Em vésperas de tomarem posse governo e Parlamento, depois de meses com a governação e o futuro do país congelados por trapalhadas acumuladas até à dissolução do Parlamento, continua a discutir-se tudo o que não importa. A exigência de ação e seriedade ao novo governo, mas também à futura composição parlamentar da qual dependerá a sua longevidade e capacidade para tomar medidas eficazes e absolutamente necessárias, são empenhadas em troca de fait divers como a lotaria dos futuros ministérios e a inclusão ou não dos liberais nas pastas. Os caminhos para resolver problemas que há muito se avolumam e pôr Portugal finalmente a crescer valem muito pouco face à ideia da frente unida com que a extrema-esquerda e o PAN ameaçam fazer abalar, com um total de 14 deputados, as fundações de um governo apoiado por 80 representantes numa Assembleia maioritariamente virada à direita e na qual até o PS admite viabilizar soluções urgentes para embaraços antigos.

Primeiro foi o festival à volta de como Augusto Santos Silva passou de presidente da Assembleia da República, o segundo lugar da nação, a professor universitário, após ser empurrado da eleição pelo mesmo Chega que hostilizou e desprezou como se não fizesse parte do Parlamento que lhe cabia liderar. Afinal, é o fim da carreira política ou o homem que desde 1995 se dedica a representar os socialistas, ora na Assembleia ora no governo, ainda tem caminho a fazer rumo a Belém? O tabu das Presidenciais – que só acontecem daqui a dois anos! – mantém o mundo a salivar.

Logo depois vieram as teorizações sobre que horários são adequados para a indigitação de um primeiro-ministro e as opiniões sobre a necessidade de manter o país acordado até tão tarde, só para Luís Montenegro chegar a Bruxelas com o título. Prolongar a contagem de votos, que devia estar despachada às 17.00, até às 23.57 é uma coisa, mas obrigar-nos a ficar a pé mais meia hora, não se faz… Além do que só pode ter sido um plano para estragar os planos a António Costa, que ainda podia ter-se apresentado como primeiro-ministro, não fora a pressa do sucessor. Uma falta de respeito.

Entretanto, ainda houve tempo para prolongar por todos os meios – incluindo um manifesto assinado por sete (sete!) sociais-democratas – a discussão alimentada há meses sobre o que significa o “não” de Montenegro: se é um “não” em pleno, inabalável, ou um “não” assim-assim. E também para continuar a buscar argumentos psicossomáticos para o esmagamento que o Chega conseguiu nas urnas, sentando 50 deputados na Assembleia no próprio ano em que se cumprem 50 anos do 25 de Abril, e vingar o resultado eleitoral com a consolação da “humilhação” de Ventura.

Pelo caminho, deita-se o barro à parede sobre com quem irá o governo minoritário contar para parcerias que lhe deem solidez – ainda que o novo primeiro-ministro esteja cansado de repetir que, como tantos outros fizeram antes, irá governar com a força que recebeu dos votos na coligação AD.

Que país vai encontrar e que reformas terá de liderar o novo governo para melhorar a vida dos portugueses e trazer eficácia ao Estado e aos serviços públicos que tanto se degradaram na última década? Sobre que problemas internos é preciso que o executivo se debruce já e como se poderá monitorizar e exigir resultados das políticas que pretendam criar soluções para a saúde, a educação a habitação, a fuga de talentos? Que peso terá na governação um contexto internacional marcado por instabilidade, incerteza, debilidade económica e reequilíbrios geopolíticos? O que está em causa nas Europeias que acontecem daqui a três meses?

Nada disto chega aos calcanhares do que há de excitante na trica política e nos jogos de sobrevivência partidária. Venha o futuro que nos estiver reservado, que por aqui já parece haver pouco quem se rale com a forma como ele se desenha. E se correr mal, podemos continuar a lamentar a sorte à mesa do café.

Diretora