Aveiro, com a Vivenda Aleluia – que o PCP ocupou no 25 de Abril, depois arrendou ao reaparecido proprietário e em 2014 comprou – transformada agora num prédio de sete andares com casas à venda por meio milhão de euros.

O PCP garantiu, em comunicado emitido na quinta-feira, que “não é proprietário do espaço onde funcionou o Centro de Trabalho de Aveiro”. “Foi feita uma permuta, no seguimento da qual reverterá para o PCP exclusivamente o espaço equivalente às instalações que detinha, nomeadamente para garantir o centro de trabalho, que de outra forma seria impossível manter pelas exigências e encargos financeiros que se colocavam para a sua conservação.”

Ao NOVO, o PCP frisa que essa permuta não implicou o recebimento de qualquer valor. “O PCP não é proprietário do espaço onde funcionou o Centro de Trabalho de Aveiro. Foi feita uma permuta, no seguimento da qual reverterá para o PCP, exclusivamente, o espaço equivalente às instalações que detinha, nomeadamente para garantir o centro, que de outra forma seria impossível manter pelas exigências e encargos financeiros que se colocavam para a sua conservação.” Diz ainda o partido que “o PCP não é responsável pelas obras em curso, nem é proprietário dos imóveis que se encontram à venda, cujos valores são da exclusiva responsabilidade do atual proprietário”. Segundo o Polígrafo, que teve acesso ao documento, a permuta foi assinada apenas a 26 de junho de 2023 com a Empresa de Gestão Imobiliária e Construção Lda.

A demolição da casa para nascer um prédio é, porém, um projeto antigo. Em 2006, o partido ajudou a travar os planos do então proprietário da Vivenda Aleluia, com a câmara de Aveiro a acolher nessa altura o parecer do Instituto Português do Património Arquitetónico que reconhecia o interesse da casa construída na década de 30, com azulejos na fachada da antiga Fábrica Aleluia.

No final de 2019, porém, a alteração do Plano Diretor Municipal (PDM) acabaria por viabilizar a obra, então já desejada pelo novo proprietário da moradia, o PCP. Isso mesmo fica claro na intervenção do presidente da câmara, Ribau Esteves, na reunião de Assembleia Municipal de 26 de novembro desse ano.

“Eu quero saber se o PCP para o terreno onde está a vossa sede, que está à espera deste Plano Diretor Municipal que aqui vamos aprovar hoje, desistiu da proposta ou se mantém? E quero saber se V. Exa lhe chama especulação imobiliário ou se lhe chama gestão racional e inteligente de recursos?”, lê-se na ata da reunião. Ribau Esteves confrontava assim a vogal da assembleia, Ana Valente, comunista: “Este PDM cria condições para o presidente da Câmara (que concorda em absoluto), dizer sim à proposta do PCP, porque acho que o PCP não está a fazer especulação imobiliária quando quer trocar uma casa velha de dois pisos por um prédio de sete. Está a fazer gestão inteligente de recursos e gestão urbana sensata, na minha opinião. Agora decida-se. Porque esta atitude de ser Deus e Diabo ao mesmo tempo, não pode ser.

Em junho de 2022, era confirmada em reunião de Câmara a aprovação da demolição e do projeto de construção de um prédio. E o Notícias de Aveiro relatava a resposta de Ribau a um munícipe que o interpelara sobre a finalidade do novo edifício: “Não será para habitação social, mas tem sido muito bom trabalhar com o PCP, tem corrido muito bem.”

Os preços de meio milhão por apartamento T3 podem então não ser decisão do Comité Central, mas o projeto concretizou-se com o PCP na linha da frente, numa altura em que já agitava nas ruas a bandeira das “casas para viver e não para especular”.

Nesta quinta-feira, no Parlamento, o deputado comunista Bruno Dias – atacado pelo caso da sede de Aveiro – rejeitou críticas da IL, que disse não saber do que fala. Momentos antes, vincara o “drama que vivem famílias, para os jovens, estudantes e os seus pais”, defendendo que é “urgente garantir casas para viver, e não para especular” e apelando a uma grande adesão à manifestação marcada para hoje.

14 milhões em imobiliário, 400 mil de rendas
Histórico dono de um considerável património imobiliário, o PCP tem, na verdade, usufruído regularmente da sua condição de proprietário, cobrando rendas para rentabilizar edifícios não afetos à atividade partidária, comprando e alienando edifícios conforme precisa de liquidez.

No património avaliado em 14,5 milhões, conforme a última declaração enviada ao Tribunal de Contas (2022), os edifícios usados pelo partido – sedes e instalações onde decorrem atividades políticas, incluindo a Quinta da Atalaia, casa da Festa do Avante, alargada com a compra de um terreno contíguo em 2014, a valer perto de 1 milhão de euros – beneficiam até de condições mais vantajosas do que as dos proprietários comuns, já que estão isentas de IMI.

A última lista de imóveis e terrenos que são propriedade do PCP data de 2013. São 228 referências imobiliárias no patrimóbio elencado no relatório da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) do Tribunal de Contas, num valor global que ascendia aos 30 milhões de euros – incluindo vários a valer mais de um milhão de euros, segundo registo de Valor Patrimonial Tributário. Quantos destes resultam de doações ao partido, não se sabe, mas o mais valioso da lista é o que alberga a sede central do partido, na Soeiro Pereira Gomes (Avenidas Novas), referida como valendo 4,5 milhões de euros. Igualmente nesta fasquia estão os edifícios da Avenida da Liberdade (2,26 milhões), de Massarelos, Porto (1,95 milhões) e o Edifício Arrábida, onde funciona a Direção da Organização Regional de Setúbal (2,8 milhões).

Qual é a dimensão atual do património imobiliário do PCP? Quanto vale? Quanto recebe em rendas e paga de IMI e AIMI? Questionado pelo NOVO, o PCP respondeu apenas que “as matérias relacionadas com o património e contas do PCP estão, de acordo com a lei, entregues no Tribunal Constitucional”.

Segundo o relatório do ICFP de 2014, nesse ano o PCP recolheu mais de 384 mil euros em rendas, tendo cobrado um ano antes mais de 396 mil euros aos seus inquilinos. “Esta conta respeita ao património imobiliário do partido que se encontra arrendado e, por isso (não estando afeto à atividade partidária), não isento de IMI”, nota o Tribunal de Contas no mesmo relatório.

O valor mais recente de IMI pago pelo PCP especificado num relatório do Tribunal de Contas data de 2016: ascende a 34.327 euros. O Adicional ao IMI, que taxa propriedades de um mesmo titular num valor acumulado superior a 1 milhão de euros, só foi criado no Orçamento do Estado de 2017.