Mulheres ganham menos, têm empregos mais precários e acabam a receber pensões mais baixas
A desigualdade entre homens e mulheres, tanto no mundo do trabalho como na protecção na velhice, continua a ser uma realidade, apesar das campanhas de sensibilização e dos esforços anunciados.
Apesar dos muitos discursos e campanhas de sensibilização dos últimos anos, a igualdade entre os homens e as mulheres continua longe de ser a realidade. Os dados mostram que elas ganham menos do que eles, têm empregos mais precários, recorrem mais a trabalhos a tempo parcial, arriscam menos no trabalho por conta própria e, consequentemente, acabam por receber pensões mais magras, perpetuando-se nos anos de velhice o fosso sentido durante a vida activa.
No que diz respeito aos salários, entre os vários países europeus, Portugal não integra o grupo daqueles que registam os maiores fossos entre géneros, mas os últimos anos têm ficado marcados, por cá, por um agravamento da diferença entre os ordenados delas e deles que contraria a tendência verificada na globalidade da União Europeia.
De acordo com o Eurostat, o fosso salarial entre géneros – isto é, a diferença entre o rendimento por hora médio dos homens e o rendimento por hora médio das mulheres, expressa em percentagem deste primeiro – desceu para 12,7% no bloco comunitário em 2021, tendo sido todos os anos da última década caracterizados por recuos desse indicador, que em 2012, por exemplo, estava em 16,4%.
Já em Portugal, desde 2019 que a tendência tem sido de agravamento da diferença das remunerações entre trabalhadoras e trabalhadores. É que, depois de em 2018 ter atingido o valor mais baixo da série estatística (8,9%), Portugal viu aumentar para 10,9% esse fosso e a pandemia só veio agravar esse cenário: 11,4% em 2020 e 11,9% em 2021, de acordo com os dados mais recentes do gabinete de estatísticas europeu.
Em comparação, entre os Estados-membros, é a Estónia (20,5%) que ocupa o lugar cimeiro da tabela, seguindo-se a Áustria (18,8%) e a Suíça (17,7%). Enquanto isso, o Luxemburgo (-0,2%), Roménia (3,6%) e Eslovénia (3,8%) merecem destaque como países onde as trabalhadoras menos são discriminadas em termos salariais.
A estes dados, a CGTP junta um outro, numa análise feita a propósito da semana da igualdade: é entre os trabalhadores e trabalhadoras mais qualificados que a diferença é mais expressiva. Nas posições de quadros superiores, elas chegam a levar 600 euros a menos para casa do que eles.
“É precisamente entre os trabalhadores mais qualificados que o diferencial [salarial] é maior, em termos percentuais: 24,5% entre os quadros superiores, 14% entre os quadros médios e 16,5% entre os profissionais altamente qualificados face a 6,8% entre os trabalhadores não qualificados (devido à existência do salário mínimo nacional, em que as mulheres trabalhadoras são 52%)”, realça a central sindical liderada por Isabel Camarinha, citando os Quadros de Pessoal, que são divulgados pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP) do Ministério do Trabalho.
Pior: as mulheres não só ganham menos como tendem a ter maior peso no desemprego e empregos mais precários. No que diz respeito ao primeiro ponto, a análise da CGTP realça que, no final de 2022, as mulheres já eram mais de metade dos desempregados e frisa que a taxa de desemprego era mais elevada entre as mulheres (7%) do que entre os homens (6,1%). “Entre as jovens trabalhadoras com menos de 25 anos, chega aos 20,5%, sendo ainda mais alta do que entre os jovens trabalhadores do sexo masculino (19,4%)”, sublinha a central sindical.
Já quanto à precariedade, a referida estrutura sindical observa que este é um problema que afecta as mulheres de todas as faixas etárias, sendo especialmente alta entre as jovens trabalhadoras menores de 35 anos (37,5%) e, de entre estas, entre as menores de 25 anos (61%).
