A escritora e germanista portuguesa Yvette K. Centeno lançou o seu mais recente livro de poesia, Ainda. A obra foi apresentada a 22 de março, em Campo de Ourique, por uma das suas netas, Maria Luísa Moreira, de 26 anos. O evento contou também com a intervenção do editor Carlos Alberto Machado e do ensaísta e amigo de longa data João Barrento.
“O título surgiu com essa ideia: ainda estou viva e ainda estou a escrever. Escrevo todos os dias e, para mim, escrever é uma forma de vida”, confessou Yvette Centeno ao NOVO. Para a capa escolheu uma pintura modernista do famoso dinamarquês Asger Jorn, de 1937. “É um livro atravessado por um quotidiano feito de literatura, que foi, toda a vida, a minha vida.”
Com mais de 60 anos de percurso literário publicado e considerada uma das escritoras mais importantes do país, Yvette Kace Centeno nasceu em Lisboa, em 1940, e dedicou-se à literatura infantil, ensaios de investigação, poesia, peças de teatro e ficção, com obras traduzidas para francês, espanhol e alemão.
“Sinto-me bem quando escrevo. Se não presta, deito fora. Se depois gosto, vou juntando e acaba, ou não, num livro”, explica, acrescentando que “a escrita é a capacidade de procurar dizer”. “E não digo de mim. Digo do mundo, digo do outro, digo de quem li.”
Centeno refugia-se na escrita desde sempre, particularmente nos últimos anos, para evitar o “aborrecimento” fruto da idade e da reforma, apesar de reconhecer o “privilégio” que é estar rodeada da “gigantesca” família, com quatro filhos e 13 netos.
“O mundo é duro para os mais velhos. Sou uma privilegiada, estou viva (…) mas semana sim, semana não, morre alguém do meu tempo”, lamenta. “Escrevo sobre a velhice dos outros, dos que conheço, que não têm aquilo que eu tenho, mas que eu sei que é difícil”, apontando a solidão, a sensação de abandono e a doença.
“E então ocorreu-me este nome, Ainda, como quem diz ‘olha, ainda aqui estou, à sorte, e posso escrever o que me ocorre e, enfim, ocorre-me um bocadinho de tudo’.”
A autora conta que “por trás de cada livro há uma história”, ao mesmo tempo que confessa que lhe é satisfatório que aquilo que escreva leve alguém “a escrever e a pensar mais e melhor”.
Sobre o estado atual da literatura, confessa que está “magnífica”, com uma geração nova de escritores “muito bons”, principalmente brasileiros.
O livro termina com o poema Liberdade, para celebrar os 50 anos do 25 de Abril: “Representa aquilo que pode sempre estar sob ameaça, dado o contexto político que atravessamos, que é a importância de preservarmos liberdades, direitos fundamentais, preservar também toda a democracia, as instituições, os direitos humanos e – claro, por ser uma voz feminina – os direitos das mulheres”, sublinhou ao NOVO a neta, Maria Luísa Moreira, durante a apresentação do livro.
“A minha avó sempre foi uma escritora com muita irreverência, com muita opinião e posicionamento. Portanto, é também uma lembrança de que é importante preservar as instituições, que não se seguram por si só. Temos de ser todos nós a dar esses passos a caminho da liberdade”, considerou. “Toda a sociedade tem essa responsabilidade, de maneiras diferentes”, concluiu.
Editado por João G. Oliveira
Artigo publicado na edição do NOVO de 29 de março