Os dados do Eurostat permitem também perceber que o emprego a tempo parcial (que, regra geral, está associado a salários mais modestos) tem maior peso entre as trabalhadoras do que entre os trabalhadores. Na União Europeia, 28% das mulheres empregadas (com 15 a 64 anos) tinham ocupações a tempo parcial no terceiro trimestre do último ano. Em comparação, 8% dos homens empregados estavam nessa situação – uma diferença, portanto, de 20 pontos percentuais.
Em Portugal, essa diferença não é tão expressiva – aliás, o fosso registado por cá é dos menores do bloco comunitário –, sendo importante notar que o trabalho parcial, como um todo, é menos popular por terras lusitanas, o que ajuda a explicar essa posição conseguida por Portugal nessa tabela.
De resto, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) já alertou que, apesar de poder fomentar a participação feminina no mercado de trabalho, os empregos a tempo parcial estão associados a menores salários, menores oportunidades de progressão e menores oportunidades de formação, contribuindo para a desigualdade entre géneros.
Mulheres arriscam menos no trabalho independente
Os dados conhecidos esta semana mostram ainda que entre as mulheres empregadas é menos frequente o trabalho por conta própria do que entre os homens empregados: 9,4% contra 16,4%, considerando a globalidade do bloco comunitário, sendo essa diferença maior entre quem tem qualificações inferiores e entre os trabalhadores e trabalhadoras com idades mais avançadas.
Entre os Estados-membros, é na Grécia que se regista o maior fosso do trabalho independente entre elas e eles (12,2 pontos percentuais), seguindo-se a Eslováquia (11,3 pontos percentuais) e Malta (10,6 pontos percentuais). Já Chipre (1,4 pontos percentuais), Luxemburgo (2,2 pontos percentuais) e Lituânia (3,7 pontos percentuais) destacam-se pela razão oposta.
E Portugal? Por cá, a diferença é de cerca de 5,7 pontos percentuais, não sendo das maiores do Velho Continente, mas também não ocupando os lugares inferiores da tabela.
Pensões mais baixas perpetuam desigualdades
Depois de uma vida de empregos mais instáveis e salários mais baixos, as mulheres chegam à velhice com pensões mais magras do que os homens, perpetuando-se a desigualdade entre géneros que se vive durante a vida activa.
Os dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) mostram que as mulheres com idades superiores a 65 anos recebem pensões, em média, 25% mais baixas do que os homens, sendo essa diferença mesmo superior a 40% nalguns países europeus, como a Alemanha, Luxemburgo e Países Baixos.
Já na Dinamarca, Estónia e Eslováquia, o fosso é inferior a 10% mas, ainda assim, existente. Portugal, com uma diferença de pensões pagas a eles e a elas superior a 30%, está acima da média da OCDE e ocupa um dos lugares do meio da tabela.
“O fosso nas pensões é substancialmente superior ao fosso nos salários, porque, além de terem tido empregos com salários mais baixos, as mulheres mais velhas estão mais expostas a empregos a tempo parcial e a pausas na carreira”, sublinha a OCDE, notando que, regra geral, estas prestações estão ligadas aos rendimentos (e descontos) conseguidos ao longo da vida.
“Além disso, tendo feito com maior frequência pausas para cuidar dos filhos e parentes, as mulheres podem enfrentar dificuldades em cumprir as contribuições exigidas e, portanto, estão mais propícias a receber a pensão mínima”, alertava ainda a organização, num dos seus relatórios sobre os sistemas de pensões.
De resto, numa entrevista recente ao Jornal Económico, Rosa Monteiro, antiga secretária de Estado para a Igualdade, confessava que, em Portugal, “a igualdade não tem sido uma prioridade”. “Tem faltado literacia política e social acerca da urgência e da importância estratégica de a fazer acontecer”, reconheceu a ex-governante. Portugal, é importante notar, tem já várias regras que impedem a discriminação das mulheres, nomeadamente no mundo do trabalho, mas o fosso face aos homens continua.